quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Austeridade até 2016

Ninguém deve acreditar nas promessas do PS de reverter a austeridade quando regressar ao poder

A última avaliação da troika deveria trazer uma muito necessária sobriedade ao debate político em Portugal. Prevê-se que o défice público caia de forma substancial ainda em 2015 e 2016, devendo as diminuições posteriores ser sobretudo fruto da recuperação económica.

Pode-se dizer que o programa com a troika deverá ser concluído aquém do que tinha sido inicialmente negociado Não só se avançou de forma insuficiente na consolidação orçamental, como se progrediu de forma limitada nas reformas estruturais, que tinham como objectivo a recuperação do potencial de crescimento e da competitividade.

Para quem tem estado atento, estes documentos não surgem como surpresa, mas para quem seguiu o assunto pelos comentários políticos e pela comunicação social parece tratar-se de um enorme balde de água fria.

No entanto, Alberto Martins, líder parlamentar do PS, veio avisar: "Não contem connosco para mais austeridade". Talvez nos queiram elucidar como será possível reduzir o défice público para 2,0% do PIB em 2016 sem mais austeridade. Já iniciaram contactos com o Pai Natal?

António José Seguro também veio dizer que uma saída “à irlandesa” só poderia ocorrer com juros à irlandesa, no que tem bastante razão, mas não toda. Na verdade, a taxa de juro que torna a dívida portuguesa tão sustentável como a irlandesa é claramente àquela que produz idêntico resultado na Irlanda, pela simples razão que este país tem um potencial de crescimento muito superior ao nosso. A dívida portuguesa precisa de juros mas baixos do que a irlandesa, embora seja precisamente o oposto o que se passa actualmente.

Para ter inteira razão, Seguro deveria dizer que uma saída à irlandesa teria que ser com juros inferiores aos irlandeses, mas também é verdade que este tipo de argumentação tem um nível de complexidade não excessivamente elevado em si mesmo, mas a anos-luz daquele que se passa no debate político.

Onde a argumentação de Seguro começa a apresentar sérios problemas é na incoerência em, por um lado, pedir juros mais baixos e, por outro, não entrar em acordo com o governo.

Uma das mais óbvias (mas não a única) razões por que Portugal não consegue ter juros “à irlandesa” prende-se com a falta de consenso político sobre o programa da troika.

Quando o PS garante que vai reverter os cortes decididos pelo governo, previstos no memorando com a troika, está a lançar as maiores suspeitas sobre os magros resultados orçamentais conseguidos até agora, criando fundados receios junto dos investidores internacionais de que comprar dívida pública portuguesa seja algo excessivamente arriscado.

Em resumo, Seguro tem razão quando diz que o executivo não deve tentar prosseguir sem um programa cautelar, se não conseguir baixar os juros suficientemente. Mas, para que isto não se torne num exercício de puro cinismo político, o PS precisa de ajudar o país (é o país que está em causa, não o governo) a conseguir pagar menos pela gigantesca dívida, muita da qual da responsabilidade de executivos do partido socialista.
Para os demagogos de meia-tijela que queiram imputar a subida da dívida após as eleições de 2011 ao novo governo, convém recordar que muita desta posterior subida da dívida prende-se com a imposição da troika de tornar explícita muita dívida escondida, quer a dívida a fornecedores, quer em manigâncias de carpintaria financeira.

Toda esta demagogia sugere que os partidos ao arco do poder parecem estar convencidos de que o rotativismo que tem marcado a 3ª República pode continuar sem beliscadura, não parecendo ter consciência da fragilidade do regime.

Provavelmente, a estocada final do regime virá aquando da próxima dança de cadeiras. Quando o PS voltar ao poder e for obrigado a manter, ou até a intensificar, o essencial dos cortes em vigor, a nudez do regime será finalmente desvendada e o seu colapso poderá ocorrer pouco depois.


[Publicado no jornal “i”]

1 comentário:

Nevaco disse...

Quanta amargura homem! Já começa a parecer o Medina Carreira. Nada contra o nosso ex-ministro, bem pelo contrário uma vez que este nos tem alertado para muitos dos problemas que hoje vivemos há anos.

Mas, por mais que concorde com a sua linha de pensamento, não consigo deixar de achar puro sensasionalismo a ameaça do fim da 3ª República. Tem defendido (e com argumentos muito válidos) o fim do euro. Mas o que é certo é que parece que a moeda está cada vez mais forte e já longe vai o dia em que vaticinou o seu fim pela primeira vez!

E vira-se agora para o fim da 3ª República? Já é tempo de também ir dando o braço a torcer e deixar de se focar apenas nos problemas, não?