quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Educação e consumismo

O consumismo é uma das maiores ameaças de longo prazo ao nosso planeta, que vamos deixar aos nossos filhos.

Apesar dos ajustamentos realizados durante o programa da troika, Portugal continua a exibir um nível de consumo excessivo (em percentagem do PIB), muito acima da média da zona do euro. Se mantivermos o actual nível de consumo, quando o investimento começar a recuperar, como precisamos desesperadamente que aconteça (o actual nível de investimento é insuficiente para repor o stock de capital), voltaremos aos défices externos. Isto seria colocar em causa um dos maiores sucessos do nosso ajustamento e a principal razão porque fomos forçados a pedir ajuda à troika.

Assim, precisamos de consumir menos e poupar mais, para podermos financiar, sem problemas, o investimento de que precisamos para voltar a crescer, o desígnio unânime de todos os partidos políticos.

Olhando a mais longo prazo, é evidente que o consumismo, sobretudo de bens materiais, está a fazer uma pressão terrível sobre o planeta e já estamos numa trajectória insustentável.

Em resumo, há razões de longo e de curto prazo que recomendam – fortemente – que reduzamos o nosso consumo e aumentemos a poupança.

Por tudo isto, precisamos de conduzir campanhas anti-consumismo nas nossas escolas. É escandaloso que, sendo as crianças e os jovens as maiores vítimas potenciais do nosso actual e futuro consumismo, elas sejam estimuladas a participar naquilo que tem mais condições de deteriorar o mundo que vão herdar.

Com a ajuda dos professores de ciências da natureza e ambiente, é urgente instalar nas escolas um ambiente anti-consumismo. Em geral, sou contra obrigações e proibições, preferindo incentivos e desincentivos, que respeitam mais a liberdade, sem (em geral) grandes estragos na eficácia das políticas. Mas, neste caso, em que o que está em causa é a própria sobrevivência do homem no planeta, defendo – excepcionalmente – que sejam introduzidas proibições e obrigações.

Deve passar a ser proibido levar para os estabelecimentos de ensino o último e mais caro modelo de telemóvel e outros gadgets. No caso da roupa sou mais flexível: em vez de proibição, sugiro o pagamento de uma taxa de luxo sobre a roupa de marca mais cara. Deve-se promover a reciclagem de todo o material escolar, como se passa no Norte da Europa. É absurdo que, sendo nós mais pobres, façamos vida de ricos.

Na verdade, o consumismo português tem raízes históricas muito antigas. Já no século XVI Gil Vicente expunha o caso típico do nobre que passava fome, para poder exibir roupas vistosas. No século XVII, foram introduzidas várias leis contra o luxo (as “pragmáticas”), sem grande sucesso. No século XVIII, aquilo que hoje designamos por redistribuição do rendimento era feito ao contrário do que é actualmente: eram as mais importantes famílias nobres, que recebiam as maiores transferências do Estado. Mesmo assim, para prover à “decente sustentação” dos Grandes, quase todas elas tinham as suas finanças em muito mau estado.

Para além de tudo isto, o consumismo português tem uma agravante: a baixa auto-estima nacional gera uma terrível atracção pelos bens importados, de países que encaramos como “melhores” do que nós.

Parece-me útil salientar que esta baixa auto-estima, que começa como uma predisposição subjectiva, acaba por ter consequências objectivas, que reforçam aquela. A nossa baixa auto-estima desencadeia – com demasiada facilidade – mecanismos de auto-sabotagem, que nos conduz a ficarmos aquém do nosso potencial. Ao produzirmos algo que é objectivamente fraco, reforçamos a baixa auto-estima, que aumenta a auto-sabotagem, que produz baixa qualidade, num ciclo interminável.

Para terminar, gostaria de chamar à atenção para uma questão, que pode ser olhada como uma forma encapotada de proteccionismo, mas que coloco no plano ambiental. Prende-se com a pegada ecológica do transporte dos produtos. Da forma mais bem-intencionada, comprei recentemente feijão biológico. Só depois reparei que tinha origem na China e tinha sido embalado na Alemanha. Provavelmente, passou ao largo na costa portuguesa, para depois voltar de camião TIR da Alemanha, um absurdo.


[Publicado no jornal “i”]

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