segunda-feira, 29 de junho de 2015

Brincar com o fogo

Teme-se que se estejam a repetir erros em relação à Grécia, que podem gerar situações descontroladas

A Grécia só entrou no euro porque enganou os seus parceiros sobre a verdadeira situação das suas contas públicas, tendo repetido a dose em 2009, dando início à crise do euro em que ainda hoje vivemos.

Os dois pacotes de ajuda fornecidos à Grécia provocaram uma recessão muito mais grave do que o antecipado, foram acompanhados de uma excessiva intromissão nas decisões políticas internas e ajudaram sobretudo aqueles que tinham, de um modo largamente irresponsável, emprestado ao Estado helénico. Não pode haver um devedor irresponsável sem o auxílio de credores igualmente irresponsáveis.

Parece pode dizer-se que a forma da intervenção externa teve dois graves tipos de consequências, umas económicas (recessão e elevadíssimo desemprego), outras políticas (perda de soberania), cujos excessos criaram o sucesso eleitoral do Syriza, que escolheu, não por acaso, um partido nacionalista para parceiro de coligação.

Desde que chegou ao poder, o novo governo conseguiu criar aquilo que se deverá tornar um caso de estudo em escolas de diplomacia, com o elenco completo do que não se deve fazer numa negociação. A Grécia até tinha alguns trunfos importantes na mão, desde a sobrevivência do euro, até à sua importância geopolítica, mas não conseguiu retirar daí dividendos significativos.

A animosidade suscitada pelo Syriza e seus ministros vedeta, bem como a sua total inépcia negocial, têm produzido sucessivos impasses e aproximam-se de uma solução final que parece duríssima, de um enorme aumento de impostos.

No meio das discussões, onde demasiadas vezes se perdeu as estribeiras, parece que os líderes europeus se esqueceram do que está verdadeiramente em jogo e passaram apenas a querer vergar Tsipras.

O grave problema da “solução” para a qual parece que se caminha é que ela replica os dois maiores erros da intervenção externa (austeridade excessiva e abuso do poder externo), que conduziram à vitória do Syriza.

Esta “solução” não tem nada de estrutural, não vai resolver a crise na Grécia nem no euro e tem todas as condições para criar um novo conflito mais à frente, em condições mais intratáveis e descontroladas, da qual, por acidente, pode resultar aquilo que todos dizem querer evitar: a saída deste país do euro. Se uma saída será negativa, uma saída caótica sê-lo-á muito mais.

Parece também que os líderes europeus já se esqueceram que a UE foi criada para promover a paz na Europa e que os conflitos actuais, quer dentro do euro, quer fora, indicam que se chegou a um excesso de integração, que é inimiga da paz.

Como o FMI se tem revelado o parceiro mais inflexível, por razões compreensíveis, porque não pode valorizar tanto o sucesso europeu como os europeus, parece-me urgente retirá-lo deste problema, quer criando uma garantia para os seus empréstimos, quer havendo uma troca de dívida. Não será fácil assumir mais estes créditos, mas parece-me que é o preço a pagar para encontrar uma solução mais flexível.

Para além disso, é muito importante tomar consciência de que esta situação em que a Grécia está não pode durar muito mais tempo, sob pena de se chegar a uma qualquer catástrofe política e/ou económica descontrolada. Se não há condições para este país recuperar dentro do euro, então é melhor começar a planear uma saída negociada, que minimize os estragos.

É evidente que é muito difícil preparar uma saída, que nunca esteve prevista nos tratados, mas já se aplicou um controlo de capitais em Chipre e fala-se insistentemente na iminência de uma medida semelhante na Grécia, para tentar suster a fuga de depósitos dos bancos helénicos, ainda que a maior parte das últimas retiradas de fundos dos bancos não tenham saído do país, representando apenas um aumento de notas e moedas em circulação. Julgo que, mais cedo ou mais tarde, será necessário pensar seriamente em preparar a saída de um país que nunca deveria ter entrado no euro.

[Publicado no jornal “i”]

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