sexta-feira, 3 de abril de 2015

Justiça a regenerar-se?

As graves acusações contra Pinto Monteiro precisam urgentemente de ser investigadas

Nos últimos tempos, sobretudo após a mudança das primeiras figuras do sector, têm-se notado algumas mudanças na justiça.

Durante imensos anos, os portugueses não confiavam na justiça, porque esta era insuportavelmente morosa. Mas, a partir de certa altura, o foco da desconfiança mudou, porque passou a haver demasiados casos altamente suspeitos, que eram tratados com uma displicência desconcertante, que impedia de acreditar na isenção da justiça.

O centro comercial Freeport foi aprovado num local onde anteriormente tinha sido proibido um cemitério, com o argumento de que este atrairia demasiado tráfego. No entanto, o ministro do ambiente que ocupava o cargo quando essa espantosa autorização foi concedida quase não foi ouvido.

Aliás, em relação a este caso, sabemos que dois magistrados foram pressionados para não incomodar Sócrates e quem exerceu a pressão foi alvo de uma sanção disciplinar levíssima, quando deveria ter sido pura e simplesmente expulso do ministério público.

Também houve o estranhíssimo caso dos submarinos, em que houve culpados na Alemanha e que, num processo análogo, conduziram à prisão de um ex-ministro da Defesa na Grécia. Em Portugal, tivemos o vergonhoso arquivamento do processo por prescrição, que é sempre a situação mais escandalosa de todas.

Assistimos – indignadíssimos – a Cândida Almeida a declarar a uma televisão que um processo contra Sócrates foi arquivado, porque não foi paga uma taxa de justiça. Como é que algo de inimaginável como isto é sequer possível, quanto mais regular? Para além de termos sido insultados por esta mesma senhora, a dizer que não havia corrupção em Portugal.

Até que, muito recentemente, as coisas parece que começaram a mudar. Temos visto vários altos dirigentes públicos serem presos e agora até já temos um ex-primeiro-ministro preso, ainda que ainda em prisão preventiva e sem conhecer a acusação. Este último aspecto é altamente deplorável, porque não é admissível que alguém esteja preso durante vários meses sem conhecer, pelo menos, parte da acusação que justifica uma tal medida de coacção.

Infelizmente, ainda não estamos seguros que isto seja uma mudança e não uma mera alteração de protagonista, que poderá não durar. O juiz Carlos Alexandre já recebeu uma ameaça, uma pistola em cima de uma fotografia dos filhos, e esta semana teve o seu cão morto por envenenamento. Dois comentários breves: é evidente que isto não foi feito a mando de um inocente, mas de alguém que arrisca uma pena muito pesada e com ligações muito perigosas; é óbvia a necessidade de aumentar a segurança deste juiz e da sua família.

Finalmente, esta semana, ouvimos o novo presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, acusar o antigo procurador-geral da República, Pinto Monteiro, de impedir investigações aos mais poderosos.

Esta acusação é, simultaneamente, extremamente grave e altamente verosímil. Só para os mais esquecidos, ainda há poucos meses, Pinto Monteiro teve o desplante de dizer que o almoço que teve com Sócrates pouco dias antes da prisão deste foi uma “coincidência”.

Perante esta fortíssima acusação, o ex-PGR já veio dizer que isto são “falsidades absolutas” e que prefere não “alimentar” o assunto. Esta reacção é inadmissível, porque Pinto Monteiro não pode permitir que se manche assim a reputação da instituição que liderou. A suspeita que se instala é que tem medo de “alimentar” algo que lhe pode ser altamente prejudicial.

Quem não precisa de andar em flutuações de estados de alma é a PGR, que tem a estrita obrigação de investigar as acusações gravíssimas de António Ventinhas. Das duas uma, ou elas são delírios sem fundamento e então o seu autor deve ser severamente punido; ou têm fundamento e, nesse caso, Pinto Monteiro deve pagar caro pelo que fez (e pelo que não deixou fazer).

[Publicado no jornal “i”]


PS. Por um curioso lapso, no jornal o título foi alterado para “Justiça a renegar-se?”

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