quarta-feira, 9 de julho de 2014

Falidos

O Banco de Portugal deve deixar-se de pruridos legalistas e exigir o máximo de informação sobre todo o GES

Vou começar por tentar descrever o Grupo Espírito Santo (GES), de forma incompleta e possivelmente incorrecta, dadas as lacunas de informação pública, inclusive nos sites do grupo, onde está desactualizada.
A empresa no topo do grupo é a Espírito Santo Control, que detém 56,5% da Espírito Santo International (ESI), única dona da Rioforte, que controla totalmente a ES Irmãos SGPS S.A, que possui 49,4% da Espírito Santo Financial Group (ESFG), que detém 100,0% da ESF (Portugal), que, finalmente, é proprietária de 25,1% do BES. Por isto, e se estes números estiverem correctos, o GES apenas possui 7% do BES.

Segundo as notícias que têm vindo a público, a ESI está insolvente, ou seja, tem mais dívidas do que activos. Para além disso, todo o grupo está com graves problemas de liquidez, por ter passado a estar impedido de recorrer ao BES.

Colocam-se três soluções ao ESI. A primeira seria a família recorrer aos activos que detém fora destas holdings para aumentar o capital desta empresa e eliminar a situação de insolvência. Presumo que uns ramos familiares não terão fundos suficientes e os que os têm poderão não estar interessados no negócio.

A segunda solução seria a liquidação da ESI, que se traduziria no desaparecimento puro e simples do GES.

A terceira solução parece estar em curso e passa pela restruturação da dívida, transformando parte desta para acções. Parece evidente, embora as notícias nada digam sobre isto, que, antes da restruturação, os actuais accionistas devam assumir fortes perdas. Se o GES assumir perdas de 99% no capital da ESI ficaria sem qualquer poder sobre todo o resto do grupo. Restar-lhe-ia comprar novas acções aos credores, com os tais fundos fora das holdings, para recuperar algum poder. Se a ESI fosse colocada em bolsa isso, pelo menos, daria liquidez aos novos accionistas. Também parece que seria vantajoso cotar a Rioforte em Lisboa.

Devido ao desconhecimento dos números concretos e mil outras variáveis é difícil prever o desfecho final, mas há fortes indícios de que o GES venha a perder o BES.

Ao longo dos próximos tempos o nome “Espírito Santo”, presente em inúmeras holdings, vai aparecer associado a palavras como “atrasou-se no pagamento”, “não pagou”, “restruturação de dívida”, “falido”. Como é possível imaginar que isso não vai provocar graves problemas reputacionais e de negócio ao BES? Bem se pode dizer que o BES está imune aos problemas do GES, que isso não convencerá nem o homem da rua nem os investidores internacionais.

O Banco de Portugal deve deixar-se de pruridos legalistas e exigir o máximo de informação sobre todo o GES. Os contribuintes portugueses já suportaram perdas elevadíssimas, de milhares de milhões de euros, para suportar o risco sistémico da banca. É certo que a nacionalização do BPN foi errada, deveria ter incluído a SLN, que a gestão posterior foi grotesca (com administradores que não se percebe como foram aprovados pelo Banco de Portugal), mas parte do custo pago pelos contribuintes foi para preservar todos os outros bancos.

Se os contribuintes têm que pagar uma factura tão pesada pelo risco sistémico da banca, então a contrapartida mínima que se tem que exigir aos bancos é a prestação do máximo de informação aos reguladores. O Banco de Portugal deve ter a leitura mais lata possível da legislação em vigor para ir o mais longe possível na investigação de todo o GES. Parece evidente que se impõe conhecer toda a informação relativa a todas as holdings do grupo até à Espírito Santo Control, todas elas empresas com risco de contaminação da reputação do BES.

Para além de que chegámos a este ponto não apenas devido ao azar da crise internacional, mas também a doses significativas de falta de competência e ilegalidades, para não lhe chamar nomes piores. Quem fez o que fez só pode estar sob a máxima vigilância. Seria absolutamente imperdoável a repetição de erros de supervisão, como os que ocorreram no passado recente.

Finalmente, será necessário acompanhar todo o previsível desmantelamento do GES, que deverá ter como desfecho a venda da participação no BES, cujo comprador deverá ter a sua idoneidade cabalmente demonstrada.


[Publicado no jornal “i”]

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