quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Factos sobre os incêndios que o governo não percebeu

Sem perceber as razões estruturais dos incêndios, não há reforma que seja eficaz.

1. Falta de rentabilidade da floresta. O primeiro facto que o governo não percebeu, e para o qual não fez qualquer proposta, é que os incêndios decorrem do abandono a que é votado grande parte do território “florestal”. Há dois tipos de abandono: i) o esquecimento puro, de que resultam os matos, sem valor económico, onde se expandem os fogos com mais facilidade, terrenos que nem sequer deveriam ser considerados “floresta”; ii) terrenos com árvores com algum valor, mas com exploração amadora, sem meios para cobrir os custos de uma gestão profissional. Por seu turno, este abandono decorre do facto de a generalidade dos benefícios sociais da floresta (absorção do dióxido de carbono, biodiversidade, estabilização das temperaturas e da humidade, espaço de lazer, etc.) não ser remunerada pelo mercado. O que se impunha é que esta falha de mercado fosse corrigida pelo Estado, criando uma remuneração para estes benefícios, mas este governo ignorou completamente este aspecto crucial de qualquer reforma da floresta digna desse nome.

2. Falta de escala. Mesmo que a questão anterior fosse acautelada, ela iria esbarrar noutro obstáculo: a extrema fragmentação da propriedade silvícola, com mais de meio milhão de proprietários, inviabilizando a sua rentabilização, mesmo com subsídios ambientais. É fundamental haver mecanismos de agregação da floresta (sugeri dois tipos, um pelas câmaras municipais, outro por fundos silvícolas, no artigo da semana passada). Como é possível que o documento do executivo seja completamente omisso sobre este tema incontornável?

3. Insuficiente passagem do foco do combate para a prevenção. As medidas apresentadas, demasiado pressionadas pelas insuficiências no combate (desde o SIRESP, à promoção de boys na Protecção Civil), acabam por não ter visão de fundo e não fazer a inversão essencial do trabalho, reforçando a prevenção e, assim, aliviando o combate.

Para além destas questões essenciais, acrescem os erros avulsos:

4. Compromissos vagos. Fala-se em limpeza das estradas. Mas, como muito bem pergunta o Henrique Pereira dos Santos, “Tem quantos dias [para ser feito]? Quantos meios? Quem paga? De que forma é que vai ser feito? Vai ser sistemático?”.

5. Estado accionista do SIRESP. O SIRESP tem funcionado de forma absolutamente vergonhosa e o que o Estado deveria fazer era exigir indemnizações em conformidade com o desastre de serviço fornecido. No limite, os actuais accionistas do SIPRESP deveriam oferecer as suas acções (completamente desvalorizadas) ao Estado. De forma alguma faz sentido o Estado tornar-se já accionista desta calamidade, o que corresponde a salvar a pele dos actuais donos (quase todos eles com um belo cadastro), e, na prática, impedir o Estado no futuro de exigir indemnizações ao SIRESP, porque estaria a exigir indemnizações a si próprio.

6. Novas centrais de biomassa. Segundo os industriais do sector, a floresta portuguesa já não tem capacidade de alimentar as existentes. Querem promover mais incêndios para promover as novas centrais? Em contrapartida, estes empresários sugerem como muito mais útil a criação de estufas de preservação da madeira ardida, “para assegurar uma gradual entrada nos mercados dessa madeira, impedindo a queda brusca do seu preço”.

Há dois tipos de políticos: os que se preocupam genuinamente em resolver problemas e os que se preocupam em passar a imagem de quererem resolver problemas. Em que grupo acha o leitor que este governo deve ser incluído?


[Publicado no jornal online ECO]

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