terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Governo-sombra

Os partidos portugueses têm, infelizmente, evitado criar governos-sombra, por razões difíceis de descortinar. No entanto, tudo indica que esta seria uma opção muito interessante e sugiro a António Costa que crie um governo-sombra, para nos esclarecer a posição do PS sobre estes “tempos interessantes” que temos vindo a viver e que não parecem estar próximo do fim.

Um dos problemas mais significativos dos governos portugueses é a escolha surpresa de ministros, muitas vezes sem experiência política. Muitas vezes, quem fica mais surpreendido é o próprio e isso é muito mau por duas razões. Em primeiro lugar, porque as urgências a que um ministro tem que atender, sobretudo na nossa dificílima conjuntura, raras vezes deixam espaço para uma reflexão estratégica, que exige tempo e algum sossego. Em segundo lugar, porque começa do zero, sendo habitual que os primeiros seis meses, ideais devido ao estado de graça inicial, sejam perdidos na tomada de contacto com os diferentes dossiers.

Em contrapartida, se o futuro ministro já fizesse parte do gabinete-sombra, aqueles dois problemas poderiam ser muito minorados. Para além disso, teria um período suficiente para cometer gaffes, que podem ser momentos de aprendizagem, que é sempre melhor fazer – para ele e para todos nós – na oposição e não no governo, bem como permitiria esclarecer quem não tem o menor talento para vir a ocupar o lugar de ministro.

Talvez o medo mais importante seja que os ministros-sombra passem a ter mais prestígio do que muitos dirigentes partidários, mas um líder que não consegue estar acima da mediocridade do aparelho serve para quê?

Em relação à eventual objecção de que um futuro primeiro-ministro estaria já a ceder parte do seu poder, isso faz pouco sentido. Como é evidente, qualquer ministro-sombra pode ser demitido em qualquer momento, mais facilmente que qualquer ministro. Para além disso, esta nomeação não implica que venha a fazer parte de um futuro governo, quer porque a sua prestação não foi a melhor, quer porque a sua pasta foi assumida por um partido de uma nova coligação.

António Costa podia mesmo iniciar a formação do seu governo-sombra com a nomeação do ministro da Cultura, mostrando desde logo o seu empenho em cumprir uma promessa que já fez. Posteriormente, se não fosse pedir muito, estamos todos mortinhos de ansiedade em conhecer o seu ministro das Finanças sombra, a quem temos, desde já, imensas questões a colocar, tais como: qual a reforma da despesa pública que pretende fazer? Se Portugal vier a beneficiar de condições semelhantes às que venham a ser concedidas à Grécia, como tenciona usar esses recursos? Que medidas planeia para tornar o investimento, em particular o estrangeiro, mais atractivo no país?

 [Publicado no Diário Económico]

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