terça-feira, 27 de dezembro de 2016

2017, um ano politicamente difícil

O sucesso eleitoral dos partidos anti-euro deverá fazer subir os diferenciais das taxas de juro entre a Alemanha e a periferia, em particular em Portugal

O ano de 2017 poderia ser de continuação de recuperação da crise de 2008, mas as incógnitas políticas poderão impedir que assim seja.

A maior destas incertezas deverá ser a presidência Trump, que poderá iniciar uma guerra comercial com a China, sendo difícil de antecipar até subirão e se espalharão as hostilidades.

As negociações do Brexit deverão iniciar-se e poderão oferecer-nos um olhar sobre o futuro da UE. Será que os líderes europeus vão tomar consciência dos erros cometidos, que provocaram o Brexit, ou vão castigar quem se atreveu a dizer que o rei ia nu? Temo que seja a segunda via a escolhida.

O que faria mais sentido é que a UE fosse reformada – leia-se aligeirada – para que estar neste espaço fosse mais atraente, o que até poderia, no limite, evitar a concretização do Brexit. Infelizmente, o caminho que parece que será trilhado deverá ser o de pretender manter os actuais membros, com a ameaça do mal que poderá decorrer da saída, tal como já sucede hoje com euro, em que os países participam só porque o divórcio é horrível. Durante algum tempo, esta estratégia poderá funcionar na prática, mas com o custo de alimentar um ressentimento crescente, que, quando explodir, não será nada bonito de se ver.

Na Europa continental, há um conjunto significativo de eleições, em Março na Holanda, na Primavera em França, no Outono na Alemanha, no início de 2018 (ou antes, se o governo não aguentar até lá), em Itália.

Todas estas eleições têm um padrão comum: os partidos anti-euro e anti-imigração estão em crescendo nas sondagens. Neste momento, as perspectivas de vitória são limitadas, mas quantos ataques terroristas haverá nos próximos meses e qual será o seu impacto na atracção destes partidos? Pior ainda, quantos abstencionistas é que se transformarão em eleitores destes partidos anti-sistema?

Uma coisa parece certa: os investidores deverão aumentar a probabilidade atribuída ao fim do euro, mesmo que esta probabilidade permaneça claramente abaixo dos 50%. Isto implica um aumento do diferencial de taxas de juro entre a Alemanha e os países periféricos, com destaque para Portugal, que é hoje o país em pior posição, a seguir à Grécia.

Em termos bancários, será que assistiremos ao colapso de um gigante europeu?

No nosso país, as incógnitas políticas também não são menores. Para além de eventuais efeitos externos, que até poderão ser fatais, como a referida subida das taxas de juro, os dois dados principais são as eleições autárquicas no Outono e a preparação do orçamento para 2018, na mesma altura.

Dada a quase abstenção do PSD e a cobertura limitada do CDS, o PS poderá ter uma vitória significativa nas autárquicas. Se as sondagens se mantiverem favoráveis, poderá ser interessante para António Costa demitir-se para governar com uma base mais estável do que actualmente e para sair do sufoco das negociações com os parceiros, sobretudo sobre o orçamento. Aliás, o orçamento de 2018 está sob risco, porque há um conjunto de medidas de aumento da despesa que só vigoram parcialmente durante 2017, aplicando-se durante todo o ano seguinte. É claro, e convém insistir, que a conjuntura externa pode estragar tudo isto.

A única certeza é que 2017 deverá ser também um ano “interessante”.

[Publicado no jornal online ECO]

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Pensar a cinco anos

As mudanças trazidas por 2016, deveriam levar-nos a pensar que os próximos cinco anos deverão trazer alterações profundas no euro, nos fundos comunitários e na própria UE.

Julgo que poucos duvidarão que os historiados futuros considerarão o ano de 2016 como de viragem. Quer o Brexit, quer a eleição de Trump representam um corte com as tendências políticas do pós-guerra, de integração europeia no primeiro caso e abertura ao exterior no segundo, para além de também terem em comum o facto de terem sido negados até à véspera. Ainda não sabemos quais são as alterações que se seguem, mas podemos conjecturar algumas delas num prazo de, digamos, cinco anos. Tal como nos casos referidos, muitos as negarão até se verem confrontados com elas.

O fim do euro é certamente algo a ponderar neste prazo, porque as tensões de desagregação da UE são fortes e a moeda europeia está na base de muitas destas dificuldades e enfrenta uma crescente oposição política em inúmeros países.

Fora do euro, Portugal ficará numa posição muito mais frágil, e tanto mais frágil quanto mais erros cometer antes do final desta moeda. A razão porque a DBRS nos salvou do lixo foi por acreditar no enquadramento do euro como fortemente disciplinador do país. Sem euro, essa rede de segurança desaparece e ficamos muito mais sozinhos. Aí, o que passa a contar é a nossa história nacional e ela não é brilhante nem antes do euro nem durante. Conseguem imaginar os custos brutais de acrescentar a isso uma restruturação da dívida? Um problema de reputação não é muito caro dentro do euro, mas é caríssimo fora da moeda única.

Uma razão adicional para nos portarmos bem é que as condições de saída do euro não estão definidas e quanto melhores as nossas “notas”, mais poder negocial teremos.

Com a diminuição da solidariedade europeia em curso, não custa nada imaginar que o orçamento comunitário, se existir, será muito menos generoso a partir de 2021, pelo que, por esta via, também ficaremos mais dependentes de nós próprios.

A própria UE, se sobreviver aos próximos cinco anos, será uma versão empalidecida da de hoje, mais enfraquecida e desprestigiada.

O que isto implica para Portugal, é que precisamos de ser muito “bom aluno” e fazer o trabalho de casa para nos prepararmos para um mundo em que não podemos contar muito nem com a solidariedade nem o prestígio da UE.

Temos que ter as contas públicas na ordem, sem artifícios nem ilusões, e precisamos de reformas estruturais sérias para sairmos da estagnação dos últimos 16 anos. A nossa envolvente vai-se deteriorar e se não nos prepararmos, vamos pagar caro por isso.

É claro que se nenhum destes riscos se materializar, não perdemos nada em nos termos portado bem, muito pelo contrário. Ou seja, não há desculpa nenhuma para evitar fazer o que precisa de ser feito.


[Publicado no jornal online ECO]

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Reestruturar a dívida?

Reestruturar a dívida pública levaria o sistema bancário à falência e exigiria um novo resgate da troika. Têm a certeza que é isso que querem?

Em relação aos mais variados assuntos é muito importante distinguir entre objectivos e instrumentos. O objectivo é aquilo que verdadeiramente interessa, enquanto os possíveis instrumentos são completamente secundários, devendo ser escolhidos com flexibilidade e inteligência, sendo absurdo qualquer tipo de finca-pé em relação a um instrumento específico.

No caso da dívida pública, o objectivo – totalmente consensual – será diminuir o peso dos seus encargos. No caso português, quais são os instrumentos possíveis para alcançar isto? Um primeiro instrumento, que é um objectivo em si mesmo e até mais importante do que diminuir o peso da dívida, é crescer de forma robusta e sair da estagnação dos últimos 16 anos. Com mais PIB, o rácio da dívida sobre o PIB irá diminuindo naturalmente, para o mesmo nível de défice público.

Se queremos crescer mais não devemos reverter as reformas do tempo da troika cujo objectivo era exactamente esse, nomeadamente no mercado de trabalho, nem afugentar investidores com reversão de privatizações e contratos de concessão.

Um segundo instrumento para diminuir os encargos com a dívida é reduzir o défice público, o que ajuda por duas vias: porque a dívida se vai reduzindo e porque o bom comportamento se traduz em taxas de juro mais baixas.

O caminho não é certamente assustar investidores (da economia real), que leva à desaceleração da economia, que faz cair as receitas fiscais, que coloca as metas orçamentais em causa, que afasta investidores financeiros e faz subir as nossas taxas de juro.

Há quem avance com um terceiro instrumento, a reestruturação da dívida. Como é que este instrumento se compara com os anteriores e como é que se relaciona com eles? Desde logo, tem que se reconhecer que o primeiro instrumento – crescer – é muito mais importante do que este terceiro instrumento, porque é um objectivo em si mesmo, do qual depende tudo o resto, desde a criação de emprego até à preservação do Estado social. É certamente absurdo tomar medidas que impedem o crescimento e depois vir defender a reestruturação da dívida.

Em seguida tem que se dizer, que uma reestruturação da dívida implica ficar fora dos mercados financeiros durante um período significativo, porque tão cedo não conseguiremos que haja quem confie em nós. Ou seja, o terceiro instrumento pressupõe a aplicação do segundo instrumento e um novo resgate da troika. É que a banca portuguesa iria toda à falência, porque são dos grandes investidores em dívida portuguesa. Como é que um Estado sem acesso aos mercados financeiros poderia recapitalizar todo um sistema bancário falido?

Como é óbvio, a troika iria impor medidas para conseguir os dois primeiros instrumentos referidos. Aliás, não faria qualquer sentido reestruturar a dívida e deixar intacto o que nos levou a uma dívida muito elevada (fraco crescimento e défices excessivos).

Em relação às taxas de juro pós-reestruturação, convém recordar que na Grécia, que já fez uma restruturação, as taxas de juro só há poucos meses é que diminuíram para menos de 8%. Em Portugal, no final de 2015, estavam em 2,5% enquanto em Espanha se fixavam nos 1,8%. Entretanto, no nosso vizinho caíram para 1,5%, como na generalidade dos países europeus, enquanto em Portugal subiram para 3,8%, graças às “excelentes” escolhas deste governo. Com medidas melhores, elas poderiam estar entre 2% e 2,5%, enquanto com uma reestruturação é facílimo que ultrapassassem os 5%. Ou seja, mesmo que conseguíssemos cortar a dívida em metade (no mais fantasioso delírio), nem isso faria diminuir os encargos com juros. Para já não falar em como ficarmos com o carimbo de “caloteiros” seria um desastre para a atracção de investimento e criação de emprego.

Concluindo: o instrumento reestruturação para o objectivo de reduzir os encargos com a dívida é não só pior do que os outros instrumentos disponíveis, como até contraproducente. Será excessivo pedir que se adopte uma abordagem racional?


[Publicado no jornal online ECO]

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

E agora, Itália?

O “não” italiano de Domingo colocou o país mais próximo de um referendo à permanência no euro.

1. O sistema constitucional italiano, tal como o português, está, ironicamente, muito influenciado pela ditadura passada. Em Itália, o sistema eleitoral dificulta a criação de governos maioritários e o facto de haver um Senado e uma câmara baixa dificulta a aprovação de legislação. Em Portugal, existe o primeiro problema, que se foi atenuando ao longo do tempo.

A ironia maior desta situação é uma ditadura ter uma influência tão longa e perversa sobre o regime que a substitui. O receio da concentração de poderes leva a criar um sistema de governo instável e lento a tomar decisões o que dá um mau nome à democracia. A má reputação da democracia, por seu lado, poderia dar popularidade a uma tentação autoritária que, felizmente, não se tem materializado. Há aqui uma enorme perversão: o medo da ditadura cria condições para o seu retorno.

A reforma referendada no domingo passado em Itália tinha o objectivo de retirar quase todos os poderes ao Senado, justamente com o propósito de agilizar a tomada de decisões. O argumento contra o medo da ditadura fascista do passado fez-se ouvir, bem como críticas à qualidade da reforma apresentada, nomeadamente por conter uma norma segundo a qual um partido que ganhe as eleições com 40% teria um bónus de deputados por forma a ficar com 56% dos deputados no parlamento. Qualquer que seja a importância relativa destas duas críticas, a reforma foi claramente chumbada e o primeiro ministro demitiu-se, como tinha prometido, embora houvesse professores de ciência política que não acreditassem que cumprisse esta promessa.

O que se segue, no plano político, tanto poderá ser um novo governo, liderado pelo próprio Renzi ou outro, até às eleições do início de 2018, ou eleições antecipadas. Seja qual for o momento que se realize um novo acto eleitoral, o partido de Beppe Grillo está bem colocado nas sondagens e já prometeu um novo referendo, desta vez à permanência do euro. O euro pode não ser a causa dos problemas italianos, mas desde a sua entrada nesta nova moeda só houve um país com um desempenho pior do que a Itália, a Grécia, pelo que é impossível sobrevalorizar o impacto desestabilizador dum tal referendo.

No plano económico, a salvação do sistema bancário italiano sofre um duro golpe, ficando muito mais difícil de concretizar num cenário de múltiplas incertezas.

2. Hoje em dia, a história é subvalorizada, sendo pouco ensinada na sua componente política, que é “mestra da vida”. No entanto, é indesmentível que a chegada do exército otomano às portas de Viena, no século XVIII, tem um peso importante no inconsciente colectivo da Áustria e da Hungria.

A última vez que Portugal esteve em guerra com Espanha foi entre 1640 e 1668 e, mesmo assim, ainda não há muito tempo se olhava com grande desconfiança em relação aos nossos vizinhos, com quem partilhamos inúmeras características.

Em contrapartida, a Hungria tem uma história de invasões (a última foi em 1956) e subjugação a poderes externos e é impossível que a passagem de multidões de refugiados não faça vir ao de cima todos os medos do inconsciente colectivo desta nação. Não se pode pedir a este país o mesmo que a países com uma história mais tranquila.

No caso da Áustria, como centro de império, mais dono do seu próprio destino, poderá não haver tantos receios como no caso da Hungria, mas o trauma de assistir a Viena ameaçada está presente no inconsciente colectivo deste povo e estará a ser reacendido pelo afluxo de refugiados de culturas muito distintas.

Desta vez, a extrema-direita não ganhou as eleições, mas obteve quase 47% dos votos, pelo que poderá chegar ao poder numa próxima eleição.

A obsessão pela uniformização na UE, em vez da promoção de liberdade, geradora de soluções mais criativas, está a levantar cada vez mais problemas. Não se pode obrigar Estados com histórias completamente diferentes a terem hoje as mesmas políticas, porque o passado carrega um peso significativo.


[Publicado no jornal online ECO]

sábado, 3 de dezembro de 2016

Trump e Portugal

Trump deverá, indirectamente, levar o BCE a deixar de comprar dívida pública portuguesa, cujas taxas de juro deverão subir e ficar mais vulneráveis.

Trump é simultaneamente imprevisível e incoerente e esta segunda característica reforça a primeira. Quer uma América mais isolacionista, mas pretende aumentar a despesa em Defesa. Qual dominará?

Em termos económicos já disse que queria um programa de estímulo, mas também mais proteccionismo. Em relação ao estímulo, teme-se que em vez de investimentos financiados com dívida pública, com taxas de juro muito baixas, apesar do efeito da sua eleição as ter subido, pretende entrar nas famigeradas parcerias público-privadas, com os contratos mais nebulosos possíveis (isto faz-vos lembrar alguma coisa?), para alimentar amigos e provavelmente receber comissões com isso.

O expansionismo orçamental previsto deverá acelerar a economia, que ainda apresenta uma folga significativa, apesar de a taxa de desemprego já estar muito baixa, reforçando a apreciação do dólar, que já se iniciou por antecipação.

Ora esta apreciação do dólar deverá alargar o défice externo americano, num movimento oposto ao desejado por impulsos proteccionistas, pelo que é possível que estes se intensifiquem algum tempo depois.

Na Europa em geral e em Portugal em particular podem estimar-se dois efeitos positivos, da depreciação do euro e do contágio do dinamismo americano ao continente europeu, quer por vida directa (do que exportamos para os EUA), quer indirecta (do que exportamos para os países que exportam para os EUA). Resta um efeito potencialmente negativo, que se prende com a incerteza que deverá rodear a futura política económica e também militar da maior potência mundial.

A depreciação do euro deverá ter impacto sobre a inflação da zona euro, que o BCE estimava, em Setembro, que aceleraria para 1,2% em 2017 e 1,6% em 2018. Dado que a política monetária tem um desfasamento muito longo sobre os preços (6 a 8 trimestres), o BCE deverá dar uma atenção especial às previsões para 2018, já muito próximas da sua meta de inflação (“abaixo mas perto de 2%”) que deverão ser claramente revistas em alta devido à evolução cambial do euro. Deve ainda acrescentar-se que, infelizmente, o BCE encara a sua meta de forma assimétrica, considerando pouco importante ficar muito abaixo da meta, mas muito grave ficar um pouco acima dela.

Por isso, é mais do que provável que em Março do próximo ano, quando cessa o programa de expansão quantitativa em vigor, ele não seja substituído por mais nenhum outro e o BCE deixe de comprar dívida pública portuguesa. Ou seja, aos efeitos atrás referidos há que acrescentar este, deixando Portugal de estar anestesiado pela política do BCE e passando as nossas taxas de juro a ficar muito mais vulneráveis. Isto não tem que se traduzir necessariamente numa subida mais acentuada das taxas de juro da que se verificar nos outros países (que é quase certo que venha a acontecer pela alteração das políticas do BCE), mas vai implicar que os mercados vão ser capazes de exercer uma vigilância mais apertada sobre as nossas políticas e orçamentais. Na perspectiva do país, não se pode dizer que isso seja negativo, mas na óptica do governo e seus apoiantes, o caminho ficará mais estreito.


[Publicado no jornal online ECO]