sábado, 2 de maio de 2015

“Na terra dos sonhos”

O governo grego arrisca-se a transformar os seus sonhos em pesadelos

O insuspeito Joschka Fischer acaba de publicar (a 29 de Abril) no Project Syndicate um artigo muito crítico sobre o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, intitulado “Tsipras na terra dos sonhos”, que vale a pena revisitar criticamente.

Em primeiro lugar deve-se recordar que aquele político alemão foi ministro do Negócios Estrangeiros e vice-chanceler entre 1998 e 2005, para além de ser líder dos Verdes. Fischer afirmou que a sua batalha política mais difícil, que durou vinte anos, foi fazer do seu partido um organização de governo.

Esta questão é muitíssimo importante: a escolha entre ser um partido de protesto ou um partido de governo. Como vimos, os Verdes alemães demoraram duas décadas até chegar lá; em Portugal há uma grande divisão ideológica na área do Bloco de Esquerda, que tem provocado inúmeras cisões, justamente em torno desta questão; na Grécia, o Syriza só muito recentemente pensou em participar num governo.

Na verdade, como o antigo ministro alemão bem analisa, apesar de liderar um executivo, Tsipras ainda não interiorizou o que isso implica.

Talvez haja algum exagero nisso, mas Fischer considera que havia na Europa alguma consideração pela austeridade sofrida pela Grécia, com resultados tão magros, e que o novo governo grego poderia ter aproveitado isso para obter algumas concessões. Nomeadamente se tivesse feito cortes no seu enorme orçamento de defesa para ajudar as condições de vida dos mais necessitados. Em vez disso, para espanto de todos, no meio das maiores dificuldades, assinou novos contratos de fornecimento de armamento.

Citando o artigo: “é precisamente a aceitação da necessidade que marca a diferença entre governo e oposição. Um partido da oposição pode dar voz a aspirações, fazer promessas e até sonhar um pouco; mas um partido de governo não pode permanecer nesse mundo imaginário ou sistema teórico”. Parece que estas palavras também vêm muito a propósito das eleições legislativas portuguesas que se aproximam.

Para além disso, como muitos outros já o fizeram, Fischer critica duramente a táctica do insulto e da destruição da própria credibilidade a que os negociadores gregos recorreram o tempo todo. Em relação a este aspecto, saúda-se a recente decisão de Tsipras de diminuir os poderes do seu ministro das Finanças Varoufakis, que parece que nem sequer sabe aplicar os ensinamentos da disciplina de Teoria dos Jogos, da qual é suposto ser especialista.

O político alemão é também muito duro com a escolha de parceiro de coligação do Syriza, um partido de extrema-direita, nacionalista e anti-europeu, quando havia outras opções pró-europeias. A isso soma-se a aproximação à Rússia de Putin e a tentativa de isolar a Alemanha na zona do euro, “que nunca poderia ter funcionado”. Percebe-se que Fischer fique particularmente incomodado com este aspecto, dada a sua nacionalidade, mas o mais irónico é que o resultado conseguido por Tsipras foi exactamente o oposto.

Acrescento eu que, se o governo grego tivesse esboçado uma alternativa credível, talvez o resultado não fosse este. Assim, teve a oposição de todos, por todas as razões. Os países credores não queriam assustar os seus eleitorados com a ideia de um perdão de dívida, os países devedores não queriam colocar em causa politicamente os esforços que tinham exigido aos seus eleitores, nem queriam ser contagiados pela subida de taxas de juro da Grécia, quando todas as outras estavam em queda.

Voltando aos comentários pessoais, a dúvida que persiste é em relação ao dossier das reparações de guerra da Alemanha à Grécia. Se, seja de que forma for, a Grécia sair do euro, esta matéria pode ganhar outra dimensão e este país pode passar a ter os EUA como aliado. Nessa circunstância, o poder relativo da Alemanha seria claramente enfraquecido. Pode ser que esta seja a arma de arremesso que Tsipras tem usado nos bastidores e uma das razões da sua crescente proximidade com Angela Merkel.


[Publicado no jornal “i”]

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