sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Fuga de capitais

Se queriam fomentar a fuga de capitais e a não entrada de outros mais, não podiam ter escolhido nem melhor altura nem melhor medida do que criar um novo imposto sobre o património imobiliário.

Quando este governo tomou posse havia um conjunto de questões que não podia ignorar: o nível muito elevado da nossa dívida externa (mais de 100% do PIB), só possível graças ao euro; a estrutura extremamente frágil desta dívida, demasiado financeira e, por isso, com risco de não ser re-financiada; a muito baixa confiança dos investidores, com três das quatro agências de rating consideradas pelo BCE a classificarem a dívida pública como “lixo” e a quarta a colocá-la apenas a um nível daquela avaliação; um nível de investimento abaixo do mínimo para a manutenção dos equipamentos, desde 2012; um nível insuficiente de poupança; Portugal estar na zona do euro, onde é imperioso existir liberdade de circulação de capitais.

Estes eram os dados do problema, que o executivo parece ter ignorado: reverteu privatizações e concessões; não cumpriu o compromisso assumido pelo PS na reforma do IRC; reverteu algumas reformas aprovadas por pressão da troika, imprescindíveis para o crescimento e o emprego. Os resultados não se fizeram esperar, com uma queda do investimento logo no 1º trimestre da nova governação, com uma significativa queda na confiança, que já não era muita.

Desde então, o governo tem-se mostrado incapaz de aprender e de recuar nos seus erros. Assim, é sem surpresa que se tem assistido a uma deterioração do crescimento económico, metade do previsto no orçamento, uma excepção na Europa; a um agravamento da queda do investimento; a uma subida pronunciada das taxas de juro, ao contrário do que está a acontecer no resto da zona euro; a uma queda das remessas dos emigrantes, muito forte em Julho, só explicável por uma forte perda da confiança.

Como se as coisas não estivessem já suficientemente más, eis que o governo consegue inventar algo ainda pior: um novo imposto sobre o património imobiliário, com contornos ainda indefinidos. O primeiro problema é que vai afectar apenas um certo tipo de património, deixando de lado os mais ricos, que detêm sobretudo acções e obrigações e não vão pagar mais nada. Aliás, tudo indica que os actuais proprietários irão criar empresas com os seus imóveis, passando a accionistas e deixando de pagar este imposto. Depois, afasta o investimento externo que, apesar de tudo, vamos conseguindo com os vistos gold e reformados de outros países, atraídos pela nossa fiscalidade. Também deve afectar a disponibilidade de casas para arrendar, um problema que se tem agravado com o sucesso do turismo.

Por tudo isto, é mais do que provável que as receitas deste imposto sejam muito menores do que o estimado. Serão certamente muito menores do que os 375 milhões de euros que custa anualmente a diminuição do IVA na restauração, que não trouxe baixa de preços nem aumento de emprego, pelo que seria mil vezes preferível recuar nesta medida, que nunca fez sentido.

Dizem-nos que este imposto vai afectar um número muito reduzido de contribuintes, mas quem é que pode acreditar que vamos ficar por aqui? Desde 2002 que todos os partidos que ganharam as eleições o fizeram jurando que não aumentariam os impostos, para fazerem o oposto mal chegaram ao poder. O PS desrespeitou o compromisso do próprio partido sobre o IRC, pelo que as suas promessas fiscais não valem nada.

Este imposto vai servir para ajudar os pobres? Não, é para financiar benesses das clientelas partidárias do governo, como temos visto na execução orçamental de 2016. Finalmente, os partidos políticos vão pagar este novo imposto ou vão continuar isentos?


[Publicado no jornal “i”]

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