quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

“Crise de regime”

O PS no governo não vai conseguir diferenciar-se do actual executivo e isso irá criar uma profunda crise de regime

Medeiros Ferreira, uma das vozes com maior independência de espírito da área do PS, afirmou numa entrevista publicada neste jornal no Sábado passado que o “PS, no fundo, tem seis meses a um ano para demonstrar que governa de outra maneira.” Se falhar neste desafio, teremos “uma crise de regime”. Julgo que a intenção desta frase é a de lançar um aviso sobre a necessidade de o PS preparar uma verdadeira alternativa, mas temo que isto caia em saco roto.

Aquele professor recomenda também que haja eleições antecipadas, em Maio de 2014, em simultâneo com as europeias, o que até poderá ser considerado optimista, tendo em atenção as dificuldades com que o governo se vem defrontando, desde logo pelas fissuras internas.

Seja qual for o momento em que o PS volte ao poder, parece-me que tem todas as condições para falhar o repto de governar de forma diferente, por várias razões. Antes de mais, é preciso recordar que entre 1995, início do descalabro das contas externas e 2011, o pedido de ajuda à troika, in extremis, o PS esteve no governo mais de 80% do tempo.

Nesse período, o PS ignorou a globalização, destruiu a competitividade e o potencial de crescimento da economia portuguesa, colocando em causa o financiamento do Estado social. Possivelmente por razões ideológicas, ignorou a defesa da família, e assistiu impávido a uma queda desastrosa da natalidade, colocando de novo em risco a sustentabilidade do Estado social.

Para além disso, para o PS, o Estado “social” parece ser muito mais um Estado “clientelar”, no qual as maiores corporações do sector público se sentam à mesa, onde as maiores negociatas públicas têm lugar (quem assinou a maioria dos contratos das PPP, dos swaps, etc.?), para além de mais umas quantas prebendas avulsas (a que propósito é que o Grande Moralista Baptista Bastos vive numa casa da C.M. Lisboa?).

Para os socialistas, a verdadeira alternativa seria reviver o passado no tempo em que Bruxelas estava cega para as asneiras que os países periféricos iam perpetrando e no tempo em que o crédito era quase à borla. Mas, quer já tenham tomado consciência disso, quer não, bem podem cantar para o tempo voltar para trás, que ele não vos ouvirá.

Sendo assim, que alternativas se colocam ao PS? O primeiro obstáculo a divisar alternativas prende-se com o facto de este partido se ter tornado numa associação “clientelar”, muito mais do que ideológica. Se o norte do PS fosse a preocupação pelos mais pobres e desfavorecidos, isso permitir-lhe-ia uma agenda muito mais clara e desimpedida.

No entanto, como está prisioneiro das clientelas que favoreceu até aqui, está numa camisa-de-onze-varas. Como é evidente, a consolidação orçamental terá que ser conseguida justamente pela eliminação das generosidades concedidas às corporações públicas, quer no trabalho, quer na reforma. Como é que o PS pode sobreviver a atacar a sua base eleitoral por excelência?

O estado lastimoso das contas públicas, bem como o estado de urgência que deverá forçar a desrespeitar inúmeros contratos financeiros públicos, deverão colocar um fortíssimo travão a qualquer grande contrato público nos próximos tempos. Dado a péssima utilização que foi dada a estes contratos, isto só pode ser encarado como uma excelente para os contribuintes. No entanto, mais uma vez, isto é uma terrível notícia para o PS, que se tem habituado a beneficiar um conjunto alargado de “empresários”, cuja vantagem competitiva é o acesso aos corredores do poder. Sem o apoio desta “elite”, como é que o PS (se) irá governar?

Em resumo, a menos de um golpe de asa, de que nem o actual líder do PS, nem as alternativas parecem ser remotamente capazes, os socialistas deverão ser obrigados a repetir as medidas do actual governo, com a agravante de o fazerem contra a sua natural base de apoio. Como bem prevê Medeiros Ferreira, isto tem todas as condições para criar uma “crise de regime”. Mas não haja a menor ilusão que a queda do PS poderá beneficiar o centro-direita.

Atrevo-me a antecipar que isto deverá levar à implosão dos actuais partidos tradicionais e abrir espaço para verdadeiras alternativas, possivelmente no quadro de uma 4ª República, então embrionária.


[Publicado no jornal “i”]

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