terça-feira, 11 de julho de 2017

Que soluções para o que se passa no Estado? (1)

Apesar da tentação de listar todos os erros cometidos, o mais importante é procurar soluções, que, evidentemente, têm que se basear num diagnóstico circunstanciado e correcto dos problemas.

O que mais impressiona nos desastres de Pedrogão Grande e Tancos é a lista interminável de falhas. Quase todas elas são inaceitáveis, mas o que mais impressiona é tantas terem ocorrido em simultâneo.

Em relação a Pedrogão Grande, muito longe de uma lista exaustiva, temos: um contrato do SIRESP que o Tribunal de Contas criticou, mas não impediu de se concretizar; um contrato que prevê que o sistema de comunicação de emergência possa não funcionar em situações… de emergência; um chefe da protecção civil nomeado contra o parecer das chefias militares, mas com fortes ligações ao PS (um “boy”); ausência de informação às populações em áreas de risco sobre quais os comportamentos adequados em caso de incêndio; etc.

No caso de Tancos, longe de esgotar o tema, temos: uma denúncia detalhada (com números de telemóvel) de suspeitos feita à PJ em Abril, que andou a passear entre várias “quintas” do Ministério Público, com dúvidas sobre qual seria “territorialmente competente” (!), até as escutas solicitadas serem barradas por um juiz; um sistema de videovigilância avariado há anos, quando se assiste a vários atentados terroristas pela Europa; uma vedação deficiente, cujo concurso de reparação foi publicado no Diário da República, para todos os potenciais ladrões ficarem a saber detalhes sobre as suas deficiências; etc.

Estes filmes de terror têm tudo a ver com uma enorme falta de profissionalismo e de ética e muito pouco a ver com falta de meios. Só em relação às Forças Armadas: quando é se adapta a sua estrutura ao fim da guerra colonial?

O primeiro problema que se denota é que os governos têm demasiada liberdade de acção, não havendo suficientes “pesos e contrafeios” para impedir o seu abuso, nomeadamente a corrupção. Se o Tribunal de Contas até detectou alguns problemas no contrato do SIRESP, porque é que não impediu a sua assinatura? Se não tem poderes para isso, deve passar a tê-los.

Um segundo problema é o peso crescente dos “boys” na administração pública, que degradam o funcionamento de tudo, quer pela sua falta de competência, quer por afastarem o princípio da meritocracia, desmotivando todos os restantes funcionários.

Para isto, sugiro a criação da Associação dos Funcionários Públicos Decentes, que denuncie os mecanismos que permitem a contratação de “boys” na administração pública e mesmo alguns dos casos mais flagrantes. Lembro-me de me contarem um caso em que se lançou um concurso público para um assessor de turismo, que apresentava como requisito… uma licenciatura em Filosofia. Que esta Associação denuncie também toda a falta de cumprimento de preceitos básicos.

Ao ritmo com que têm saído notícias escandalosas sobre estes casos, é natural que ainda venha a lume muita informação que possa levar a propor outras soluções para a actual degradação do Estado, pelo que este artigo deverá ter sequelas.

Portugal preparou-se muito mal para o desafio da globalização e o da digitalização está em crescendo. Alguém acredita que com o Estado neste estado, poderemos responder bem a estes desafios?


[Publicado no jornal online ECO]

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