quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Culpado

As declarações de Ricardo Salgado na Comissão Parlamentar de Inquérito são uma tentativa – bastante ridícula – de fugir a assumir responsabilidades, que não são senão suas.

Ao longo dos anos, o que Ricardo Salgado fez inclui-se, geralmente, em dois tipos: erros e aldrabices.

Construir um grupo sem qualidades de monta, como o GES, excessivamente endividado, foi um erro. Não ter vendido activos para reduzir o endividamento, quando a crise de 2007-2008 chegou, foi outro erro. Ter escondido parte das dívidas do GES foi uma aldrabice, que nenhum contabilista faria por sua alta recreação.

Ter permitido que o BESA tivesse o dobro de empréstimos do que tinha em depósitos foi um erro estratégico de proporções bíblicas. Ter financiado este buraco gigantesco com fundos do BES foi já do domínio da pura loucura. Qual é a lógica de um país exportador de petróleo e de capitais, como Angola, importar capitais? Qual é a lógica – por amor de Deus! – de um dos países mais endividados do mundo (importador de capitais), Portugal, exportar capitais?

Não ter pedido ajuda ao Estado, quando todos os outros bancos o fizeram, foi um erro, destinado a esconder a desonestidade da contabilidade.

Ter pressionado Granadeiro (alguém imagina o contrário?) a comprar dívida da Rioforte, foi simultaneamente um erro (ia desvalorizar a PT, um activo importante do BES) e um acto sem lisura.

Ter feito triangulações de operações duvidosas com sucursais estrangeiras, hoje sob investigação ou já falidas, nem necessita de qualificação.

Ter colocado doses maciças de dívida de empresas falidas do GES junto de clientes do BES como é que deverá ser avaliado?

Já na recta final, desobedecer às ordens expressas pelo Banco de Portugal, foi o quê?

O GES e o BES foram escandalosamente mal geridos, com muita incompetência e desonestidade. Dizer que o seu desmantelamento é uma perda para o país é uma piada de mau gosto.

Com tudo o que se sabe hoje, é evidente e difícil de explicar o atraso na intervenção do Banco de Portugal. Mas esta intervenção nunca teria sido necessária se não fosse a gigantesca galeria de horrores que se acumulou no BES.

Há quem defenda que havia alternativas ao mecanismo de resolução adoptado, mas esta opção, com as deficiências que se foram detectando, foi também ela fruto das circunstâncias.

Ricardo Salgado deixou o BES em tão mau estado e, pior ainda, num estado tão nebuloso, que era impossível conseguir, rapidamente, qualquer investidor disponível para entrar num buraco negro. Houve tão pouco tempo para preparar uma solução, que era praticamente impossível que ela não apresentasse falhas.

Como nota final, é de lamentar a coincidência entre Ricardo Salgado, José Sócrates e António Costa, a tentarem desresponsabilizar-se. Mas quem é que quer “líderes” destes?

[Publicado no Diário Económico]

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