segunda-feira, 2 de março de 2015

Desfaçatez

António Costa começa a perceber que não poderá fazer nada de substancialmente diferente do que o actual governo tem feito

O novo governo grego não poderia ter começado pior. Inicialmente, hostilizou todos os parceiros a quem queria pedir favores, nomeadamente decidindo unilateralmente reverter algumas medidas negociadas com a troika.

Depois de umas semanas calamitosas, incluindo uma sangria imensa de depósitos dos bancos gregos, acabou por ceder em quase tudo. Para além disso, perdeu por completo a confiança dos seus parceiros, a quem diz uma coisa, enquanto ao seu eleitorado declara o fim da austeridade. Dá vontade de perguntar: estará a falar verdade a algum deles?

O máximo que a Grécia conseguiu foram mais quatro meses do actual programa de ajuda, mas nem um euro mais de financiamento, restando saber quão atribulados vão ser os próximos tempos.

Na linha de qualquer demagogo, o líder do Syriza descobriu uma mina de ouro chamada evasão fiscal e pretende tapar os buracos orçamentais com o minério que espera extrair daí.

Isto é sempre uma fantasia, mas o mais irónico é que, antes mesmo de ganhar as eleições, as perspectivas de vitória do Syriza introduziram a perspectiva de que alguns impostos impopulares seriam abolidos e que haveria um geral laxismo fiscal, um ambiente que levou muitos a não pagar impostos, ao ponto de as receitas fiscais em Janeiro terem ficado 23% abaixo do esperado. Ou seja, o novo governo grego apostava em algo, que ele próprio acaba de deteriorar. Desejo-lhe boa sorte.

Entretanto, em Portugal, António Costa tem protagonizado a mais extraordinária sequência de ziguezagues e falta de transparência. Primeiro, eram os ataques ao governo por se vergar à Europa, prometendo que o PS faria algo de muito diferente, falando com voz muito grossa, um dos seus acólitos até chegou a sonhar com a Alemanha a “tremer como varas verdes”.

Com a vitória do Syriza, sucedeu-se uma extraordinária série de piruetas, entre vitoriar o sucesso do Bloco de Esquerda grego, que praticamente liquidou o PS helénico, o PASOK, e defender o partido irmão. 

Agora que o Syriza teve que engolir praticamente todas as suas promessas eleitorais, António Costa teve o cúmulo da desfaçatez, num descarado insulto à inteligência dos eleitores e veio afirmar: “numa união a 28 não é possível prometer um resultado que depende de negociações com várias instituições, múltiplos governos, de orientações diversas”, pretendendo assim desculpar-se de não apresentar propostas concretas para um governo que tenciona liderar dentro de pouco mais de seis meses.

Dar o (péssimo) exemplo do Syriza não explica nada porque o novo governo grego fez tudo mal. Para além disso, se é evidente que o resultado final tem que ser negociado com os nossos parceiros comunitários, também é óbvio que Portugal tem que inciar as negociações com uma determinada posição de partida. É essa posição de partida que o PS tinha a obrigação de tornar pública.

Já que querem aprender com o exemplo do Syriza, uma das coisas que mais escandalizou os parceiros europeus durante as negociações foi a falta de trabalho de casa feito pelo novo executivo. Primeiro, começaram por umas vagas ou inaceitáveis declarações. Quando finalmente conseguiram entregar um documento, este era só conversa, sem números, sem definição de metas específicas em datas determinadas.

Não gostaríamos de ver Portugal humilhado nas instâncias comunitárias, por o próximo governo não se ter preparado convenientemente.

Na verdade, tudo indica é que António Costa começa a perceber que não poderá fazer nada de substancialmente diferente do que o actual governo tem feito, tal como já aconteceu com Hollande e agora com o Syriza amestrado, e está a tentar que o eleitorado português só perceba isso quando for tarde demais.

Finalmente, em relação às declarações perante investidores chineses, de que Portugal estava muito “diferente” do que há quatro anos, ficamos com a dúvida sobre quem é que o líder do PS quer enganar: os investidores estrangeiros ou os eleitores portugueses?


[Publicado no jornal “i”]

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