quinta-feira, 14 de julho de 2016

Saudades da troika?

Ao contrário do que o governo diz, a execução orçamental está a correr muito mal, maquilhada com atrasos nos reembolsos de IRS e com adiamento no pagamento a fornecedores. A economia está muito pior do que o cenário delirante em que o orçamento foi baseado e no segundo semestre as contas públicas deverão sofrer um rombo com a diminuição do IVA da restauração, a reposição de salários na função pública e a semana das 35 horas.

Depois de muitas incertezas, a Comissão Europeia abriu um processo que pode conduzir a sanções a Portugal e Espanha. Antes de mais convém lembrar que esta é a primeira vez que tal ocorre, embora o não cumprimento da norma sobre os défices orçamentais já tenha sido violada em mais de cem casos desde o início do euro, por um número elevadíssimo de países, incluindo a própria Alemanha.

No entanto a Comissão não fez qualquer proposta concreta de sanção, devendo esta sua avaliação ser alvo de apreciação na próxima reunião de ministros das Finanças, no próximo dia 12. Aí, a avaliação será muito mais política, havendo dois campos opostos. Aquele que é liderado pela Alemanha pretende que haja sanções, para que não se instale o laxismo e que se reforcem as condições de integração europeia. Do lado oposto estarão os que se opõem às sanções, provavelmente com dois tipos de motivação bem diferente. Uma primeira, mais presente nos países do Sul, será a de se livrarem de sanções no futuro. Uma segunda, mais altruísta, será a de limitar a expansão do sentimento anti-UE, já muito inflamado e mais ainda pelo resultado do Brexit.

Será fácil – e correcto – argumentar que estamos perante dois pesos e duas medidas, mas em algum momento do tempo se teria que passar a exigir o cumprimento das normas orçamentais, sob pena de que se instale um desrespeito generalizado. Aliás, parece evidente que terá sido a inexistência passada de sanções que terá levado Passos Coelho a correr os riscos que correu no orçamento de 2015.

Em relação à razão porque Portugal corre o risco de sofrer sanções, elas não se prendem apenas com o défice de 2015 ter ficado acima dos 3% do PIB, mas porque nesse ano não houve redução do défice estrutural (expurgado do ciclo económico). Entre 2013 e 2015, o nosso país deveria ter reduzido o défice estrutural em 2,5% e a correcção não chegou a metade disso (1,1%).

Se o Ecofin da próxima terça-feira aprovar sanções, a Comissão tem 20 dias para fazer uma proposta concreta de multa e também tem que propor a suspensão de novos compromissos (mas não de pagamentos) de fundos comunitários.

Já tinha sido ventilado anteriormente que Portugal teria algumas semanas para tomar medidas correctivas e espero bem que o faça.

Ao contrário do que o governo diz, a execução orçamental está a correr muito mal, maquilhada com atrasos nos reembolsos de IRS e com adiamento no pagamento a fornecedores. A economia está muito pior do que o cenário delirante em que o orçamento foi baseado e no segundo semestre as contas públicas deverão sofrer um rombo com a diminuição do IVA da restauração, a reposição de salários na função pública e a semana das 35 horas.

Por tudo isto, que não é pouco, seria sempre necessário um plano B, do qual o executivo tem fugido como diabo da cruz, com medo das suas repercussões na sobrevivência da “gerigonça”.

Agora temos a provável ameaça de sanções e novas exigências para o orçamento de 2017. Aí, António Costa será confrontado com um dilema terrível: ceder a Bruxelas e, em consequência disso, perder apoio parlamentar e ser forçado a demitir-se, ou ceder aos seus parceiros e colocar o país a caminho de chamar de novo a troika.


[Publicado no jornal “i”]

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