quarta-feira, 18 de junho de 2014

Compreender o (não) crescimento

Ao contrário da generalidade dos países europeus, a austeridade não é o principal problema para o crescimento em Portugal e Itália

Agora que se iniciou a corrida para a liderança do PS e, possivelmente, para a escolha do próximo primeiro-ministro, era conveniente que os temas essenciais do país fossem tornados conscientes e discutidos.

Um desses temas incontornáveis é o par crescimento/globalização, intimamente interligados. Ao contrário da generalidade dos países europeus, e ao contrário da crença generalizada, a austeridade não é o principal problema para o crescimento em Portugal e Itália. No nosso caso, estamos com um problema de crescimento económico desde há 15 anos e no caso italiano há mais de 20 anos, muito anteriores à austeridade.

Em 1989, com a queda do muro de Berlim, deu-se a abertura do Leste Europeu, a forma de globalização que mais nos tocava. Estes países estão muito mais próximos do centro europeu, tinham trabalhadores com formação muito superior à portuguesa e salários ainda mais baixos do que os nossos. Competir com eles ia ser sempre difícil.

Nos primeiros anos, estes países tiveram que criar novas instituições para passarem a viver em economia de mercado e que alterar a sua estrutura produtiva, não sendo inicialmente muito atraentes. Neste período, Portugal respondeu bem ao desafio colocado pela abertura a Leste, tendo negociado a instalação da Auto-Europa em 1991, o último (!) grande investimento de raiz que conseguimos atrair, que começou a produzir em 1995.

Este ano de 1995 apresenta um conjunto assinalável de coincidências. Foi o último ano de um período de virtual equilíbrio externo, iniciado em 1985, para além de ter marcado uma mudança de ciclo político. Finalmente, e muito curiosamente, é o primeiro ano para o qual o FMI fornece dados que nos permitem comparar o nosso rendimento por habitante com o dos oito países do Leste que viriam a entrar na UE em 2004. Em 1995, todos estes países eram mais pobres do que nós.

Entretanto, eles foram progredindo e Portugal foi ficando para trás. Em 2002, a Eslovénia foi o primeiro a ultrapassar-nos, seguindo-se mais cinco até agora. De acordo com as previsões do FMI, em 2019, a Polónia também nos deverá passar à frente, sobrando apenas a Letónia e a Hungria como mais pobres do que nós, mas em condições de nos ultrapassarem pouco tempo depois.

Entretanto, em 1995, a China, o maior gigante da globalização, tinha um rendimento por habitante que era 11% do português, mas em 2013 já atingia os 43% e em 2019 deverá subir para 57% do nosso rendimento. Quem diz que “não podemos competir com a China” tem cada vez menos razão, porque é cada vez mais isso que seremos forçados a fazer.

Gostava ainda de acrescentar que o envelhecimento da população obrigaria sempre a uma reforma (leia-se “cortes”) do Estado social. Se juntarmos a isso uma economia estagnada, seremos forçados a cortar ainda mais no Estado social.

Por tudo isto, julgo que não é preciso insistir na necessidade de reformas profundas que nos permitam voltar a crescer e a lidar com sucesso com a globalização, muito para além de uma eventual reprogramação da austeridade.

Esta mensagem está com muita dificuldade em passar: não é o fim da austeridade (que nem poderá chegar tão cedo) que vai trazer crescimento significativo a Portugal. É preciso muito mais do que isso, mas enquanto esta mensagem não for assumida, vai ser muito difícil contrariar todos os interesses instalados que não querem mudar. Em particular, ainda não ouvi nenhum economista da área do PS a reconhecer isto publicamente. Mas é preciso ir muito para além disto, é preciso os parceiros sociais reconhecerem isto, é preciso os portugueses perceberem isto.

Propor a medida A ou B é inútil, enquanto o verdadeiro objectivo dessas medidas não for colectivamente assumido.

Peço desculpa por me estar a repetir em relação a artigos anteriores, mas é porque este assunto – crucial – ainda não foi interiorizado.


[Publicado no jornal “i”]

1 comentário:

Dudu disse...

O último grande investimento foi em 1991 a Auto-Europa. Parece que a Alemanha decidiu virar-se para a Europa de Leste. O Televisor que comprei há alguns anos atrás foi fabricado na Eslovénia. Parece que temos de virar-nos para outro lado. Já alguém apresentou o outro lado do Atlântico, aproveitando a proposta de Obama.