domingo, 27 de dezembro de 2015

Mais um “presente”

Estamos perplexos com mais um buraco bancário, bem como surpreendidos com a “solução” escolhida pelo governo

Pode-se dizer que em 1995 as nossas contas externas estavam equilibradas num triplo sentido, que os anos seguintes destruíram. Por um lado, o saldo corrente era ligeiramente positivo, por outro, a dívida externa era praticamente inexistente e, finalmente, nesse ano iniciou-se a produção da AutoEuropa, quase integralmente destinada à exportação, de produtos tecnologicamente sofisticados.

Em vez de prosseguir a política de angariar grandes investimentos externos e exportadores, para enfrentar a globalização e sobretudo a concorrência emergente da libertada Europa de Leste, os governos de Guterres e os seguintes lançaram-se numa fúria despesista, que gerou défices externos, por duas vias. Quer pelo efeito directo de aumento da despesa, quer pela pressão sobre preços e salários, que esmagaram as margens do sector exportador.

Começam aqui parte das raízes dos problemas da banca com que nos temos defrontado. Este excesso de procura que se verificou precisou de ser financiado, o que os bancos fizeram com facilidade, devido ao optimismo da caminhada para o euro. Hoje acusa-se a banca, com alguma razão, de ter concentrado os seus créditos no sector não transaccionável, sobretudo construção e imobiliário. No entanto, naqueles anos, era isso que fazia sentido, quer no curto quer no médio prazo, já que aí as condições de rentabilidade eram melhores e o risco menor, enquanto o sector exportador, com as margens esmagadas, constituía um risco considerável. Infelizmente, a aposta no sector não transaccionável não fazia sentido a longo prazo, por ser insustentável.

Em termos estratégicos, a banca cometeu um erro, mas esse erro foi induzido pelos incentivos errados gerados pela política macroeconómica desastrosa a partir do final dos anos noventa.

A facilidade no acesso ao crédito no exterior, por parte dos próprios bancos, levou muitos deles a criar um conglomerado de empresas, muitas vezes incongruente e sem qualquer relação com o negócio bancário. Ainda não é claro se isto foi a principal fonte de problemas do Banif.

O que é evidente é que a factura do Banif é proporcionalmente superior à do BES e isso é extremamente surpreendente. Como o são outros factos.

Como é possível que a gestão do Banif tenha proposto sucessivamente oito (!) planos de reestruturação, que foram todos chumbados pela Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia? Como é que o anterior governo, com elevadas responsabilidades devido ao facto de o Estado se ter tornado o accionista maioritário deste banco, permitiu isto? Como é que esta série interminável de chumbos não alarmou o Banco de Portugal?

O Banif recebeu ajuda pública no final de 2012, pelo que deveria ter passado a ser vigiado com particular cuidado. Em Julho de 2014, com o desastre do BES, o Banco de Portugal deveria ter aprendido que muitos problemas no sector poderiam estar escondidos, em particular nas empresas não financeiras relacionadas, que o banco central tinha antes anunciado aos quatro ventos que não fiscalizaria. Como é evidente, isso deu indicação aos bancos onde é que deveriam esconder a “porcaria”. Como é que, um ano e meio depois do colapso do BES, somos confrontados com um problema proporcionalmente ainda mais grave?

Sem – de modo algum – esgotar as perplexidades associadas a este caso, que deveriam ser esclarecidas por uma comissão verdadeiramente independente, também tenho uma grande dificuldade em perceber os contornos da “solução” escolhida pelo governo. Salvar os grandes depositantes ainda poderá ser defendido, com o argumento de evitar o contágio aos outros bancos, mas poupar os obrigacionistas seniores, agravando a factura dos contribuintes, é absurdo.


[Publicado no jornal “i”]

domingo, 13 de dezembro de 2015

Perspectivas em deterioração

Quer o contexto internacional quer o novo governo deverão resfriar a economia portuguesa

Esta semana, o Banco de Portugal divulgou as suas novas previsões para a economia portuguesa, que foram ligeiramente revistas em baixa (para 2016, o PIB deverá agora crescer agora 1,7% em vez de 1,9%), sobretudo devido ao abrandamento do contexto internacional. Estas perspectivas estão agora alinhadas com as da Comissão Europeia, mas ainda um pouco acima das do FMI (1,5%), que está mais pessimista, não só em relação ao próximo ano, mas em relação aos seguintes, em que prevê uma desaceleração da actividade, ao contrário das outras duas instituições, que antecipam uma aceleração da recuperação.

Infelizmente, penso que as estimativas do FMI são ainda optimistas, porque assumem uma desaceleração mínima na China, de 6,8% em 2015 para 6,3% em 2016, o que parece estar longe do que se avizinha. A queda recente do preço do petróleo, para um mínimo desde o início da crise de 2008, é um indicador do enfraquecimento da procura global, da qual a China tem sido, de longe, o principal motor.

Regressando a Portugal, em relação às influências internas, os números do banco central foram calculados com base na usual hipótese técnica de “políticas invariantes”.

Na verdade, sem tentar colocar números nos resultados, parece que se podem inferir algumas consequências económicas resultantes do novo enquadramento político. Em primeiro lugar, tem havido uma enorme dificuldade em concretizar os acordos de esquerda e aquilo que aqui designei como “prólogo orçamental” continua por concluir. Ou seja, é de admitir que as decisões do novo governo permaneçam envoltas numa elevada incerteza até à última hora, enquanto o próprio momento de decisão parece ser sucessivamente protelado. Excepto nos casos em que a demora poderia permitir um debate e uma reflexão aprofundada, como infelizmente foi o caso da decisão de eliminar as provas do 4º quarto.

Esta incerteza deverá adiar decisões de investimento e pode também levar os consumidores a criar poupanças de precaução.

Para além disso, as decisões já tomadas e outras que parecem em vias de o ser, como a reversão de privatizações, a marcha atrás na reforma do IRC e a subalternização da Concertação Social, espelham uma atitude anti-empresarial, que só pode ter como consequência um recuo no investimento previsto, movimento de que já há sinais evidentes, sobretudo naqueles que contactam de perto com investidores.

Parece que o novo governo está a ignorar este tipo de efeitos, enquanto espera que os estímulos orçamentais se traduzam numa forte aceleração da economia, para 2,4% em 2016 e uns miraculosos 3,1% em 2017, um valor que não é atingido há quinze anos. Estas perspectivas terão que ser em breve revistas, quer devido à referida desaceleração internacional, quer devido ao reconhecimento de que as metas orçamentais exigidas pela UE não permitem os estímulos sonhados pelo PS. Para além disso, mas em relação a isso não espero que haja já um reconhecimento deste facto, despejar dinheiros públicos pela economia não se deverá traduzir tanto em crescimento, mas sobretudo em importações.

Em relação ao futuro próximo, vejo duas incertezas principais. Em primeiro lugar, qual o grau de influência que o PCP conseguirá obter junto do governo, o que terá impactos significativos na relação com as entidades patronais e recuo no investimento, bem como num maior descontrolo das contas públicas.

Em segundo lugar, como é que a UE reagirá, quer à reversão de reformas penosamente alcançadas com a troika, quer a um menor controlo orçamental.

Teremos assim uma luta entre o PCP e a UE, por interposta pessoa do governo socialista. Veremos quanto tempo levará até que a UE vença este combate tão desigual.


[Publicado no jornal “i”]

domingo, 6 de dezembro de 2015

Programa de naufrágio

O programa do novo governo baseia-se num diagnóstico errado, pelo que só pode defender uma terapia desadequada

Um dos factos mais surpreendentes do novo governo é o recurso a académicos prestigiados, não para usar as suas contribuições, mas como sinal de qualidade, ao mesmo tempo que se lhes exige que desdigam os estudos que fizeram no passado e que são a base da sua reputação. É estranho que António Costa imagine que isso possa ser prestigiante para o executivo, quando logo a discussão do programa do governo já mostrou que isso é mortal para os ministros que se prestam a esse tipo de malabarismos.

Mas é também misterioso como é que alguém se presta a destruir a sua reputação em troca de adquirir o estatuto de ministro, sobretudo quando se antecipa que este será um cargo de duração limitada, quer devido à fragilidade política deste governo, quer devido às múltiplas contradições em que o ministro será confrontado, entre aquilo que afirmou como académico no passado e o que agora diz no executivo, sendo impossível de acreditar que há hoje um mínimo de convicção no que defende.

Temos assim um governo que faz um diagnóstico completamente errado do problema de crescimento económico do país, o que só é possível porque não há uma consciência nacional deste mesmo problema. Se houvesse a consciencialização generalizada de que Portugal tem um grave problema de crescimento há quinze anos, seria impossível qualquer executivo atrever-se a sugerir que tínhamos deixado de crescer a partir de 2011, quando fomos forçados a pedir auxílio à troika. Se houvesse aquela consciência, provavelmente já teria sido possível gerar um alargado consensual nacional, unindo partidos políticos, patronato e sindicatos, para definir medidas que nos permitissem voltar a crescer de forma robusta. Infeliz e extraordinariamente, apesar de este seriíssimo problema já estar connosco há quinze anos, ele ainda não foi interiorizado.

Mas vamos aos factos. Em primeiro lugar, o crescimento médio entre 2001 e 2007 (antes da crise) foi de 1% e entre 2001 e 2015 a média deverá ser nula. Em segundo lugar, entre 1996 e 2011, a procura interna foi sempre superior ao PIB, uma outra forma de dizer que tivemos défices externos.

Estes factos permitem-nos dizer duas coisas simples: há quinze anos que Portugal tem um problema grave de crescimento; este défice de crescimento não pode ser assacado a qualquer insuficiência da procura, que não existiu durante aquele período. Ou seja, o programa do PS parte de pressupostos completamente errados sobre os nossos problemas económicos, pelo que a terapia sugerida (estimular a procura para promover o crescimento) vai falhar rotundamente.

Esta terapia já foi aplicada no passado, pelos governos do PS, e falhou estrondosamente: produziu estagnação económica e um endividamento externo galopante (de 9% do PIB em 1995 para 104% do PIB em 2010), que nos lançou nos braços da troika. Como é que é possível de acreditar que aquilo que não funcionou, de modo algum, no passado agora é que vai produzir efeitos? Mais ainda, este “modelo” de funcionamento produziu crescimento e emprego na Grécia (algum dele artificial) à conta de endividamento externo. Em Portugal, só produziu endividamento, não teve sequer benefícios.

Para além de tudo isto, que não é pouco, temos que lembrar que o nosso financiamento, do Estado, da banca e, indirectamente, das empresas, está dependente de uma única agência de rating. Não precisamos de fazer muita asneira para voltarmos a ter o financiamento cortado e, eventualmente, a necessitar de novo de implorar por auxílio da troika.

O nosso passado está recheado de episódios de história trágico-marítima e não necessitamos que este governo lhe acrescente mais um.


[Publicado no jornal “i”]

domingo, 29 de novembro de 2015

Recuo no tempo

O novo governo deverá desfazer algumas das boas reformas dos últimos anos

As últimas semanas têm-se caracterizado pela confusão. Após o anunciado chumbo do novo governo de Passos Coelho, parece que o PR imaginou que o poderia deixar em autogestão, quando este enfrentaria um parlamento com uma maioria negativa em clima de permanente guerrilha. Depois, pensou-se que poderia nomear António Costa, mas com um pesadíssimo caderno de encargos, que lhe daria os mais variados pretextos para uma demissão no curto prazo que medeia até ao fim do mandato presidencial. Finalmente, conjecturou-se que o presidente aguardava pelas votações decisivas agendadas para 26 de Novembro (a que chamei aqui de “prólogo orçamental”), que revelariam a inviabilidade dos acordos de esquerda e destruiriam, à vista de todos, a possibilidade de esta dar suporte parlamentar a um governo minoritário do PS.

No entanto, Cavaco Silva optou por algo incompreensível, quer no modo, quer no tempo. O PR indigitou António Costa com condições aparentemente exigentes e também demasiado extensas. Era preferível que tivesse feito apenas duas ou três exigências, mas que fossem de tal forma óbvias, que se tornassem indiscutíveis. No entanto, cedeu logo, aceitando um documento do PS, aparentemente sem quaisquer compromissos de onde eles eram necessários, do BE e do PCP, que nem sequer foi tornado público.

A gestão do tempo também foi surpreendente, pela negativa. Gastou demasiado tempo para a opção que fez, mas insuficiente para se conhecer os resultados das votações da última quinta-feira. A propósito, como tinha previsto, a esquerda não se entendeu. Assim, os diplomas baixaram à especialidade sem serem (ainda) votados.

A confusão seguinte foi a do momento escolhido para a tomada de posse do novo executivo, que veio a coincidir com o momento em que estavam previstos as importantes votações parlamentares já referidas. Para a generalidade das pessoas, isto será uma trivialidade.

Não concordo. Em primeiro lugar, é altamente surpreendente este grau de amadorismo num regime com quatro décadas de existência e em dois políticos que há tanto tempo ocupam posições cimeiras no sistema. Em segundo lugar, isso revela também como ambos não estavam a dar a devida importância a votações que podem ser decisivas para a sobrevivência do novo governo. Tudo isto revela uma falta de profissionalismo e de consciência, que não é nada tranquilizante.

Em relação ao novo governo, parece-me que este será não só de desperdício de tempo em relação às reformas necessárias para interromper a última década e meia de estagnação económica, como me parece que iremos assistir a um recuo em relação aos tímidos progressos alcançados nos últimos anos, devido sobretudo à pressão da troika.

Tenho uma extraordinária dificuldade em ouvir economistas reputados a defender o estímulo da procura para o crescimento em Portugal, quando essa receita não funciona há 15 anos nestas paragens, sendo muito mais importante – e também muito mais difícil e lento – agir do lado da oferta.

Infelizmente, há economistas que, perante a pressão de políticos, cedem tudo, engolem as ideias que resultam dos seus próprios estudos e se mostram incapazes de mostrar firmeza e impedir os disparates de políticos que vivem de manobras tácticas, para quem o bem comum é o mais insignificante dos propósitos.

Há vários novos ministros sem força política e a quem parece faltar também uma certa fibra psicológica, que lhes permitiria imporem-se. Para garantir que este é um governo, do princípio ao fim, de António Costa, este recusou dar o estatuto de ministro de Estado a qualquer membro do seu gabinete, o que poderia colmatar algumas das insuficiências apontadas.

[Publicado no jornal “i”]

domingo, 22 de novembro de 2015

Prólogo orçamental

Os acordos de esquerda podem revelar a sua insuficiência já na próxima semana

Algumas das medidas mais importantes de consolidação orçamental foram deixadas fora do orçamento para que uma eventual declaração de inconstitucionalidade não arrastasse consigo tudo o resto. Elas caducarão a 31 de Dezembro deste ano, não se lhe aplicando o princípio dos duodécimos, que é usado quando no início de um determinado ano não existe ainda orçamento aprovado e em que vigora o do ano anterior, mês a mês.

Entre aquelas medidas conta-se a sobretaxa do IRS e o corte nos vencimentos dos funcionários públicos.

Os deputados do PàF já apresentaram uma proposta no parlamento de uma reposição mitigada daquelas medidas, agendada para quinta-feira, 26 de Novembro, em que se prevê a eliminação em três anos da sobretaxa do IRS e a redução do corte nos vencimentos dos funcionários públicos.

O PS tem plena consciência da necessidade da aprovação de medidas semelhantes, embora defenda uma mais rápida supressão daquelas medidas extraordinárias de consolidação orçamental, também agendadas para o mesmo dia.

Dado que existe esta divergência, o mais provável é que a proposta da PàF seja chumbada pela esquerda, nesta matéria que poderá ser encarada como o prólogo do orçamento para 2016.

O que já é mais incerto é o que o resto da esquerda fará, dado os seus acordos conterem importantes omissões em matéria orçamental. É possível que alguns partidos, em particular o PCP, não aceitem aprovar as propostas do PS.

Alguns apelos de António Costa para que a direita se acalme parecem sugerir que espera que seja ela a permitir a aprovação destas medidas de restrição orçamental, que o resto da esquerda, mesmo em versão aliviada, poderá reprovar. Ora o mais provável, por todas as razões, é que o PàF vote contra as proposta do PS, quanto mais não seja para expor a incapacidade da esquerda em se unir em torno do cumprimento dos nossos compromissos orçamentais. O fracasso desta votação pode bem ditar o fim da ideia de um governo de maioria de esquerda e, com isso, também o fim de António Costa como secretário-geral do PS.

É provável que se iniciem movimentações para um congresso extraordinário dos socialistas e que perca peso neste partido a tentação de continuar a política de uma coligação negativa de esquerda. Aliás, é também muito provável que regressem as lutas fratricidas à esquerda, sob os mais diversos pretextos, entre os quais deverá avultar o que deverá opor a UGT e a CGTP, em que aquela se livra da ameaça de ser esmagada pela central sindical comunista.

Em termos políticos, esta derrota da esquerda poderá criar espaço a que o PR nomeie um novo primeiro-ministro, que até poderá ser Passos Coelho, que já não deverá enfrentar uma coligação negativa na AR e até poderá aspirar a atingir a maioria absoluta, se conseguir negociar a participação do BE no novo executivo, como tenho vindo a sugerir.

Em termos orçamentais, o novo governo poderá propor este conjunto de medidas, numa versão a meio caminho entre as propostas iniciais do PàF e do PS. Para que possam entrar em vigor, bastaria que o PS se abstivesse, o que parece legítimo de esperar. Repare-se que, se as coisas se passarem como estou a descrever (uma mera, mas provável conjectura), então o que se revelaria como uma pura “perda de tempo” seria o chumbo do executivo de maioria relativa do PàF, agravando a imagem de irresponsabilidade que recairia sobre António Costa, mas também sobre o PS.


[Publicado no jornal “i”]

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Manter a calma

As minhas orações estão com as vítimas dos atentados de Paris, em primeiro lugar as centenas de mortos e feridos graves, bem como as suas famílias, e em segundo lugar os milhões de vítimas, em Paris, em França, na Europa e no mundo, que ficaram traumatizados com estes eventos e que perderam a sua tranquilidade.

Em 2001, trabalhava num elevado edifício de escritórios espelhado, em Lisboa, e lembro-me bem que, depois do 11 de Setembro, era com enorme apreensão que via qualquer avião aproximar-se das nossas torres.

Neste momento, julgo que é essencial recordar as palavras da francesa Simone Veil, primeira presidente do Parlamento Europeu, que esteve presa em Auschwitz pelo “crime” de ser judia, de que (cito de cor) não devemos permitir que o carrasco nos faça parecido com ele.

Assim, a França e a Europa devem recordar-se de quem são e que valores defendem e não ceder à tentação de uma resposta a quente, que produza um “terrorismo de Estado”.

É desde já de saudar que os políticos franceses em campanha eleitoral para as eleições regionais suspenderam a sua actividade, mesmo aqueles que poderiam lucrar politicamente com os atentados.

Não há respostas fáceis ao que se passou, mas é preciso recordar que as intervenções do Ocidente no Médio Oriente se têm pautado por uma extraordinária miopia, pior do que o mais medíocre jogador de xadrez, sempre incapaz de antecipar qual a jogada seguinte do adversário.

Parece-me que uma mera intervenção militar punitiva será um erro, até porque o Estado Islâmico afirmou que estes atentados foram resposta aos ataques aéreos franceses. Uma intervenção com maior sucesso teria que ser muito mais alargada, em termos diplomáticos e evolvendo os sectores islâmicos moderados, que parecem os únicos capazes de vencer o debate ideológico no terreno. Pelo contrário, a intervenção externa só deverá servir para promover o extremismo.

Dentro da Europa, é evidente a necessidade de reforçar os controlos fronteiriços exteriores de Schengen, com apoio da UE, não confundindo isso com limites à liberdade de circulação. Há muita gente esquecida, mas a existência de simples controlos de fronteira é a regra em todo o mundo e foi-o na Europa até há não muito tempo. Onde havia proibição de circulação era nos países comunistas, em que as pessoas eram proibidas de viajar para ocidente.

Mesmo assim, é possível que a liberdade sofra, numa primeira fase, alguns limites, para que o sentimento de segurança possa ser restabelecido, esperando-se que um novo equilíbrio possa ser reposto quanto antes.

As autoridades francesas já decretaram, para além de um excepcional luto nacional de três dias, um minuto de silêncio na segunda-feira, ao meio-dia, que sugiro a todos os que o entenderem a juntar-se a esta manifestação de luto e respeito.


[Publicado no jornal “i”]

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Estes acordos não são suficientes

Um governo de esquerda tem que garantir que não nos leva de volta para a troika

Na noite das eleições, António Costa tinha prometido que respeitaria os resultados eleitorais e que não formaria uma coligação negativa. No entanto, faltou – mais uma vez à sua palavra – como o faria posteriormente várias vezes, nomeadamente ao dizer ao PR que tinha uma alternativa de esquerda, quando se tornou evidente que demorou mais de um mês até conseguir algo que só pode ser considerado como “poucochinho”.

O PS não conseguiu que o BE, o PCP ou o PEV integrassem um eventual governo de esquerda; não conseguiu chegar a um acordo “da” esquerda, mas três acordos diferentes; não conseguiu que estes textos tivessem conteúdos essenciais, como o cumprimento do Tratado Orçamental, do que qual está dependente o nosso financiamento; não conseguiu unir as esquerdas, que parece que não se conseguem reunir na mesma sala nem bater palmas uns aos outros.

O resultado alcançado por Costa nestas negociações é muito menos que “poucochinho”, é completamente insuficiente. Será incompreensível que o PR o nomeie primeiro-ministro com base em acordos tão pífios. É imprescindível que Cavaco Silva exija do PS compromissos muito mais substantivos do que os alcançados até agora.

Os mais ferrenhos militantes partidários poderão ver aí um obstáculo do presidente da direita a um governo de esquerda, o que até poderá ser mas, nem de longe nem de perto se esgota aí.

A situação nacional é de convalescença, mas os riscos de recaída ainda são substanciais e as promessas constantes nos acordos de esquerda têm todas as condições para acelerar uma recaída e mesmo um novo resgate financeiro.

O nosso crescimento económico ainda é débil e só taxas de juro excepcionalmente baixas é que permitem a sustentabilidade da nossa dívida pública. A nossa fragilidade é tal que as principais agências de rating ainda nos atribuem a notação de “lixo”, estando o nosso financiamento junto do BCE dependendo de um única agência de rating, a canadiana DBRS, por agora acalmada pelo PS. Não é necessário fazermos muitas asneiras, basta uma fracção das promessas dos acordos de esquerda, para a nossa situação se complicar extraordinariamente.

Parece ser do mais elementar bom senso que o PR exija garantias claras que todo o esforço e sacrifício de aplicação do programa da troika não vá pelo cano em poucos meses.

Um provável falhanço das negociações à esquerda, poderá levar o PR a voltar a nomear Passos Coelho como primeiro-ministro, desta vez com a incumbência de encontrar apoio parlamentar maioritário. Nessa altura, após um total falhanço de António Costa, este partido poderá querer mudar de líder, mas talvez não haja oportunidade de o fazer de forma atempada.

A incapacidade de construir uma alternativa de esquerda deve produzir nestes partidos um grande medo de eleições antecipadas. Dentro destes, quem tem razão para ter mais medo é o BE, por ter o eleitorado mais volátil.

Esta poderá ser uma razão adicional para o cenário em que já aqui falei, uma coligação entre o PàF e o BE. O Bloco tem vindo a fazer um percurso do idealismo para o pragmatismo e é provável que o fracasso de formar um executivo à esquerda também ajude nesta evolução, levando-os a perceber que um pequeno partido terá sempre que ceder, se quiser participar numa solução governativa.

Outra alternativa seria de novo um governo apenas do PàF até ser possível marcar eleições legislativas antecipadas. Se a esquerda não consegue formar governo, então que deixe a direita governar alguns meses, até ser possível dar de novo a palavra aos eleitores, com muito maior clareza sobre quais são os possíveis cenários pós-eleitorais.

[Publicado no jornal “i”]

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Teste público

“A” esquerda só deve derrubar o governo depois de os seus acordos passarem o teste de uma discussão pública alargada

Um dos defeitos da nossa constituição é ter sido feita com demasiado medo do regresso ao Estado Novo, o que, quarenta anos depois, deveria ser um argumento de revisão constitucional, para limpar todos os resquícios decorrentes disso.

Um dos exemplos daquele defeito, foi o medo de governos de maioria absoluta, que foram dificultados pela escolha do sistema eleitoral (art. 149º da constituição). Felizmente, houve a prudência de assumir as consequências disto e facilitar a sobrevivência de executivos de maioria relativa, já que o programa de governo é apenas submetido a uma “apreciação” pelo parlamento (art. 192º). Neste artigo (alínea 3) se define que “O debate [do programa de governo] não pode exceder três dias e até ao seu encerramento pode qualquer grupo parlamentar propor a rejeição do programa ou o Governo solicitar a aprovação de um voto de confiança.” Sublinhe-se que nenhuma destas acções é obrigatória, apenas “podem” ocorrer.

Mas, uma vez sobrevivendo a este obstáculo mínimo, que pode não envolver qualquer tipo de votação, um executivo minoritário pode sempre ser deposto se uma maioria de deputados aprovar uma moção de censura “sobre a execução do (…) programa [de governo] ou assunto relevante de interesse nacional” (art. 194º).

Considero que, da forma como têm vindo a decorrer as negociações à esquerda, deveria haver calma na oposição e não apresentar uma moção de censura quando o governo apresentar o seu programa na AR. Dentro em breve poderão deitar abaixo o executivo, usando como “assunto relevante de interesse nacional” as linhas gerais da proposta orçamental para 2016 que até já deveriam ter sido enviadas a Bruxelas e que as esquerdas não terão qualquer dificuldade em criticar.

A minha insistência no adiamento de uma eventual moção de censura é porque há sérias dúvidas sobre a consistência do resultado das negociações à esquerda, com uma extraordinária multiplicação de declarações contraditórias, como a de Jerónimo de Sousa, de que o PCP nunca respeitará o Tratado Orçamental.

Penso que há algumas questões que seria útil ponderar. Em primeiro lugar, “a” esquerda deve perder a pressa de derrubar o governo, o que poderá sempre fazer algumas semanas depois.

Em segundo lugar, talvez seja necessário mais algum tempo até que “a” esquerda chegue a um acordo e, sem o limite da apreciação do programa de governo, haverá mais oportunidades de diálogo. Este ponto é uma mera possibilidade, já que a disponibilidade de mais tempo também pode arrastar negociações muito difíceis.

Em terceiro lugar, os acordos a que conseguirem chegar devem ser colocados em apreciação pública durante, digamos, duas semanas.

Dadas todas ambiguidades a que temos assistido, não é – de todo – de excluir que os textos acordados sejam objecto de leituras completamente díspares por parte dos signatários. No limite, até se pode chegar ao ponto de haver tantos desmentidos de parte a parte, que um dos partidos (provavelmente o PCP) desista do acordo. Mesmo que não se chegue a um tal extremo, é provável que se torne evidente, sobretudo para António Costa, das enormes fragilidades que unem a maioria de esquerda.

Se se revelarem demasiadas divergências, julgo que será preferível, sobretudo para o PS (mas não para António Costa), não tentar construir um governo numa base tão pouco segura.

Este adiamento que proponho de uma eventual moção de censura ao governo não será, de modo algum, uma “perda de tempo”, já que um executivo de esquerda rapidamente abortado seria a mais grave perda de tempo – e dinheiro – para o país.


[Publicado no jornal “i”]

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Poupança

Precisamos de aumentar a poupança para dar sustentabilidade à recuperação económica

Aproveito o facto de hoje ser dia mundial da poupança para falar sobre este importante tema. Devo começar por dizer que a principal razão que nos levou para os braços da troika foram os elevados défices externos, iniciados em 1996, que podem também ser lidos como representando um défice de poupança em relação ao investimento que fizemos.

Nos primeiros anos, registou-se um aumento do investimento, quer público (em auto-estradas inúteis e etc.), quer privado, em milhares de habitações, muitas das quais por mera especulação, que depois foram difíceis de vender. Para além disso, houve também uma diminuição da poupança, tendo os défices externos permanecido imenso tempo intactos em cerca de 10% do PIB, um valor elevadíssimo, que já tinha justificado anteriormente dois pedidos de ajuda desesperada ao FMI. No entanto, dentro do euro a loucura parecia autorizada e muitos responsáveis, incluindo Constâncio, acharam isto “normal”.

A partir de 2011, com a chegada da troika, foi colocado um ponto final a este delírio, tendo a redução do défice externo sido a única coisa em que Portugal foi além da troika. Infelizmente, a forma como isto foi conseguido não foi a mais saudável, já que se deveu a uma redução drástica do investimento, que caiu de 21% para 15% do PIB, entre 2010 e 2013, tendo recuperado muito ligeiramente desde então. Um nível tão baixo de investimento é preocupante por duas razões: porque é inferior ao necessário à mera substituição de investimento obsoleto, pelo que implica que o stock total de capital está a cair; porque significa que mal recuperemos valores mais normais regressaremos aos défices externos.

Também se tem que dizer que uma parte menor do ajustamento externo se deveu a um aumento limitado da poupança.

É neste quadro geral que precisamos de ler a recente queda da poupança das famílias, que passou de 11,4% do rendimento disponível em 1999 (início desta série) para apenas 5,0% no 2º trimestre deste ano. Esta evolução é certamente preocupante, embora seja conveniente acrescentar dois reparos.

Em primeiro lugar, a poupança serve para financiar investimento e uma parte esmagadora da poupança das famílias é habitualmente usada para investimento pelas próprias famílias, sobretudo na compra de novas habitações e na reparação das antigas. O que os dados revelam é que, em parte, a redução da poupança das famílias acompanhou a redução do seu investimento, que tem sido contínua no novo século. Isto é de tal forma notório que a poupança que as famílias deixam disponível para ser usada pelo resto da economia é agora de 2% do PIB, superior inclusive ao 1% do PIB que se verificava em 1999, embora claramente abaixo dos valores dos últimos anos.

Em segundo lugar, a poupança das famílias tem um comportamento contrário ao ciclo económico, sobretudo devido ao consumo de bens duradouros (automóveis, electrodomésticos, etc.). Quando se dá uma quebra no rendimento, a primeira coisa que as pessoas fazem é adiar a troca de automóvel, uma poupança muito eficaz com uma perda mínima de bem-estar. Quando a economia e a confiança recuperam, este consumo reprimido já pode manifestar-se e é isso em grande parte o que está a acontecer, com a queda recente da poupança a ser explicada em 80% pela recuperação do consumo de bens duradouros. Ou seja, há aqui um elemento conjuntural que poderá estar a exagerar a queda da poupança das famílias.

Qualquer solução para este problema não deve passar por criar benefícios fiscais para o produto financeiro X, que apenas desvia recursos doutras aplicações, mas pela eliminação de obstáculos ao investimento, nomeadamente as absurdas dificuldades em transaccionar obrigações em bolsa, que não existiam há 30 anos atrás.


[Publicado no jornal “i”]

sábado, 24 de outubro de 2015

Coligação PàF-BE

Pode ser surpreendente, mas uma coligação entre o PaF e o BE até pode ser duradoura

Acabaram-se os devaneios anti-democráticos e anti-parlamentares de todos aqueles que pretendiam que um mero trinta-e-um de boca de uma “maioria de esquerda” se substituísse ao parlamento na eventual demissão de um governo do PaF, algo que era visto como mera “perda de tempo”. Só faltou dizerem-nos que as próprias eleições também eram um desperdício, que eles é que sabiam muito bem o que o povo queria, como muitos dos seus correligionários o fizeram no passado e também em outras paragens.

Como era sua obrigação constitucional, o PR indigitou Passos Coelho para formar um novo governo.

Parece cada vez mais claro, que o PCP andou as últimas semanas apenas a “tourear” o PS e que nunca teve a mais leve intenção de integrar um eventual executivo de esquerda. A prova final disso foi a apresentação, pelos comunistas, em Bruxelas, de uma proposta de apoios para quem saia do euro. Se isto não é torpedear uma maioria de esquerda, é o quê? Ainda por cima, porque o PCP age sempre em “colectivo”, coordenado pelo Comité Central.

Assumindo que os comunistas não vão integrar um governo de esquerda, será totalmente ridículo o PS derrubar um executivo apoiado por 107 deputados (PaF) para o substituir por outro, que representa apenas 105 deputados (PS-BE).

Mas é também evidente que um governo do PaF, apenas com maioria relativa, corre o risco de ter a vida curta. É por isso que me parece interessante considerar uma eventual coligação destes partidos com o BE, por mais surpreendente que ela pareça à partida.

Há que reconhecer que o BE sofreu uma profunda transformação nos últimos meses, seguindo aliás as pisadas do Syriza. Em primeiro lugar, o BE passou de um partido de protesto para um partido de poder, em parte como resposta à concorrência das suas dissidências. Em segundo lugar e em consequência disso, passou a aceitar fazer cedências e compromissos, trabalho que já realizou nas negociações com o PS.

Do ponto de vista do PaF, parece mais interessante negociar com o BE do que com o PS. Podemos considerar estas negociações em três capítulos: ideológico, orçamental e de aparelho. Em termos ideológicos, o BE seria mais exigente, mas algumas destas reivindicações são tão folclóricas, que a cedência é quase irrelevante, para além de que os líderes do PaF não são muito rígidos. Do ponto de vista orçamental, está tudo tão condicionado por Bruxelas, que até o Syriza já cedeu a tudo. Do ponto de vista dos aparelhos, infelizmente muito mais importante do que seria desejável, o BE seria infinitamente menos exigente do que o PS, que não só é muito maior, como tem o hábito de ir “ao pote”, como se autodenunciou e como a acusação a Sócrates se deverá revelar muito instrutiva.

Do ponto de vista do BE, é preferível integrar um governo com o PaF do que com o PS, sendo que esta segunda hipótese talvez nem sequer se chegue a colocar. Um executivo PS-BE será sempre instável, por ser minoritário, podendo ser derrubado a qualquer altura, inclusive já na Primavera de 2016. Em contrapartida, uma coligação PaF-BE tem a maioria absoluta e a sua sobrevivência estará na mãos do BE que, assim, terá um substancial poder negocial.


Imagino o BE com a pasta da Segurança Social, a eliminar as injustiças sobre os precários dos recibos verdes, extremamente orgulhoso de melhorar as condições de vida de muitos dos seus eleitores. Este e outros sucessos deverão constituir um travão às exigências do BE, que também não deverá querer parar rapidamente esta sua experiência inaugural. Se este executivo durar a legislatura, o BE até se poderá transformar no partido charneira do regime. 

[Publicado no jornal “i”]

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Ir a jogo

António Costa e o PS devem pagar um elevado preço político por derrubarem um governo dos vencedores das eleições

O PR tem o dever de convidar Passos Coelho para formar governo, “ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais” (artº 187º da Constituição).

Há quem defenda que, dadas as movimentações à esquerda, Cavaco Silva deveria passar por cima desta fase e convidar já António Costa. Estou totalmente em desacordo. Em primeiro lugar, não é nada óbvio que o secretário-geral do PS esteja em condições de garantir a disciplina de voto dentro do seu próprio partido, tendo em atenção várias reacções que já foram tornadas públicas, a mais corajosa e responsável das quais da parte de Francisco Assis (mesmo estando fora da AR).

Em segundo lugar, Costa e o PS devem ser obrigados a pagar o preço político de chumbar um governo formado pelos vencedores das eleições, sobretudo tendo em atenção que a coligação já tinha anunciado que não levantaria obstáculos a um executivo minoritário socialista, como o PSD já tinha feito em 1995. Julgo que para os eleitores não será nada indiferente a diferença de atitude entre quem se mostra cooperante e quem não aceita o veredicto eleitoral ao ponto de o sabotar.

Em terceiro lugar, também se lhes deve exigir que paguem o preço político pelo tipo de argumentação com que justificarão o derrube do novo governo, sobretudo para se poder confrontar essa argumentação com aquela que venha a ser a acção futura dum eventual executivo que integre o PS. Seria verdadeiramente indesculpável perdoar o comportamento indigno de António Costa e evitar que pague as consequências dos seus actos.

Chumbado um governo do PàF, será a vez do líder do PS tentar a sua sorte. Nesse caso teríamos duas hipóteses: uma primeira, em que o PCP não aceita integrar o executivo, mas em que o BE aceita ou não; uma segunda, com uma coligação dos três partidos de esquerda no governo.

Se o parlamento não aceita que 107 deputados sustentem um executivo, parecerá muito estranho que aceitem um governo apenas socialista, com o apoio directo de apenas 86 deputados, ou mesmo uma coligação do PS com o BE, que teria apenas 105 deputados. Ou seja, se António Costa não conseguir levar tanto o BE como o PCP para o governo, perde a razão para ter derrubado o governo do PaF.

Na segunda hipótese, parece evidente que esse governo terá uma vida extremamente difícil, em que todos terão que engolir muito do que disseram nos últimos anos. O mais grave nem serão os ataques que receberão da oposição ou da rua, mas os conflitos internos dentro de cada partido e as divergências entre os parceiros governamentais. É impossível acreditar que esta aliança contra-natura tenha uma vida longa, se acrescentarmos a tudo isto, já mais do que suficiente, os variados sinais de deterioração das condições internacionais nos próximos tempos.

Na verdade, para o PS, o que faria mais sentido era fazer rapidamente eleições internas, substituir este líder que se revelou incapaz de ganhar as eleições mais fáceis desde 1995 e deixar a direita queimar-se com as consequências do enfraquecimento da conjuntura externa.

Há muitos políticos que colocam os interesses partidários acima do interesse nacional, mas o que António Costa está a fazer, como antes dele já Sócrates o fizera, é colocar os seus interesses pessoais acima do próprio partido.

Para o país, o que parece imprescindível é que se altere a Constituição, no seu artigo 172º, que proíbe a dissolução da AR com prazos absurdos, que deveriam ser totalmente eliminados. Tudo indica que o país vai perder seis meses por causa de – mais uma – norma constitucional disparatada.


[Publicado no jornal “i”]

sábado, 10 de outubro de 2015

Pasokização

Os resultados eleitorais foram desastrosos para o PS, que ainda está a agravar a situação com uma eventual aliança à esquerda

Até meados de Setembro, o PS ia à frente nas sondagens, o que permitia antecipar que teríamos um governo minoritário socialista, com possibilidade de alguma estabilidade, devido a, pelo menos, uma não oposição da actual coligação.

No entanto, devido à inacreditável sucessão de desastres protagonizados por António Costa, o PS conseguiu a proeza extraordinária de conseguir perder este sufrágio, depois de quatro anos de dura e nem sempre justa austeridade. Costa cometeu o erro de palmatória de virar à esquerda, quando há décadas que Mário Soares já tinha percebido que as eleições se ganham ao centro.

Na área do BE deu-se um fenómeno muito curioso, que estará simultaneamente na base do seu sucesso e do flagrante insucesso das suas dissidências. Já Joschka Fischer tinha dito que a sua mais difícil luta política, que durou vinte anos, foi conseguir transformar os Verdes alemães num partido de poder.

Em Portugal, há alguns anos que se gerou um forte debate interno dentro do BE, entre aqueles que o pretendiam manter como partido de protesto e aqueles que o queriam transformar em partido de poder. Este segundo grupo, incapaz de convencer os seus correligionários, acabou por sair do Bloco, mas não foi capaz de se manter unido, tendo-se dispersado em várias agremiações.

Entretanto, o BE, sentindo-se duplamente ameaçado, quer pelo facto de ter perdido metade dos deputados em 2011, quer pela emergência de partidos dos seus dissidentes, optou (não se sabe ainda se de forma genuína) por se apresentar como partido de poder. Este facto associado à viragem do PS à esquerda, também consubstanciada na estranhíssima escolha presidencial de Sampaio da Nóvoa, terá levado os eleitores a escolher o BE. Já que ambos são partidos de poder, mais vale escolher o artigo genuíno de esquerda do que o PS.

António Costa parece empenhado em prosseguir na senda da asneira, não se tendo demitido após a hecatombe eleitoral, em total contradição com o argumento com que atraiçoou Seguro e dividiu o PS. Para agravar os conflitos internos deste partido, Costa está a coreografar uma aliança com o BE e o PCP, que não é certo que se concretizará. Mas se isso acontecer, será algo votado ao fracasso e ao desastre nacional.

No meio da crise do euro, não podia haver pior altura para esta aliança contra-natura. O PS está a tentar aliar-se com dois Syrizas que, não estando na liderança, são muito menos domesticáveis. A partir de 1995, o PSD levou Guterres ao colo, para garantir a participação no euro e o PS agora faz isto.

Uma eventual grande coligação de esquerda deverá fazer bastante mal ao país, mas os seus estragos deverão ser limitados, não só porque ela deve durar pouco tempo antes de implodir devido às suas incoerências internas, quer porque o seu raio de acção está fortemente constrangido pelas condições do país e os nossos compromissos internacionais.

No entanto, essa eventual coligação tem todas as condições para destruir definitivamente o PS, sem qualquer hipótese de redenção. Como é que os socialistas poderiam sobreviver a terem desrespeitado o resultado eleitoral de 2015, onde claramente perderam, para além de aprovarem legislação de extrema-esquerda?

Muitos suspeitam que o PS dificilmente sobreviverá ao julgamento de Sócrates que, dada a sua personalidade, nunca aceitará cair sozinho. No entanto, parece que é António Costa que quer ficar como o principal responsável pela pasokização do seu partido.


[Publicado no jornal “i”]

domingo, 4 de outubro de 2015

Suspense americano

Muitos investidores em muitos países aguardam pela subida de taxas de juro nos EUA, a primeira desde o início da crise do subprime

Com o desencadear da crise do subprime, a partir de Agosto de 2007, a Reserva Federal dos EUA desceu sucessivamente as suas taxas de referência, tendo no final de 2008 sido fixadas no nível a que ainda hoje estão, entre 0% e 0,25%, sem precedente histórico. Esgotado este instrumento de reanimação da economia, o banco central americano viu-se forçado a recorrer a medidas não convencionais, de “expansão quantitativa”, em três pacotes sucessivos.

Com a recuperação subsequente da economia americana, o Fed começou a diminuir o montante de compras mensais de títulos que vinha realizando, como parte das tais medidas convencionais, cujo mero anúncio, alguns meses antes, provocou bastantes solavancos nos mercados financeiros. A segunda etapa ocorreu no final de Outubro de 2014, com a interrupção de quaisquer compras adicionais de títulos.

Estamos agora na terceira etapa, esperada com grande ansiedade e incerteza, em que a Reserva Federal deverá finalmente voltar a medidas convencionais, subindo a sua taxa de juro de referência do mínimo histórico em que se encontra.

Antes de prosseguir, gostava só de contrastar a experiência dos EUA com a da zona do euro. Naquele país, o banco central agiu com grande agilidade e criatividade, com nítidos sucessos económicos, tendo o PIB já recuperado totalmente da recessão e o desemprego já descido para pouco mais de 5%.

Já na zona do euro, o BCE não podia ter sido mais lento a descer as taxas de juro, tendo tido duas falsas partidas, uma em 2008 e outra em 2011, quando as subiu, como se a economia já estivesse a recuperar. Só em 2013 é que baixou as taxas para os níveis em que já estavam no final de 2008 nos EUA, tendo realizado mais umas descidas cosméticas em 2014. Quanto à “expansão quantitativa”, o BCE também se atrasou, tendo tido um programa inicial em 2009 e um mais alargado, só no início de 2015. Não surpreende, assim, que os resultados económicos europeus sejam claramente inferiores aos americanos, em que o PIB da zona do euro ainda não voltou aos níveis anteriores à crise e o desemprego, apesar de estar a descer, se mantêm ainda nos 11%, claramente acima dos 7% registados no início da crise.

Pode-se dizer que o mandato do BCE, unicamente sobre a inflação, é mais restrito do que o da Reserva Federal, quer sobre a inflação quer sobre o desemprego, pelo que não se deve comparar directamente os resultados económicos que, para além disso, dependem também de outros factores, como a subsequente e específica crise do euro. No entanto, não deixa de ser extremamente curioso constatar que, havendo nos EUA dois objectivos potencialmente em conflito, os valores alcançados hoje estão muito mais próximos das metas, do que acontece no caso do BCE, que só tem uma meta.

Regressando agora a um dos maiores suspenses americanos, sobre a data e a trajectória de subida das taxas de juro de referência, pode-se aceitar que os dados económicos se têm apresentado com alguma ambivalência, com o desemprego numa clara trajectória descendente, mas sem qualquer sinal de aceleração de preços nem salários.

Infelizmente, parece-me que esta discussão, nos próprios EUA, está muito inquinada por condicionamentos ideológicos, que podem impedir a tomada da melhor decisão.

No entanto, entendo que existe uma brutal e esclarecedora assimetria entre correr o risco de subir as taxas tarde demais ou cedo demais. Se se incorrer no erro do atraso, a consequência será uma inflação um pouco acima dos 2% de referência, um problema insignificante, para o qual existe um instrumento, que é a subida das taxas de juro, para o qual não há limite.

Já o erro da antecipação pode fazer soçobrar a economia americana, arrastando muitas outras consigo, e o instrumento disponível ficaria com uma margem mínima. Enquanto o primeiro erro é insignificante e fácil de resolver, o segundo é grave e de difícil resolução. A escolha deveria ser óbvia, mas veremos o que se passará nos próximos tempos, em que da China também já chegam nuvens ao horizonte.


[Publicado no jornal “i”]

sábado, 26 de setembro de 2015

Duodécimos

António Costa tornou mais provável que em 2016 o orçamento seja em duodécimos, o que é o pior para o PS

António Costa veio agravar o ambiente de incerteza que rodeia as perspectivas pós-eleitorais, ao assegurar que, se a coligação ganhasse, o PS chumbaria a sua proposta de orçamento, fosse ela qual fosse. Esta declaração, para além de revelar o seu – justificado – medo de perder as eleições, revela uma irresponsabilidade e um desprezo pelos interesses do país, completamente subalternizados a uma (má) táctica eleitoralista. Para além disso, corresponde a dinamitar pontes com o PSD e CDS, num cenário em que se prevê que elas sejam mais necessárias, porque o resultado mais provável de todos, e o líder do PS está perfeitamente ciente disso, é que nenhum dos partidos consiga uma maioria absoluta.

De acordo com o artigo 172º da Constituição, a “Assembleia da República não pode ser dissolvida nos seis meses posteriores à sua eleição, no último semestre do mandato do Presidente da República”, o que corresponde a 4 de Abril, sendo que o próximo Presidente da República deverá iniciar o seu mandato a 9 de Março, como vem sendo hábito. Com os nosso prazos absurdos, é improvável que novas eleições consigam ter lugar antes de Junho e também não é certo que produzam um resultado mais estável.

A rapidez com que a Grécia tem conseguido marcar eleições é algo que nos devia envergonhar e uma das primeiras coisas que é urgente fazer é alterar estes prazos, sobretudo porque os tempos que se avizinham devem ser muito difíceis e é absurdo que tudo fique em condições muito mais graves por causa de prazos dilatadíssimos que nunca fizeram qualquer sentido. Um país ingovernável durante nove meses no meio da crise do euro e de uma eventual crise internacional é um autêntico filme de terror.

O mais provável é que o orçamento de 2016 não seja aprovado e que vivamos em regime de duodécimos durante grande parte do próximo ano. A primeira coisa que é preciso ter em conta é que a incerteza política e as recusas em aprovar um orçamento deverão arrefecer a economia e subir as taxas de juro, ambas com efeito negativo sobre o défice. A isto acresce o facto de ser altamente improvável que a meta orçamental de 2015 seja cumprida, o que coloca uma pressão maior sobre a contenção que será necessário no próximo ano.

Em termos de autorização de endividamento, o regime de duodécimos não deverá ser um problema, porque é suposto que as necessidades de financiamento diminuam à medida que o défice se reduz.

Em relação aos impostos, a inexistência de um novo orçamento significa que não será possível aumentar as taxas de imposto nem criar novos impostos, pelo que quem queira equilibrar as contas públicas por essa via, como é o caso do PS, tem a vida muito mais dificultada. Teoricamente, poderia haver aumentos de impostos autónomos do orçamento, mas se a AR não aprova um orçamento, porque é que aprovaria um aumento da carga fiscal?

Em relação à despesa, o orçamento cria autorizações de despesa, não cria obrigações de despesa. Significa isto que, mesmo com duodécimos, será possível, embora difícil, cumprir a meta de redução do défice público, cortando na despesa. No entanto, será mais difícil alterar a estrutura da despesa, um objectivo mais importante para o PS do que para a coligação, porque foi esta que definiu a actual estrutura.

Daqui decorre que viver em duodécimos não tem que ser terrível, embora se estime que seja sempre mais difícil para o PS fazê-lo do que para a coligação.

O que se me afigura pior para estes nove meses de agonia que nos esperam é a incerteza que se deverá instalar, a provável incapacidade em lidar com os desafios externos que devem ser significativos, a suspensão de qualquer tipo de reforma estrutural tão essencial para sairmos desta década e meia de estagnação económica, o recuo na recuperação conjuntural e de credibilidade junto dos mercados financeiros, que tanto nos custou. O pior mesmo de tudo, é que grande parte deste desastre poderia ser evitado ou, pelo menos, fortemente encurtado, se os partidos já tivessem reformado os absurdos prazos actualmente em vigor.


[Publicado no jornal “i”]

domingo, 20 de setembro de 2015

Balanço

Se o PS tivesse estado no governo nos últimos quatro anos é provável que a troika ainda cá mandasse

O Público desta quarta-feira publicou uma carta confidencial que Passos Coelho enviou a José Sócrates, em Abril de 2011, tendo o jornal mentido sobre o conteúdo da missiva, ao afirmar – na primeira página – que aquele dirigente do PSD estava a “exigir” a vinda da troika. Esta desonestidade daquele que já foi uma referência do jornalismo português é, para além de eticamente reprovável, um insulto à inteligência dos leitores. Ao ler-se o texto verificam-se duas coisas: 1) o atual primeiro-ministro estava muito mais consciente das dificuldades do país do que Sócrates; 2) para além disso, mostrava-se disposto a apoiar as diligências que fossem necessárias.

Esta segunda atitude não podia ser mais contrastante com a do PS de António Costa, sempre a colocar os interesses do partido acima dos interesses do país, ao ponto de ter rasgado a reforma do IRC que tinha sido acordada com o seu partido, deixando os investidores externos estarrecidos com esta falta de credibilidade do país, em que é impossível confiar.

Ainda em relação à vinda da troika, é preciso recordar que houve pressões comunitárias, para que ela fosse chamada em Novembro do ano anterior, coincidindo com o pedido de ajuda da Irlanda, para evitar transmitir a ideia de sucessivos novos problemas na crise do euro. Sócrates recusou um pedido atempado, do que resultou um programa de ajustamento com um caracter punitivo, como castigo por isso, para além de que o facto de a ajuda surgir quando o país já estava com a corda na garganta nos ter limitado ao mínimo o poder negocial.

Em relação ao Memorando inicial, é certo que a economia caiu mais e o desemprego subiu mais do que o esperado, devido ao excessivo otimismo do programa, como o FMI já reconheceu. Isso fez com que a diminuição do défice público e a contenção da dívida pública se tivessem tornado mais difíceis.

Mas as críticas de António Costa, contra a austeridade e sobre o aumento da dívida pública, são incoerentes, uma sua imagem de marca. Ou bem que critica a austeridade ou bem que critica a dívida. Como é evidente, se tivesse havido menos austeridade teríamos hoje ainda mais dívida pública do que temos.

Quanto a ter ido para além da troika, alguém é capaz de dizer onde é que isso se passou? O défice público caiu mais lentamente do que o combinado, o Estado quase não foi reformado, o número de câmaras municipais deixado intacto, as privatizações claramente aquém do acordado, as reformas estruturais foram menos e menos profundas do que o estipulado, etc.

Como é evidente, houve trabalho feito num contexto muito difícil, mas temos o direito de criticar um governo a quem faltava experiência e que se furtou a fazer muita coisa, em particular e insisto, a reformar a despesa pública. Demasiadas vezes a urgência de encontrar soluções e a falta de trabalho de casa levaram a decisões injustas, como foi o caso da segurança social, em que continua a faltar uma ligação clara entre as carreiras contributivas e a pensão recebida.

Mas imaginem agora que nestes últimos anos tínhamos sido (des)governados pelo PS. É evidente que os socialistas teriam reformado muito menos, que teriam ciclicamente assustado os mercados e é duvidoso que tivéssemos escapado da necessidade de um segundo resgate.

O que mais custa não é a debilidade das propostas do PS, é o que elas revelam sobre a falta de consciência deste partido sobre os problemas estruturais do país e da forma como o PS foi cúmplice na criação de alguns deles nas últimas duas décadas. Foi a partir de Guterres que o nosso endividamento externo começou, já que em 1995 era apenas de 8% do PIB. A forte perda de competitividade que decorreu da aposta na procura interna desde então produziu mesmo o impensável: há quinze anos que o país passou a divergir da Europa, apesar de receber fundos comunitários para convergir.

Tudo indica que vamos iniciar uma fase particularmente difícil em termos internacionais e exigente em termos nacionais e vamos entrar neste mar encapelado com um governo pouco preparado e provavelmente instável.  


[Publicado no jornal “i”]

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Pós-eleições

O próximo governo deverá ser socialista e dificilmente durará muito tempo

As últimas sondagens continuam a dar um empate técnico entre os principais contestantes e a campanha eleitoral, quase totalmente afastada do mais importante, não deverá alterar esta circunstância.

Continuo a não acreditar num governo de bloco central, que seria sempre muito instável, em clima de guerrilha interna permanente. Vejo como mais provável um governo do PS, talvez em coligação com os novos pequenos partidos, do que um executivo do PSD-CDS, mesmo que estes tenham marginalmente mais deputados do que os socialistas. Com um parlamento com uma claríssima maioria de esquerda parece muito difícil que um governo de direita tenha qualquer hipótese de vingar. Já um executivo liderado pelo PS poderá contar, por algum tempo, com a abstenção do PC e BE, que o poderão assumir como mal menor.

Mas será sempre um governo muito condicionado, enfrentando uma conjuntura desfavorável em vários aspetos.

Antes de mais, a conjuntura internacional parece estar a mudar para pior. Até há não muito tempo, o próximo ano era considerado como de continuação da recuperação internacional, mas várias nuvens têm ensombrado esse cenário. Aproxima-se o momento de subida das taxas de juro de referência nos EUA e teme-se que isso provoque um terramoto nos países emergentes demasiado endividados em dólares. A China tem apresentado sinais também pouco favoráveis e um abrandamento daquela que tem sido a locomotiva do crescimento mundial deverá espalhar-se a quase todos os países, avançados e emergentes.

Uma desaceleração internacional deverá pressionar ainda mais o preço do petróleo, colocando dificuldades adicionais a Angola, com múltiplas ramificações a Portugal tais como a repatriação de nacionais, suspensão de remessas, quedas das exportações, problemas de crédito e nas filiais dos bancos portugueses naquele país.

A nível europeu, temos sempre que contar com a caixinha de surpresas em que se transformou a Grécia, que foi obrigada a aceitar um terceiro resgate impossível de cumprir, que não deverá demorar muito tempo a causar novos problemas. Para além disso, estamos perante uma crise de refugiados, cuja proposta de solução, com quotas obrigatórias, parece fadada para criar mais problemas do que os que vai resolver.

Em Portugal, teremos um governo obrigado a engolir a generalidade das suas promessas eleitorais, criticado por uma direita que, na oposição, deve adotar uma irresponsabilidade como a que o PSD exibiu a partir de 1995. A esquerda que, pela sua abstenção, permitirá a sobrevivência do executivo, terá cada vez mais dificuldades em continuar a fazê-lo, sempre que novas medidas de austeridade tiverem que ser aprovadas.

Para além disso, teremos o julgamento de Sócrates que, dada a sua personalidade, jamais aceitará ser imolado sozinho. Até aqui, o PS tem conseguido – miraculosamente – manter-se à margem dos problemas judiciais do seu antigo secretário-geral mas, quando as acusações forem tornadas públicas, é muito provável que haja várias novas “baixas” socialistas, porque é impossível ele ter agido sozinho.

Se um governo socialista, já fragilizado, assistir à exposição pública de muitos dos podres do seu partido é provável que aconteçam três coisas. Um primeiro efeito será o esvaziamento do PS como partido de poder, como aconteceu ao PASOK na Grécia. Uma segunda consequência deverá ser o surgimento de novas agremiações políticas, tal como tem acontecido noutros países e que, para surpresa de muitos, ainda não aconteceu em Portugal. Finalmente, deveremos ter a queda do governo, eleições antecipadas e um novo espectro partidário, que já não me atrevo a antecipar. 

Em relação ao Presidente da República que deverá ser eleito entretanto, não me parece que tenha grande margem para alterar o cenário descrito, a não ser, talvez, a de gerir a sua duração.


[Publicado no jornal “i”]

sábado, 5 de setembro de 2015

Refugiados

A política europeia face às migrações precisa de ser mais abrangente, com ênfase na diplomacia

Esta semana tivemos a infelicidade de ver a fotografia do pequeno sírio Aylan Kurdi, morto à beira-mar, que parece estar a produzir um efeito muito significativo nas populações europeias, de reconhecimento do problema dos refugiados que tentam chegar à Europa. Na verdade, quase em simultâneo tinha surgido o rumor de que Juncker se prepara para quadruplicar as quotas para o conjunto da UE para 160 mil pessoas, o que continua a parecer muito pouco, sobretudo se atendermos ao facto de que só a Alemanha já se disponibilizou a aceitar 800 mil deslocados.

Se olharmos para a política oficial da UE, em que a migração é assumida como uma das dez prioridades da Comissão, ficamos desapontados com o caracter eminentemente burocrático dos quatro pilares daquela política, preocupados, entre outras questões, com a redução dos incentivos à imigração irregular, desmantelando redes de tráfico entre outras ações preconizadas.

Parece que há na política europeia duas grandes omissões: a diplomacia e o envolvimento de terceiros países. A primeira razão porque há refugiados é porque há conflitos armados, que provocam a deslocação de populações. Parece, assim, que deveria haver uma primeira preocupação com um envolvimento diplomático muito superior ao que existe atualmente nas zonas de conflito. Não se espera uma solução milagrosa, rápida e indolor, mas também custa a crer que a UE, com a sua importância económica, comercial, financeira, fornecedora de armamentos, não consiga ajudar a minorar a situação, seja através da negociação de tréguas, de maior proteção das populações civis, com evacuações programadas ou outras ações.

No caso da Síria, ainda que muito complexo, tem havido apoio de França e do Reino Unido à oposição do governo, pelo que haverá margem para influenciar o que se passa e, talvez, a limitar os danos nos civis.

Em relação ao envolvimento de terceiros países, parece pacífico reconhecer que a maioria dos refugiados preferirá ficar em Estados próximos da sua zona de origem, do que viajar milhares de quilómetros, nas mais precárias, caras e perigosas condições, desde que consigam ali níveis mínimos de subsistência.

Na verdade, é exatamente isso que têm feito os refugiados sírios, cuja maioria se tem concentrado em países com fronteira com a sua terra natal. Dos cerca de 20 milhões de habitantes que a Síria tinha antes dos conflitos, estima-se (com todas as limitações que estas estatísticas têm) que cerca de metade foram forçados a deslocar-se dentro do próprio país e que cerca de 4 milhões se tenham refugiado no exterior. Destes, mais de metade estará na Turquia, outro quarto residirá no Líbano, havendo ainda contingentes significativos na Jordânia e no Iraque. Na UE, estarão neste momento pouco mais de 5% do total de refugiados sírios.

Ou seja, por um lado, parece fazer todo o sentido que a UE ajude financeiramente os Estados que já recebem um grande número de deslocados da guerra, com destaque, para o Líbano que tem arcado com um número desproporcionado de pessoas para a sua dimensão. Para além disso, justificar-se-á que a UE faça pressão junto de outros países da região para também eles receberem sírios, em particular a Arábia Saudita, que tem bolsos fundos (atualmente afeados pela queda do preço do petróleo) e que estão abertamente envolvidos no conflito, pelo apoio que têm dado a uma das partes.

Para além do que ficou dito, é evidente que nos cabe acolher da melhor forma possível os refugiados que nos procuram, começando por assegurar um transporte condigno, para colocar um fim no tráfico de pessoas e nas mortes trágicas.

Gostava de concluir com uma ressalva: uma má gestão da questão dos refugiados e imigrantes pode redundar, a prazo, num recrudescimento da extrema-direita. E é preciso ver, em primeiro lugar, que os apoiantes deste extremismo estão nos trabalhadores mais pobres e com maior risco de desemprego. Será necessário acompanhar eventuais impactos nestes grupos mais desfavorecidos, para garantir que os seus receios não se materializam.


[Publicado no jornal “i”. A partir de hoje, por exigência do jornal, seguindo o novo Acordo Ortográfico.]

sábado, 29 de agosto de 2015

Escândalo total

A corrupção vive do sentimento de impunidade que decorre do silêncio de todos, a começar pelas instituições

Um ano depois do concurso público para a concessão das duas empresas de transportes colectivos do Porto (metro e STCP) ter sido um fracasso, o governo anunciou um ajuste directo com um prazo de 12 dias para a entrega de propostas.

Esta decisão, ainda por cima tomada em Agosto e a poucas semanas do final do mandato do executivo, constitui um escândalo total. Isto é tão estranho, que legitima as piores suspeitas.

Infelizmente, a repercussão pública disto foi mínima, talvez em parte por reflectir a macrocefalia do país, em que quase tudo o que se passa fora de Lisboa recebe muito pouca atenção.

Começando pelo Zé Povinho, que hoje poderá em parte ser aferido pelas redes sociais, não parece ter havido nenhum movimento “viral”, ao contrário de tantas indignações, onde os critérios de relevância parecem altamente trocados.

Entre os comentadores, correndo o risco de cometer alguma injustiça, só dei pela pena inspirada e indignada do João Miguel Tavares, no Público, que escreveu: “Fazer uma moscambilha desta dimensão em véspera de legislativas é de tal forma arriscado e eleitoralmente imprudente que os interesses por detrás do negócio devem dar para encher a Avenida dos Aliados.”

Passando para os partidos políticos, começa-se por estranhar o silêncio do PCP e BE, contrários, por princípio, a qualquer tipo de privatização ou concessão a privados. Mas o mais surpreendente, ou talvez não, é a forma como o PS nem se referiu ao assunto, ainda por cima estando nós em campanha eleitoral, que tem corrido muito mal aos socialistas, por um conjunto de amadorismos indesculpáveis. Será que o PS tem assim tantos rabos-de-palha nas concessões a privados para não querer levantar a lebre sobre este, incomparavelmente menor do que aqueles que os socialistas aprovaram?

No entanto, considero que o silêncio mais ensurdecedor é o das instituições públicas, directa ou indirectamente relacionadas com esta matéria. Não me venham com conversas legalistas que minimizam as responsabilidades de cada instituição, quando o “óbvio ululante” se passa nas nossas barbas. É que há, no mínimo, a responsabilidade de uma intervenção de “persuasão moral” que, no limite dos limites, até pode ser apenas feita em termos pessoais.

Gostaria muito que a PGR tivesse algumas palavras sobre este assunto, que me parece óbvio que exige uma investigação imediata, em vez de, daqui a vários anos, nos vir dizer que já não pode fazer nada porque o caso já prescreveu. Também dispensamos que o Tribunal de Contas se lembre de criticar, dentro de três anos, a forma como o processo foi conduzido. Era agora que queríamos ouvir a sua voz.

Apreciaríamos muitíssimo que o Banco de Portugal dissesse alguma coisa, mesmo que na forma elíptica que é apanágio de todos os bancos centrais. Se não fosse pedir muito, o Conselho de Finanças Públicas também poderia fazer uma referência, mais ou menos indirecta a este caso.

Estaria louco se pedisse isso hoje, mas quando passarmos a ter uma administração pública independente, esperarei que haja um conjunto de altos funcionários ao ministério das Finanças que se pronuncie sobre uma situação análoga.

Se, em vez do actual mutismo, tivéssemos todas as diferentes declarações que sugeri, parece-me que o governo seria forçado a recuar. Mais do que isso, se fosse comum haver estas tomadas de posição, o executivo nem sequer teria o descaramento de avançar com este ajuste directo.

É este silêncio colectivo que cria um sentimento de impunidade por parte dos poderosos, que permite os nossos elevadíssimos níveis de corrupção.

Neste momento, Sócrates está em vias de ser acusado por aquilo que me parece ser menos de 10% das malfeitorias que perpetrou, muitas das quais à frente de todos. Se tivessem havido mais vozes de protesto (a propósito, por andava Sampaio da Nóvoa nessa altura?), ele nunca se teria atrevido a tanto.

Se, como sociedade, não somos capazes de parar acções danosas feitas na praça pública, como nos poderemos defender do que se passa nos bastidores?


[Publicado no jornal “i”]

sábado, 22 de agosto de 2015

Fantasias, parte II

O programa económico revisto do PS deverá esbarrar rapidamente em Bruxelas

Antes de comentar o programa económico revisto do PS, convém sumariar as restrições que impendem sobre o próximo governo, qualquer que ele seja. Em primeiro lugar, temos que referir as circunstâncias internas, entre as quais avulta uma dívida pública de cerca de 130% do PIB e uma quase estagnação económica que dura há 15 anos. Também se pode acrescentar uma extrema benevolência dos mercados, muito ajudada pelo programa de expansão monetária do BCE, mas que está sujeito ao risco de contágio da crise grega, que não tem acontecido ultimamente, mas que pode voltar sem pré-aviso.

Isto significa, por um lado, que um deslize orçamental nos pode custar muito caro e, por outro, que esperar que a economia cresça com base em estímulos orçamentais, uma receita que não funciona no nosso país há década e meia, é extremamente ariscado.

Em relação às circunstâncias externas, a zona do euro continua com uma grande dificuldade em recuperar dos níveis de rendimento anteriores à crise de 2008, para além de continuar a haver uma enorme pressão (mesmo excessiva) pró-austeridade, como se viu pela capitulação total da Grécia, pelo menos à superfície. Ou seja, não só não temos as coisas facilitadas, com a excepção dos benefícios da depreciação do euro, como continuaremos a estar sujeitos a uma apertada vigilância, não só dos mercados, mas também dos nossos parceiros comunitários.

A primeira referência genérica ao programa do PS, é que, dado que houve uma revisão de várias das principais variáveis, era preferível que tivesse sido apresentadas todas as variáveis que constavam do cenário macroeconómico inicial. As lacunas principais dizem respeito à inflação e às contas externas, onde teríamos muita curiosidade de verificar se as previsões altamente improváveis de que ambas melhorariam se mantinham.

Genericamente, as novas previsões apontam para uma menor consolidação orçamental (défice público de 1,4% do PIB em 2019, contra 1% inicialmente), da qual resultaria um maior crescimento económico (cerca de mais três décimas no período) e uma menor taxa de desemprego (menos duas décimas em 2019). Tem que se reconhecer que esta previsão segue a lógica do exercício anterior em que um estímulo orçamental é muito eficaz a fazer crescer a economia, embora esteja em substancial contradição com a nossa experiência desde o início do século.

Mas estas previsões deverão conhecer um banho de realidade logo na apresentação da proposta de orçamento para 2016, onde é quase certo que um défice de 3,0% do PIB, como previsto pelo PS, não será aceite pelos parceiros europeus, não só porque esse valor já deveria ter sido alcançado este ano, como corresponderia ao segundo ano consecutivo em que não haveria qualquer esforço de consolidação em termos do défice estrutural (corrigido do ciclo económico). Deve-se recordar que Portugal ainda não atingiu a meta de 0,5% de défice estrutural como previsto no Tratado Orçamental, cuja leitura “inteligente” o PS tanto tem pedido, mas é praticamente impossível que António Costa consiga o que Tsipras não obteve, até porque o nosso país está muito longe da crise humanitária que afecta a Grécia.

Ou seja, admitindo que o PS ganha as eleições, o seu programa deverá ser chumbado em Bruxelas logo nos primeiros meses, pelo que muitas das previsões ficarão logo desactualizadas.

PS. Assinalou-se ontem exactamente 600 anos da tomada de Ceuta, início simbólico dos Descobrimentos, a maior contribuição portuguesa para a história e civilização mundiais. Para além de alguns eventos locais, não há comemorações oficiais nem nenhum dos partidos políticos se referiu ao tema. Não sei se isto é fruto de uma ignorância indesculpável ou do politicamente correcto, mas esta lacuna é profundamente lamentável. O mais irónico é que, se não tivesse havido os Descobrimentos, também não haveria António Costa.


[Publicado no jornal “i”]

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Prognósticos

As eleições legislativas podem produzir um parlamento paralisado

As últimas sondagens apontam para um empate técnico entre as duas principais forças políticas e os últimos desenvolvimentos não ajudam a esclarecer este impasse. Em termos económicos, quer o desemprego quer o PIB revelaram recentemente dados positivos, o que favorece o governo, que fica com mais legitimidade em defender o caminho escolhido, pelo facto de este estar a produzir alguns resultados.

Entretanto, o PS conseguiu envolver-se numa telenovela que parecia interminável em relação aos cartazes de campanha (em que a coligação também conseguiu mostrar as suas falhas), revelando um amadorismo estranhíssimo naquele que é o segundo partido português mais antigo, a seguir ao PCP.

Isto reforça a suspeita de que os principais partidos portugueses não constituem verdadeiras instituições, mas são antes um amontoado de pessoas. Parece não existir uma estrutura fixa, com um mínimo de qualidade, que vá acumulando competências com a experiência do passado. O que parece existir é pessoas que vão sendo sucessivamente chamadas, mudando tudo com uma nova liderança. Aliás, dada a animosidade que tipicamente rodeia as lutas pela liderança e a ausência de um quadro de técnicos superiores fixo, o mais natural é que todos os que estavam com o líder derrotado sejam afastados.

Lembro-me de Luís Filipe Menezes, ao ganhar a liderança do PSD, em 2007, se ter queixado, com inteira razão, que o partido não tinha nada, a não ser secretárias e motoristas. Temo que até hoje nada disto tenha mudado.

Esta falta de uma estrutura interna nos partidos é claramente um dos responsáveis pela falta de qualidade do debate político, a que acresce a crescente partidarização e desqualificação da administração pública. Há um conjunto extremamente relevante de competências, jurídicas e técnicas, que foram entretanto privatizadas, o que significa que os governos têm cada vez menos acesso a aconselhamento de qualidade e imparcial. 

Como é evidente, é absurdo sugerir que se legisle para corrigir o problema de falta de estrutura dos partidos, já que teriam que ser estes a aplicar esta mesma legislação.

Voltando à campanha eleitoral, é chocante como ela tem sido ocupada por “casos”, havendo um silêncio ensurdecedor sobre os principais problemas nacionais, tais como o baixo potencial de crescimento, a insustentabilidade do actual Estado social, o desemprego, entre outros.

Passando aos resultados eleitorais, gostaria de fazer algumas simulações, mantendo fixos os números de deputados para os menores partidos. Assim, a CDU manteria os 16 deputados, próximo da sua média desde 1991. O BE perderia mais dois deputados, ficando com seis, enquanto o Livre e o partido de Marinho Pinto teriam, no seu conjunto, apenas quatro deputados. Sobrariam, assim, 204 lugares.

Se o PS tivesse 103 ou mais deputados, teria ganho as eleições, devendo ser chamado a formar governo. No entanto, se tivesse 101 deputados, poder-se-ia colocar uma situação bicuda. O PSD/CDS poderia alegar que, com 103 deputados, seria o vencedor. Mas o PS poderia contestar isso, por ter o maior grupo parlamentar, e poderia mesmo conseguir uma coligação com os novos partidos, o que perfaria 105 deputados. Já se o PS tivesse 100 ou menos deputados (considerando as hipóteses desta simulação) teria perdido as eleições, embora pudesse continuar a contestar isso.

Como vimos, e as sondagens reforçam essa ideia, podemos ter uma AR particularmente confusa – e paralisada – nos próximos tempos. O Presidente da República deverá ficar numa posição muito delicada, podendo pedir um bloco central, mas que poderá ser recusada, sobretudo pelo PS, que, liderado por António Costa, parece muito mais intransigente do que com Seguro.

Na verdade, aqueles que defendem um governo com maioria absoluta no parlamento estão a iludir-se. Com um parlamento assim, o próximo executivo será estruturalmente instável, quer tenha ou não apoio maioritário. Resta saber se o próximo Presidente da República irá ajudar à festa da confusão ou ser um elemento estabilizador.


[Publicado no jornal “i”]

Pensões

A reforma dos sistemas de pensões é o elefante no meio da sala da política portuguesa. As nossas pensões enfermam de quatro problemas, os três primeiros dos quais são estruturais: 1) “generosidade”; 2) demografia; 3) potencial de crescimento da economia; 4) conjuntura.

A questão da generosidade prende-se com o facto de, na maioria dos casos e com a excepção das pensões não contributivas, a média dos montantes totais pagos aos pensionistas exceder em muito a média das suas contribuições e as da entidade patronal. Como é evidente, esta disparidade deve ser eliminada, mesmo para as pensões já em pagamento.

A demografia revela-se de forma terrível no rácio entre trabalhadores e pensionistas, que já desceu para 1,2, um valor tão baixo que deverá impedir que, a prazo, os novos pensionistas possam receber o equivalente a 100% daquilo que contribuíram. Inverter a tendência de inverno demográfico é algo que muitos países europeus já conseguiram, com algum sucesso, mas em Portugal as medidas até agora propostas não passam de irrelevâncias votadas ao fracasso.

Há quinze anos que o nosso potencial de crescimento é baixo, o que nos tem impedido de convergir com a UE desde então. Infelizmente, este também tem sido um problema varrido para debaixo do tapete, de tal modo que medidas estruturais para o corrigir têm que ser impostas do exterior e são pouco e mal adoptadas, no meio de muito rosnar.

Quanto à conjuntura, tem afectado as receitas da Segurança Social através do desemprego e agravado a demografia pelo efeito da emigração. No meio disto tudo, a conjuntura é o menor dos problemas, que o tempo e o evitar asneiras deverá corrigir.

O que o PS propõe é não tocar nas pensões já atribuídas, ou seja não corrigir os graves problemas de pensões claramente acima das carreiras contributivas. Para além disso, pretende aumentar as fontes de financiamento, ou seja ir subindo sucessivamente impostos e contribuições para não reformar a segurança social, como se isso fosse um caminho com algum futuro para além do curto prazo.

O PSD/CDS propõem, para as gerações mais novas, criar um limite superior para as contribuições, o que também limitaria as pensões futuras. Esta medida é claramente extemporânea. Em primeiríssimo lugar, não faz qualquer sentido criar um buraco ainda maior do que aquele que a Segurança Social já tem, sem antes se fazerem reformas que garantem – de facto – a sustentabilidade desta. Mas há outra razão, bastante relevante, para adiar por alguns anos, uma tal medida, que corresponde à criação de um sistema de capitalização e previsível privatização da sua gestão. É que a crise financeira, iniciada em 2007 nos EUA e alastrada ao resto do mundo, revelou um sistema com muitas fragilidades e cuja reforma ainda não foi concluída. Enquanto o sector não for completamente saneado e a nova supervisão devidamente testada parece-me prematura uma tal medida.


 [Publicado no Diário Económico]

sábado, 8 de agosto de 2015

Avisos à navegação

O FMI avisa que o governo ficou aquém da troika e que o próximo governo não deve reverter as reformas alcançadas

O FMI acaba de publicar a sua última avaliação sobre Portugal antes das eleições legislativas, num tom razoavelmente crítico.

Em termos de crescimento económico, há algum optimismo sobre o curto prazo, auxiliado pelos preços baixos das matérias-primas (leia-se petróleo), baixas taxas de juro e depreciação do euro, beneficiando também da ausência de contágio das perturbações na Grécia. No entanto, o FMI estima que aqueles efeitos se desvaneçam nos próximos anos.

Não é possível identificar até que ponto esta instituição teme que a situação grega venha a afectar o crescimento em Portugal, mas deve-se salientar que ela está mais pessimista não só do que o governo português, mas também do que o Banco de Portugal e do que a Comissão Europeia. Em particular, no caso do desemprego, o FMI estima que ele apenas caia para 12,5% em 2017, quando neste momento já desceu para 11,9%.

Em todo o caso, deve salientar-se que tanto o FMI como a Comissão Europeia insistem na necessidade de efectuar mais reformas amigas do crescimento e do emprego, para que Portugal possa retomar a convergência com a UE, que ainda não é evidente.

Acrescento eu que é extraordinário que o facto de o nosso país estar em divergência com a UE há década e meia, apesar dos montantes tão absurdamente elevados quanto mal gastos de fundos destinados a auxiliar a convergência, ainda não provocou nenhum sobressalto nacional. É chocante como a conversa parece manter-se ao nível de mais ou menos austeridade, ou seja mais ou menos despesa pública, quando o nosso problema de crescimento anémico é anterior à troika em uma década.

Esta falta de consciência da necessidade de reformas profundas é transversal a todos os partidos políticos (veja-se como a coligação arrastou os pés em relação à reforma do Estado), aos sindicatos e às associações patronais, bem como às universidades e à população em geral. Parece que todos desejam que passe este “mau momento” da troika, ainda hoje demonizada, para voltarmos ao passado, esquecendo por completo que o “modelo” de desenvolvimento da década anterior era de um endividamento galopante que produziu um crescimento que não podia ser mais raquítico. Mesmo que tivesse trazido uma expansão económica significativa, não o poderíamos repetir porque se baseava num endividamento insustentável.

É chocante como ainda hoje não existe uma única instituição no país, mesmo que minoritária, que assuma a necessidade de reformas profundas, que nos permitam voltar a convergir de forma clara com a UE. Sem uma voz nacional clara e convincente, todas as reformas propostas pela troika, pela OCDE ou por qualquer outra instituição externa, começarão a ser sabotadas pelos próprios governos, sendo posteriormente torpedeadas por sindicatos e todo o tipo de corporações. Deve acrescentar-se que na previsível mudança de ciclo político que se avizinha, o ímpeto reformista deve esmorecer duplamente, ainda que o actual governo esteja muito longe de se poder considerar um exemplo. Por um lado, porque a troika já não tem tanto poder de pressão como quando podia ameaçar com o adiamento do cheque; por outro, porque o PS é o partido dos interesses instalados, sobretudo no sector público.

Voltando ao FMI, as preocupações em torno da Grécia levam a recomendar a manutenção de liquidez elevada, ou seja manter os “cofres cheios”, na expressão equívoca da ministra.

Em termos de contas públicas, estima-se que haja um adiamento por mais um ano da situação de défices excessivos e há críticas sobre a falta de detalhe com que o actual governo tenciona cumprir as exigentes metas orçamentais dos próximos anos. Por isso, as promessas quer do actual executivo quer do PS devem ser encaradas com o maior dos cepticismos, porque nem a economia nem as contas públicas deverão permitir grandes voos.


[Publicado no jornal “i”]