quarta-feira, 30 de julho de 2014

Querer ser enganado (1)

António Costa faz um diagnóstico errado da origem dos problemas do país e daí só podem decorrer terapias erradas

António Costa, no seu manifesto eleitoral, “uma agenda para uma década”, começa por afirmar: “A criação do euro, o alargamento da União Europeia a leste, a entrada da China nos mecanismos internacionais do Comércio Livre constituíram, no início deste século, um triplo choque, brutal para as debilidades estruturais da economia portuguesa.”

Esta é uma tentativa de desresponsabilizar os governos portugueses, pelos graves erros cometidos. Antes do mais, convém esclarecer que um choque externo nunca é apenas um choque externo. Há sempre um conjunto de políticas públicas que o precedem, que podem tornar o país mais robusto ou mais frágil no momento do choque e há as políticas de resposta ao choque, que o podem minimizar ou maximizar.

Comecemos por precisar as datas daqueles choques, para se perceber quão forçada é a sua alegação. O euro iniciou-se em 1999, o alargamento a Leste ocorreu em 2004 e a China registava crescimento de dois dígitos das exportações desde o início dos anos 90.

Para além disso, convém salientar que estes três choques foram anunciados com uma enorme antecedência. A criação do euro foi estabelecida no Tratado de Maastricht, em 1992; o alargamento da UE ao Leste europeu foi o culminar de um processo, iniciado com a queda do muro de Berlim em 1989; a adesão da China à globalização começou com as reformas conduzidas por Deng Xiaoping, desde 1978.

É mais do que evidente que nenhum governo português pode alegar que, de repente, no ano 2000, o país foi confrontado com mudanças inesperadas, para as quais era impossível estar preparado.

Em 1991, o governo negociou o investimento da Auto-Europa, que iniciou a produção em 1995. Este foi o último (!) grande investimento em Portugal, constituindo uma resposta evidente e correcta aos desafios que a liberalização das economias do Leste europeu estava a colocar a Portugal. O que fizeram os governos seguintes, para fazer face ao dificílimo desafio da globalização, para o qual Portugal estava numa posição especialmente frágil? Resolveram ignorar o problema e espatifar o dinheiro dos contribuintes e dos credores externos em auto-estradas sem tráfego, em estádios de futebol e em rotundas (no caso das autarquias), “investimentos” que jamais poderiam melhorar a nossa competitividade.

Mas fizeram ainda pior: conseguiram transformar a criação do euro, que poderia ter sido boa para Portugal, numa calamidade. Sem perceber a lógica dos critérios de Maastricht sobre as contas públicas, resolveram aldrabá-los, recorrendo às PPP rodoviárias, duplicando os custos em juros e gerando um sobre-aquecimento da economia, quando a drástica descida das taxas de juro, associada à adesão ao euro, já estava a criar com um excesso de procura. Todos estes erros traduziram-se em défices externos mirabolantes e numa grave perda de competitividade. Em vez de minimizarem os riscos da globalização, maximizaram-nos!

O sector exportador, onde tipicamente se registam os mais elevados crescimentos de produtividade, foi esmagado e isso conduziu a uma perda do nosso potencial de crescimento, que já dura há 15 anos, e que constitui uma das maiores ameaças ao Estado social, à prosperidade e ao emprego.

Não foram os choques externos, comuns a tantos outros países, em especial no caso da globalização, que destruíram o nosso potencial de crescimento, mas antes as políticas públicas completamente erradas, com particular destaque para a dupla Guterres/Sousa-Franco.

António Costa também defende a ideia absurda de que as finanças públicas são um problema de “curto prazo”, esquecendo o “óbvio ululante”, de que nos defrontamos com problemas nesta área desde 2001 e deveremos ter ainda duas décadas difíceis pela frente. As contas daquele ano conseguiram duas “proezas”: Portugal foi o primeiro país do euro a apresentar um “défice excessivo” e o primeiro Estado a enganar – descaradamente – os seus parceiros comunitários. Espantosamente, o ministro das Finanças que presidiu a este descalabro das contas públicas, Oliveira Martins, foi nomeado presidente do Tribunal de Contas. (Continua).


[Publicado no jornal “i”]

1 comentário:

Anónimo disse...

Não se preocupe Dr Braz Teixeira por o Costa quando tiver à vista o pote do mel amaciará e ganhará lucidez e realismo...