quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Reconhecer os erros

Os dados do PIB do 3º trimestre deveriam levar o governo a reconhecer, sem qualquer ambiguidade, o erro da sua estratégia económica e a mudá-la em conformidade.

1. Os dados preliminares do PIB do 3º trimestre foram substancialmente melhores do que o esperado, sendo ainda necessário conhecer os seus detalhes, que só estarão disponíveis no final do mês. A sua decomposição é particularmente importante para avaliar a sua sustentabilidade.

É favorável que os bons valores se devam ao comportamento das exportações, quer de bens, quer de serviços (turismo), porque indicará que o movimento será mais generalizado do que apenas ao turismo. Circula, de forma não oficial, a informação de que a reabertura de uma refinaria e a exportação de material militar usado estarão a empolar os valores das exportações, mas teremos que esclarecer isso.

A contribuição da procura interna para o crescimento homólogo do PIB (acelerou de 0,9% para 1,6%) foi agora mais intensa, o que não é um bom sinal porque resultou do consumo privado na sua componente de bens não duradouros e serviços.

É essencial insistir neste ponto: Portugal tem um excesso de consumo privado e um défice de poupança (quer privada quer pública) e se não corrigirmos isto não poderemos voltar a investir sem cair de novo em défices externos.

O investimento é exactamente a incógnita mais procurada, tendo tido um comportamento muito negativo no 1º semestre e podendo constituir um forte entrave à recuperação futura e à criação de emprego se não passar a crescer. Teremos que esperar ainda alguns dias para esclarecer este ponto.

Não devemos extrair demasiadas conclusões destes números porque ainda são muito pouco detalhados e se trata de um número desfasado dos imediatamente anteriores, ainda que igual ao crescimento médio de 2015.

No entanto, eles deveriam ajudar o governo a perceber o erro de ter mudado a estratégia económica do país, de um foco nas exportações (ou bens transaccionáveis se preferirem) para a procura interna. Se não têm coragem de o assumir publicamente, já que existe a errada ideia feita de que reconhecer um erro é uma falta grave em política, ao menos reconheçam-no na prática, aumentando o apoio e, sobretudo, retirando os obstáculos absurdos à actividade das empresas exportadoras.

2. Seria possível fazer pior na gestão da CGD? Como foi possível ignorar o plano de capitalização da Caixa proposto pela anterior administração? Porque razão se adiou a constituição da nova equipa? Porque se escolheu um modelo que não melhora a fiscalização da empresa, muito pelo contrário, em boa hora travado pelo BCE?

Que trapalhada é esta com a declaração e divulgação de rendimentos e património da administração do maior banco público? Há compromissos escritos ou não? Quanto é que a CGD e os contribuintes já perderam com este folhetim de baixo nível? Quando é que o governo reconhece que errou de forma grave e emenda a mão?


[Publicado no jornal online ECO]

Os criadores dos Trumps

É irónico que aqueles que ficam mais horrorizados com a vitória de Trump seja aqueles que mais contribuíram para criar as condições para o seu sucesso.

Trump está muito longe de ser um fenómeno isolado: teve o Brexit como antecedente e deverá ter novas manifestações no próximo ano. Na Primavera, teremos as eleições presidenciais francesas, em que Marine Le Pen tem, pelo menos, boas condições de passar à segunda volta. No Outono, terão lugar eleições legislativas na Alemanha onde, se se repetir o resultado de algumas eleições estaduais, os democratas-cristãos poderão ser ultrapassados pela Alternativa para a Alemanha, com um discurso anti-euro e anti-imigração.

Para lidarmos com esta realidade, o caminho não será certamente gritar horrorizado, porque isso não resolve nada. Mil vezes mais útil será perceber o que nos conduziu aqui, para limitar danos e conseguir, na medida do possível, impedir a sua expansão.

Reconhecendo a complexidade do fenómeno, parece seguro destacar o divórcio crescente entre o comum dos mortais e as elites culturais, com um discurso anti-ocidente, culpado de todos os males do mundo, com uma agenda assumidamente fracturante. Queriam uma fractura? Pois aqui a têm.

Dentro das elites culturais, há que destacar o papel da comunicação social, como produtora e veiculadora de mensagem fracturante e de uma absurda inversão de valores, em que um cão chega a valer mais do que uma criança. Dentro da inversão de valores cabe também essa estranha valorização de culturas de imigrantes contrárias a valores ocidentais essenciais, tais como os direitos das mulheres. Transpondo para a realidade nacional, diríamos que Trump seria o candidato do Correio da Manhã, com uma tiragem superior a todos os outros somados.

Uma das coisas mais irónicas é que os eleitores de Trump, com pouca instrução e baixos rendimentos, foram tradicionalmente acarinhados pelos principais partidos, quer pelo seu número, quer pela relativa fragilidade da sua situação, que justificava apoios.

O predomínio do politicamente correcto levou ao desvio de apoios para novas minorias e, mais do que o problema económico, houve o problema dos valores e do discurso. Os pobres tradicionais foram ostracizados e alvo de grande intolerância, por não aderirem a um discurso demasiadas vezes completamente hipócrita.

A esta raiva de décadas contra a elite cultural, juntou-se mais recentemente o ressentimento contra a elite económica, sobretudo contra a impunidade da banca em relação aos seus erros passados e a chuva de ajudas públicas, mas também o fosso de desigualdade que se tem criado.

Nos EUA até se tem sentido uma quase recuperação económica da crise de 2008/2009, com o desemprego a cair já para 5%, mas na Europa isso ainda não aconteceu, pelo que se pode esperar ainda mais revolta.

Infelizmente, dadas as raízes culturais e ideológicas do actual fosso entre intolerâncias é difícil estar optimista sobre um apaziguamento próximo.


[Publicado no jornal online ECO]

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Qualificação (a sério) em vez de betão

Um dos erros estratégicos mais chocantes das últimas décadas foi o peso absurdo dado ao betão, em detrimento do investimento em formação genuinamente qualificante, com grave prejuízo para os jovens.

A seguir ao 25 de Abril, havia muitas necessidades básicas a satisfazer, como trazer água potável, esgotos e electricidade a largos segmentos da população, bem como preencher lacunas graves nos sistemas de transportes, sendo útil recordar que a auto-estrada Lisboa-Porto só foi concluída em 1991.

No entanto, de então para cá, insistiu-se em prosseguir investimentos de utilidade cada vez mais duvidosa, como construir auto-estradas quase sem tráfego, bem como estádios de futebol e outros delírios. Assim, temos hoje uma posição muito confortável nos principais rankings internacionais em termos de infra-estruturas, embora em termos de qualificação da mão-de-obra ocupemos o último lugar na Europa.

Há muito que a educação tem sido arvorada em grande desígnio nacional, mas isso não tem passado de verbo de encher, porque os resultados práticos continuam insuficientes para corrigir o nosso atraso, mesmo em relação a países claramente mais pobres do que nós.

Em particular, na formação profissional, tem-se atirado dinheiro à rua, com as “formações” das Novas Oportunidades, que em má hora este governo pretendeu ressuscitar, ainda que rebaptizadas. O mais chocante é que tem sido possível haver bastante dinheiro para investir, mas que se tenham feito escolhas tão absurdas, de puro desperdício, quando temos tanta necessidade de melhorar a qualificação dos nossos trabalhadores.

De acordo com um estudo da PricewaterhouseCoopers (http://www.pwc.co.uk/youngworkers), se todos os 35 países da OCDE reduzissem a taxa de desemprego dos jovens para os níveis da Alemanha, os ganhos obtidos no longo prazo poderiam ser da ordem dos 1,1 milhões de milhões de dólares.

Neste estudo, no índice PwC de Jovens Trabalhadores, Portugal encontra-se na 32ª de 35 posições, só à frente da Itália, Grécia e Espanha. Estes países, tal como a Turquia, têm uma percentagem muito elevada de jovens que não estão a estudar, nem a trabalhar, nem em estágios.

A Alemanha, com o seu sistema dual de ensino, que incorpora o treino no ensino formal, tem muito para nos ensinar, sendo um caminho que conduz a taxas de desemprego jovem muito mais baixas dos que as que se verificam em Portugal, bem como fornece habilitações muito mais próximas das que são efectivamente valorizadas pelo mercado de trabalho, conduzindo a salários mais elevados.

A Alemanha tem também envolvido os empresários, para introduzir este sistema dual de ensino e para se focar na inclusão social.

Na verdade, a nossa pobreza relativa não pode ser explicada por qualquer tipo de condição “periférica” (há mais de cem anos que a Europa deixou de ser o centro do mundo), mas sobretudo pela nossa tolerância face a políticas públicas obviamente erradas, que esbanjam recursos que o Estado retira aos contribuintes, desrespeitando profundamente os esforços e sacrifícios que estes fazem.

[Publicado no jornal online ECO]

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Criminalizar a desonestidade orçamental

A partir de 2016, a possibilidade de sanções tornou-se bem real, o que impõe que se passe a criminalizar a desonestidade orçamental.

A participação no euro, por definição, iria eliminar as políticas monetário-cambiais nacionais, o que conferia uma importância acrescida às políticas orçamentais nacionais, que ficavam como o quase único instrumento à disposição dos governos para enfrentar crises específicas dos seus países.

Daí também a importância atribuída ao controlo das contas públicas no Tratado de Maastricht, assinado em 1992. Se os orçamentos não estiverem perto de equilibrados nos anos de vacas gordas, a política orçamental nunca poderá ser usada para amenizar períodos de vacas magras.

Nos países periféricos, em que adesão ao euro correspondia a um forte estímulo monetário, com a descida substancial das taxas de juro, havia um argumento adicional para a contenção orçamental, para contrariar este estímulo e impedir que ele se transformasse numa explosão de procura e perda de competitividade.

Em Portugal, ao contrário de Espanha, os governos não perceberam isto e julgaram que os critérios de Maastricht eram uma mania da “Europa” e não uma necessidade absoluta de preservação da saúde da economia nacional. Não só não houve a contenção orçamental necessária, como ainda se criaram PPP, que são pura desonestidade de contabilidade pública.

Em 2001, no final do “pântano” de Guterres, deu-se um novo passo na fraude, ao apresentar em Bruxelas um défice totalmente martelado, de cerca de 1% do PIB, que acabou por se revelar ser superior a 4% do PIB, inaugurando – com duplo estrondo – a entrada de Portugal no processo de défices excessivos, por ultrapassar os 3% do PIB, e por ter sido fraudulentamente camuflado.

Em 2009, repetiu-se a fraude, tendo Sócrates escondido o verdadeiro défice até as eleições legislativas desse ano. Neste caso, não foram só os nossos parceiros comunitários que foram enganados, foram também os eleitores, que foram impedidos de fazer uma avaliação política do governo.

Infelizmente, porque o público português parece o mais distraído de todos, é importante sublinhar que estas trafulhices nas contas públicas são altamente destrutivas da imagem de Portugal no exterior, que afastam os investidores estrangeiros e fazem subir as taxas de juro, porque ninguém quer investir num país em que o próprio governo se comporta como um delinquente de vão de escada.

Em 2016, as sanções, que sempre estiveram previstas para o não cumprimento dos limites orçamentais, passaram a estar muito mais próximas de ser aplicadas, o que torna mais grave a desonestidade orçamental, já que esta nos pode custar – directamente – centenas de milhões de euros em sanções.

Pelos custos de reputação, pelos custos em taxas de juro (do Estado, da banca, das empresas e das famílias), pelas sanções, defendo que os responsáveis por uma eventual desonestidade orçamental, provavelmente o Ministro das Finanças, o Secretário de Estado do Orçamento e o Director Geral do Orçamento, passem a ser criminalmente responsáveis por tal.

Não nos tentem enganar com qualquer subalterno, porque nenhum funcionário público participaria em tal coisa, sem ordens superiores, da mais alta instância. Aliás, convém perguntar, se algum funcionário for submetido a pressões para perpetrar estas ilegalidades, que protecção legal pode esperar? Vai ser perseguido como todos os outros que antes se “atreveram” a denunciar corrupção? O Ministério Público continua com a cultura do “respeitinho”?

Para terminar, devo acrescentar que quem estiver contra esta proposta de alteração legislativa terá dificuldade em se libertar de suspeitas de encobrimento.

PS. Que loucura se apossou deste governo que cria no orçamento uma norma que desresponsabiliza autarcas por má despesa pública? Ao fim de 14 anos de austeridade, que continua sem fim, os portugueses querem o regresso da bandalheira na despesa financiada com o dinheiro dos nossos impostos?


[Publicado no jornal online ECO]