segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Por um mundo mais “feminino”

O mundo beneficiaria se fossem tomadas opções políticas mais “femininas”

O planeta não precisa de mais “pessoas com sucesso”.
O planeta precisa desesperadamente de mais pacificadores,
curadores, restauradores, contadores de histórias
e amantes de todos os tipos.

Tenzin Gyatso, o 14º Dalai Lama

Uma das dimensões culturais identificada por Geert Hofstede (1991, Cultures and organizations) é a de género, não no sentido individual, mas na forma como ela é assumida pelos países. Bem sei que esta ideia corre o risco de ser atacada por aqueles (irrealistas) que imaginam que os papéis masculinos e femininos são pura invenção social, ignorado a biologia e os impulsos das crianças, desde a mais tenra idade.

A existência de papéis “naturais” masculinos e femininos não implicam a classificação de patologia a qualquer tipo de distância desta tendência natural. Aqui de novo teríamos os excessos relativistas, como se a tolerância só pudesse existir se não houvesse um padrão “natural”. O que acaba por ser paradoxal: é como se aqueles que são tolerantes num contexto relativista, fossem obrigados a deixar de o ser se um padrão “natural” fosse identificado pela ciência. É como se se sentissem forçados a distorcer a realidade para que ela se conformasse com a sua ideologia.

Vamos aqui seguir a definição do eixo masculino-feminino, tal como usado em Hofstede, que se reporta aos padrões das sociedades de recolectores. É suposto os homens estarem preocupados com os sucessos fora de casa (caçar e lutar nas sociedades tradicionais), o que faz deles assertivos, competitivos e duros. Das mulheres espera-se que tomem conta da casa, das crianças e das pessoas em geral, repetindo padrões ancestrais.

Os tipos de papéis desempenhados pelos pais deverão influenciar os valores dos filhos e, assim, ter um impacto significativo nos sistemas de valores nacionais.

Nos estudos realizados por aquele antropólogo holandês, verificou-se que os valores das mulheres variam menos entre países do que os dos homens.

Os resultados empíricos revelam uma ausência de relação entre esta característica e o rendimento: encontramos países mais desenvolvidos em ambos os extremos, quer entre os países mais “masculinos”, quer nos mais “femininos”.

Poder-se-á também dizer que os países escandinavos apresentam o máximo de feminilidade, alguns dos países latinos registam de forte a moderado feminino e os anglo-saxónicos são mais marcadamente masculinos.

Esta dimensão cultural tem claras implicações políticas, verificando-se que as sociedades mais masculinas preferem o desempenho, enquanto as mais femininas preferem o bem-estar.

Enquanto países mais masculinos preferem a recompensa dos fortes, os mais femininos optam pela solidariedade com os fracos; enquanto os primeiros escolhem o crescimento económico, os segundos valorizam mais a protecção do ambiente; onde os valores masculinos prevalecem dá-se primazia à despesa em defesa, onde dominam os valores femininos é a ajuda aos países pobres que recebe mais atenção.

Os países “femininos” tendem a resolver os conflitos internacionais através da negociação, enquanto os mais “masculinos” preferem o uso das armas.

Parece, assim, evidente que o mundo beneficiaria de opções políticas mais “femininas”, no sentido em que foram aqui faladas.

No entanto, como não se podem alterar de forma significativa os valores dos diferentes países, talvez a forma de conseguir sociedades mais femininas passe por duas vias. Em primeiro lugar, uma maior participação das mulheres em lugares de responsabilidade, para o que talvez seja necessária a promoção de alterações que facilitem isto (flexibilidade de horários e de empregos a tempo parcial). Em segundo lugar, parece que se torna também necessário que as mulheres que ocuparem essas posições de destaque o façam assumindo com orgulho a sua feminilidade e não tentem imitar os modelos masculinos.


[Publicado no jornal “i”]

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