sábado, 16 de maio de 2015

Dúvidas europeias

Se a Comissão Europeia tem sérias dúvidas sobre as previsões do governo, muitas mais teria sobre as perspectivas do PS

Já houve imensos descalabros nas contas públicas de vários países europeus, com destaque para a Grécia, mas onde Portugal também ocupa um lugar de infelizmente saliente.

Em 2001, quando não havia problemas de crescimento evidentes e o desemprego estava no mínimo de 4%, o governo de Guterres conseguiu a proeza de alcançar um défice excessivo, com a agravante de este ter sido camuflado dos nossos parceiros comunitários até às eleições legislativas de 2002, como a Grécia faria em 2009. Em 2010, quando a crise do euro já estava a pleno vapor, o governo de Sócrates conseguiu um novo record de défice público e criar as condições para o, a partir daí, quase inevitável resgate pela troika.

Depois de tantos problemas, foi instituído o chamado Semestre Europeu, que se destina a analisar de forma exigente e antecipada as propostas orçamentais dos diferentes países da zona do euro, enquadrado no mais ambicioso objectivo da Europa 2020.

Neste contexto, esta semana foi conhecida a avaliação que a Comissão Europeia (CE) fez ao Programa de Estabilidade e Crescimento 2015-2019, apresentado pelo governo português no mês passado.

Embora considere plausíveis as previsões macroeconómicas para 2015 e 2016, avalia as previsões de crescimento económico para 2017 e 2018 como optimistas (2,4% em ambos os anos, para os quais o PS prevê valores ainda superiores, de 3,1% e 2,6%).

A CE também não está satisfeita com a falta de detalhe das medidas orçamentais a partir de 2016 e com a sua provável insuficiência para cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento. No documento do PS também não há detalhes, como não seria de esperar, mas aponta-se para défices superiores em cerca de 1% do PIB aos estimados pelo governo, o que deveria merecer duras críticas europeias, já que estes valores não respeitam os nossos acordos internacionais.

Em seguida, são passados em revista as realidades sectoriais, referindo-se os progressos registados até agora e aquilo que ainda é necessário melhorar. A restruturação das empresas públicas não foi completada e a reforma das pensões tem conhecido progressos limitados.

A CE tem a benevolência de considerar que foi feita uma reforma abrangente do sistema fiscal português nos dois últimos anos e que é chegada a hora de fazer a uma avaliação global desta reforma.

É evidente que uma tal avaliação será muito bem-vinda e será necessário pressionar o PS para rever a sua posição sobre a reforma do IRC. A pretexto de que o governo não cumpriu a sua parte, os socialistas querem reverter as alterações aprovadas. Para um investidor estrangeiro é assustador que nem sequer aquilo que parecia um acordo de regime seja respeitado e que um partido possa usar este tema como arma de arremesso politico. O que o PS tem que fazer é exigir que o governo cumpra as suas obrigações ou, em alternativa, se chegar ao poder, fazer o que este executivo não fez. O que não pode é deitar para o caixote de lixo um acordo no qual algumas decisões de investimento já terão sido tomadas.

Por maioria de razão, se o PS tem elevadíssimas expectativas sobre o crescimento da economia sob a sua batuta, a última coisa que pode fazer é destruir a confiança dos investidores nas decisões dos governos portugueses. Escusam de acreditar na fantasia que as novas políticas é que serão milagrosas, porque os investidores (que funcionam em prazos muito mais dilatados do que uma legislatura) não confiam em países em que os governos não respeitam o que os seus antecessores acordaram.

Se a CE faz estas críticas ao programa apresentado pelo governo, imagine-se o que ela não diria do documento apresentado pelo PS versando matéria próxima da deste.

Resta ainda referir que, no meio dos graves problemas que envolvem a Grécia e do receio de que haja a menor contaminação a outros países, é de esperar que as críticas europeias tenham sido muito filtradas e atenuadas.


[Publicado no jornal “i”]

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