quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Ilusões orçamentais de Paulo Trigo Pereira

A “alternativa” orçamental de Paulo Trigo Pereira, para além de ser uma dura crítica ao Programa de Estabilidade 2017-2021, ignora a evidência empírica das últimas décadas, para além de esquecer a verdadeira razão porque fomos obrigados a pedir ajuda à troika: a gigantesca dívida externa.

Até 1995, a política económica portuguesa enfrentou a necessidade de respeitar o equilíbrio das contas externas. Quando esta restrição não era respeitada, éramos forçados a pedir ajuda ao FMI, como aconteceu em 1978 e 1983, devido a respostas erradas aos choques petrolíferos de, respectivamente, 1973 e 1979.

Com o governo de Guterres, embalados pela perspectiva de entrada no euro, criou-se a ilusão de que poderíamos ignorar as contas externas, e tentou-se estimular o crescimento económico com base no aumento da procura interna, aumentando a despesa pública. Os resultados desta política não podiam ter sido mais desastrosos: o potencial de crescimento da economia foi diminuindo até passarmos a divergir da UE a partir de 2000, tendo Portugal registado o terceiro pior desempenho económico deste espaço desde então, menos mau apenas do que a Itália e a Grécia; passámos a ter elevados défices externos, em torno de 10% do PIB (o que anteriormente nos teria levado a pedir ajuda ao FMI), e a dívida externa explodiu de uns insignificantes 8% do PIB em 1995 para 110% do PIB em 2011.

Pela n-ésima vez é necessário repetir isto: não foram as contas públicas que nos obrigaram a chamar a troika, foram as contas externas, que nos colocaram numa posição de extrema vulnerabilidade perante os investidores estrangeiros. A Itália tinha, então, uma dívida pública claramente superior à portuguesa, mas uma dívida externa pouco significativa, dependendo sobretudo dos investidores nacionais para se financiar. Acresce que grandes investidores que queiram investir em dívida pública da zona do euro, dificilmente podem deixar de investir em Itália, pela dimensão da sua economia e da sua dívida, enquanto a dívida portuguesa é claramente dispensável, pela sua pequenez e risco elevado.

O documento do deputado Paulo Trigo Pereira, de Ricardo Cabral, Luís Teles Morais e Joana Andrade Vicente, “Estratégias orçamentais 2017-2021: as opções de política”, do Institute of Public Policy, apresenta uma via “alternativa”, com défices públicos mais elevados, mas maior crescimento do PIB e dívida pública semelhante ao do Programa de Estabilidade 2017-2021.

O que há de errado com este documento, que nos promete o paraíso? Em primeiro lugar, imaginar que o problema de crescimento português é um problema de falta de procura, quando os estrangulamentos se encontram do lado da oferta. A evidência empírica do país dentro do euro é que viveu sempre com elevado excesso de procura (uma outra forma de designar os défices externos) e isso traduziu-se em dívida externa e não em crescimento.

Em segundo lugar, partir do dogma de que mais despesa pública significa mais crescimento, o que é contrariado pela experiência dos últimos anos. Em terceiro lugar, e eticamente mais grave, a ausência de uma secção sobre as consequências sobre as contas e dívida externas, que têm uma elevada probabilidade de apresentar problemas, como já estamos a assistir em 2017, em que o maior crescimento económico está a reduzir fortemente o excedente externo. Tem ainda que se acrescentar que o saldo positivo nas contas externas é extremamente frágil, porque se baseia num nível de investimento muito abaixo da média histórica, enquanto a poupança das famílias está em mínimos. Para além disso, a reposição de rendimentos conduz à compra de bens de consumo duradouro, com uma componente importada da ordem dos 90%, que no caso dos automóveis é ainda superior.

Aliás, esta estratégia de só falar nas vantagens e se esquecer – muito convenientemente – de qualquer contra-indicação ou efeito secundário, já tinha sido utilizada por este deputado do PS, aquando do documento de proposta de reestruturação da dívida.

No texto sobre a “alternativa” salvam-se as duras críticas ao irrealismo do Programa de Estabilidade 2017-2021 nas promessas de contenção da despesa, em contradição com as promessas eleitorais.


[Publicado no jornal online ECO]

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Quando é que se recuperam os milhões desviados por corrupção?

Quantos milhares de milhões de euros da nossa dívida pública são devidos à inoperância da justiça perante a corrupção?

Temos sabido de muitos factos em investigação e ficamos muito surpreendidos: porque é que só agora estão a ser investigados? Não se justificaria investigar este atraso? Os responsáveis que diziam que não havia corrupção em Portugal e que, tudo indica, eram os primeiros a impedir as investigações, vão ser levados a tribunal? Ou já tudo prescreveu?

Precisamos de uma auditoria à nossa justiça, analisando os últimos 20 anos, incluindo muitos casos prescritos, mas exclusivamente composta por estrangeiros. No estado em que as coisas estão e com as inúmeras cumplicidades que nos trouxeram até aqui, não é possível acreditar nos resultados de uma auditoria feita por portugueses, pelo menos por portugueses que tenham vida profissional em Portugal.

Estou convicto que a calamidade que se instalou na justiça portuguesa (e que talvez esteja em vias de ser corrigida) foi responsável por um clima de impunidade que permitiu que houvesse dez vezes mais corrupção do que se a justiça funcionasse. Considero, assim, que a parte mais grave da corrupção em Portugal não está nos políticos, mas na “inoperância” da justiça.

Há um outro problema que gostaria de levantar, porque me parece que está esquecido. Os contribuintes foram roubados em milhares de milhões de euros no conjunto de casos de corrupção que vamos conhecendo, fora aqueles que ainda não foram investigados. Não são precisos muitos casos graúdos para se chegar a mil milhões de euros, basta considerar que só o SIRESP poderá corresponder a um desvio de quase 500 milhões de euros. Tudo indica que o ministério público está exclusivamente preocupado em prender os culpados e não está minimamente empenhado em recuperar o dinheiro roubado.

Como é que se admite que Ricardo Salgado, envolvido em tanto do que é negócio escuro das últimas décadas, como vem sendo crescentemente divulgado, e o principal responsável pelo buraco aberto no BES, que já custou tanto aos contribuintes, se continue a passear por aí? Porque é que o seu património pessoal, não foi ainda “confiscado”, para pagar aos lesados do BES e porque é que são os contribuintes que estão a pagar a factura?

É muito questionável a estratégia seguida pelo ministério público na acusação a Sócrates, não só pela sua (falta de) eficácia, mas também porque constitui uma flagrante violação dos direitos dos cidadãos. É inadmissível alguém ter sido preso preventivamente sem que tenha sido informado do que está acusado.

Admite-se que o conjunto de que Sócrates venha a ser acusado seja vastíssimo, mas não se percebe porque não há já uma acusação inicial, com os casos em que as provas são mais irrefutáveis. A partir da primeira condenação, deveria ser obrigado a devolver o dinheiro roubado e toda a sua defesa futura ficaria muito mais frágil, até economicamente, deixado este réu de poder tourear a justiça, como é frequente suceder aos mais ricos.

Não tenho ilusões de que se possam recuperar todos os milhares de milhões de euros subtraídos aos contribuintes, até porque muito foi desbaratado em obras da mais duvidosa utilidade, mas já custa muito a aceitar que quase não haja qualquer esforço em recuperar os fundos públicos desviados.


[Publicado no jornal online ECO]

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

A ilusão do sucesso

Os dados do PIB do 2º trimestre, o “mais elevado do século”, não passam de um efeito estatístico, porque o trimestre homólogo foi mau e em Novembro isso tornar-se-á mais claro.

O crescimento de 2,9% no 2º trimestre é fruto de um efeito base e não resultado de uma transformação duradoura na economia, que não existiu. É certo que há actividades, como o turismo e a construção, que estão a conhecer um bom momento, mas as condições gerais de funcionamento da economia não melhoraram.

Pelo contrário, teve lugar a reversão de algumas das tímidas reformas forçadas pela troika e não há no horizonte qualquer proposta de mudança pelo actual executivo. Aliás, a paz social que vivemos tem como reverso o imobilismo total, que estão a impedir o país de responder aos desafios que o mundo, em acelerada mudança, nos vem colocando.

Neste momento vivemos na ilusão do sucesso, mas que será desfeito já em meados de Novembro, quando for divulgada a estimativa rápida do PIB do 3º trimestre, que deverá mostrar uma clara desaceleração em termos homólogos. Antes disso, o governo terá divulgado o cenário macroeconómico referente a 2017 e 2018, onde se deverá constatar que o crescimento para o conjunto do corrente ano será pior do que o 1º semestre, indicando que o segundo semestre deverá ser pior do que o primeiro. Para além disso, é muito provável que a previsão de crescimento para 2018 seja de desaceleração, reforçando a ideia de que não virámos nenhuma página em relação à quase estagnação dos últimos 16 anos.

Se não atingimos o sucesso, muito pelo contrário, isto tem que ser claríssimo e um governo que não quer reconhecer isto tem que pagar um preço político elevado pela sua omissão.

Desde logo, a oposição ao governo tem que ser muito mais clara em relação a este aspecto do que tem sido, para além de que deveria ter defendido muito mais as reformas que realizou e que o actual executivo destruiu. Agora poderá não ser a altura melhor para fazer isto, mas deve-se preparar para confissão de fracasso que deverá estar contida no cenário macroeconómico apresentado com o orçamento, em meados de Outubro. Em meados de Novembro deverá ter uma outra oportunidade com os dados do PIB do 3º trimestre.

Além disso, a sociedade civil tem que ser muito mais exigente, com este e com todos os governos vindouros. Se os executivos não pagarem um elevado preço político pelos seus erros e omissões, é evidente que estes serão muito mais frequentes e graves, pagando depois todos nós as suas facturas.

Neste momento, temos vindo a saber várias das acusações que impendem sobre Sócrates, mas poucos se podem mostrar surpreendidos. Alguém tinha dúvidas da sua pressão sobre a PT? Houve algum ingénuo que não se apercebeu que o contrato com o TGV foi especialmente alterado para prever uma grande indemnização caso o projecto abortasse? Etc., etc., etc.

A impunidade com que o então primeiro-ministro se permitiu fazer tudo isto prende-se, em primeiro lugar, com a inoperância (a prudência obriga-me a este eufemismo) da justiça e, em segundo lugar, a uma sociedade civil incapaz de se manifestar com força. Querem continuar assim? Querem um histerismo por causa de uns livros para actividades extra-escolares de crianças de seis anos, mas a total incapacidade de igual empenho em casos de corrupção de centenas de milhões de euros feitos à vista de todos?


[Publicado no jornal online ECO]