quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Segundo resgate?

O debate que faz mais sentido é entre programa cautelar e segundo resgate e defendo a segunda opção

Está naturalmente em curso um debate sobre o que se seguirá ao primeiro programa de assistência da troika. Neste momento, parece que o debate se centra entre os que defendem (ou exigem) uma saída “sem rede”, que designam por “limpa” e os que se assumem como mais cautelosos e defendem a negociação de um programa cautelar. Há ainda os que acham que não chegou sequer o tempo de escolher, porque há muita incerteza no ar sobre a forma do próprio programa cautelar, que seria o primeiro na zona do euro.

Considero que o que faz mais sentido é discutir se devemos negociar um segundo resgate ou um programa cautelar, devido a tudo o que sabemos até aqui, que é muito.

Quem invoca – legitimamente – a incerteza associada a um instrumento inédito está a laborar num equívoco lógico: o de pensar que não saber tudo é equivalente a não saber nada.

Ora, há uma série de factos que são conhecidos e que não sofrerão alteração nos próximos três meses.
Em primeiro lugar, a nossa dívida pública é de quase 130% do PIB e a nossa dívida externa é de mais de 110% do PIB. Ou seja, a esmagadora maioria da nossa dívida pública está directa ou indirectamente a ser financiada por investidores estrangeiros. É certo que parte dela está nas mãos da banca nacional, mas a nossa banca, por seu lado, está também ela altamente dependente de financiamento externo.

Esta elevadíssima dependência do financiamento externo é uma condição singular de Portugal, só tendo paralelo na Grécia. O Japão tem uma dívida pública de quase 230% do PIB, mas toda ela nas mãos dos japoneses, o que permite ao Estado nipónico financiar-se a taxas de juro baixíssimas. A Itália e a Irlanda, apesar de terem dívidas públicas elevadas também estão pouco dependentes do financiamento externo.

Um segundo aspecto do que sabemos diz respeito à sustentabilidade da dívida. Neste capítulo usemos o nível de dívida já referido. O segundo elemento para avaliar se a nossa dívida é pagável é a taxa de crescimento potencial que, na mais generosa das hipóteses, andará em cerca de 1% ao ano. Haverá alguns líricos que acreditarão que as reformas forçadas pela troika terão aumentado esse potencial, mas julgo que nem o Madoff conseguiria convencer os investidores a comprar dívida portuguesa baseados nessa fantasia.

Em relação à taxa de juro a que nos podemos financiar, julgo que nem o Pai Natal nos emprestará a um juro inferior a 4% e, por outro lado, se formos obrigados a pagar mais de 5%, mais vale esquecer ir sozinho ao mercado. Supondo ainda, de forma generosa, que os preços subirão em média 2% ao ano, podemos calcular o saldo primário necessário para que a nossa dívida pública não entre numa trajectória explosiva.

Se conseguirmos um financiamento a 4%, precisamos de um saldo primário positivo em 1,3% do PIB, mas se tivermos que pagar taxas de juro de 5%, precisaremos de um saldo primário superior, de 2,6% do PIB.
Aqui chegados, convém avisar que temos tido sempre saldos primários negativos, uma das razões porque a dívida pública não tem parado de subir. Para 2014, se o governo conseguir a proeza de descer o défice para 4% do PIB, lá conseguiremos o primeiro saldo primário positivo, mas de apenas 0,3% do PIB. Com muita sorte e se conseguíssemos taxas de juro de apenas 4%, talvez conseguíssemos suster o crescimento da dívida no final de 2015.

Ou seja, é preciso esperar mais de ano e meio depois da saída da troika, muito bom comportamento e muita sorte para podermos acreditar numa dívida sustentável. Haverá investidores – em quantidade suficiente – para arriscar em tão incerto e longínquo resultado?

Isto leva-nos ao terceiro facto: o rating da República. Continuando com uma notação de “lixo”, continuamos de quarentena face a um conjunto muito importante de investidores, que permanecem proibidos de comprar dívida do Estado português. Tirem o cavalinho da chuva os que imaginam que acabar o primeiro programa com a troika vai fazer subir imenso o rating, porque nós vamos acabá-lo com a dívida ainda insustentável.

Por tudo isto, acho que o debate que faz mais sentido é entre programa cautelar e segundo resgate e eu defendo a segunda opção.


[Publicado no jornal “i”]

1 comentário:

Anónimo disse...

Foi com bastante prazer que li este texto, pois prova que é possível, em 2014, ser-se simpatizante de um partido (ainda por cima do Governo) e ainda assim pensar a realidade com sobriedade.