quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Anti-europeísmo

O facto de a UE ter ido longe demais provocou esta revolta anti-europeia

As próximas eleições para o Parlamento Europeu, em Maio de 2014, preparam-se para ter o maior contingente de deputados anti-europeus de que há memória.

Para os mais europeístas, isto é uma tal heresia, que alguns até se indignam com o facto de eles se candidatarem a lugares numa instituição que os próprios consideram que nem deveria existir. A esses convém lembrar os deputados da Ala Liberal do tempo do marcelismo, que tentaram mudar o Estado Novo por dentro. Infelizmente, não tiveram sucesso e foi necessário o uso das armas a 25 de Abril de 1974 para mudar o regime. Se a Ala Liberal tivesse conseguido os seus intentos, poderíamos ter tido uma transição pacífica para a democracia, como em Espanha, sem as loucuras do PREC, que tanto nos custaram e custam, ainda hoje, sob a forma de uma Constituição deplorável.

Concedendo o direito dos anti-europeístas a candidatarem-se, permanece, para muitos, um ferrete de menoridade moral, como se a sua existência fosse um erro.

A excessiva moralização da política não é boa conselheira, parecendo mais útil tentar perceber qual a razão porque estes partidos anti-europeus estão a ter um crescimento eleitoral tão importante. Será que a UE não terá responsabilidades nesta expansão? Julgo que foi o facto de a UE ter ido longe demais que provocou esta revolta anti-europeia.

Convém recordar o voluntarismo da construção europeia, em que demasiados líderes políticos quiseram ir muito mais depressa do que aquilo para o qual os seus próprios eleitorados estavam preparados.
A vitória de vários “não” em referendo parecia que tinha trazido uma tomada de consciência em relação aos excessos “europeus”. Houve algum acto de contricção com o reforço do princípio da subsidiariedade. Infelizmente, a pulsão burocratizadora da UE é demasiado forte e ainda agora tivemos notícia do projecto de regulamentação de autoclismos. Parece uma ficção cómica, mas é verdade.

Outro passo muito maior do que a perna foi a criação do euro, cheio de falhas estruturais. Desde o início da crise desta moeda, há quase quatro anos, até agora nenhum dos problemas estruturais foi resolvido e não se vislumbra a resolução de nenhum em prazo útil.

O euro permitiu a acumulação de desequilíbrios externos brutais, que jamais seriam possíveis com as moedas nacionais (o FMI teria chegado a Portugal uma década antes) e rouba-nos um instrumento precioso de correcção: a desvalorização. Por isso, a correcção tem sido especialmente dolorosa em todos os países que registaram aqueles desequilíbrios, com recessões graves, desemprego galopante e muito sofrimento.
Como se os problemas económicos não fossem suficientes, o euro trouxe graves conflitos políticos entre os diferentes países, trazendo à superfície os fantasmas da II Guerra Mundial, que se pensava estarem já enterrados.

O actual nível de animosidade entre países e dentro dos países contra o projecto europeu é, assim, da responsabilidade dos “visionários” que quiseram ir muito mais longe do que havia condições para ir. Por isso, eles são os grandes responsáveis pelo sucesso eleitoral dos partidos anti-europeus.
Há aqui um aspecto que merece reflexão: apesar de serem os países do Sul que mais têm sofrido com a crise do euro, tem sido nos países do Norte onde os partidos anti-europeus mais têm crescido. Os países do Sul, apesar do sofrimento, continuam a sentir que permanecer na UE e no euro é preferível a sair. Nos países do Norte, as contribuições para o euro já estão a pesar e ainda estão a um nível muito limitado. Isto também reforça a ideia da dificuldade política em construir uma solução para o euro.

A solução ideal para a crise do euro seria o seu fim combinado num fim-de-semana entre a França e a Alemanha, para minimizar os sentimentos anti-germânicos. Ironicamente, o sucesso de Marine Le Pen em França poderá empurrar Hollande para se entender com Merkel sobre isto, quando o processo estiver um pouco mais maduro.


Uma outra razão da força eleitoral dos partidos anti-UE reside no seu ataque às políticas de imigração. Aqui também é demasiado atraente rasgar as vestes de indignação, em vez de tentar perceber as razões deste sentimento. Mas este tema terá que ficar para um próximo artigo.

[Publicado no jornal i]

4 comentários:

Unknown disse...

O avanço da modrenidade (em larga medida os instrumentos e técnicas associadas à globalização e mundialização) sobre espaços até aqui onde o seu acesso era limitado está a provocar um exôdo em massa que está a pressionar os velhos países insdutrializados assim como os emergentes. É uma vaga de pessoas sem formação mas já com alguma escolarização vindas de velhos centros rurais sobrepopulados e onde a guerra e a falta de espectativas (as que a mediatização difunde) estimula à partida para os velhos e novos centros. O problema da imigração poderá vir a ser extremo, mas não deixa de ser extremo aquilo que estamos a observar a partida de quadros da Europa para os emergentes, o que irá decepar por decadas qualquer possibilidade de desenvolvimento. Ninguém fala do flagelo do que significa 500 mil Portugueses terem saído do país desde o ínício da crise.

Em França e Itália os partidos do centro começaram ter posições mais duras quanto à emigração. É interessante notar que nos EUA e Canadá o problema da imigração nunca fora tabu. Mas na Europa a questão é sempre colocada com tiques de escândalo. Uma enorme hipocrisia pois a UE não é mais aberta do que os outros espaços ocidentais.

Unknown disse...

Caro Pedro Braz Teixeira, gostei muito de lhe ler o seu artigo. A sua análise política está correcta. Gostaria apenas acrescentar que estamos numa fase reactiva tipica nos ciclos culturais. As sociedades passam por movimentos ciclicos de abertura e fechamento. Numas fases existe tendência para incorporar elementos exteriores e inserir novidades, noutras devido aos abusos da abertura anterior, as sociedades começa a sentir nostalgia da sua configuração anterior, a procura de identidade e autenticidade, e tornam-se progressivamente reactivas às novidades. Estas fazes são depois cruzadas com os ciclos geracionais que vão dominando o espaço público numa determinada sociedade.

Álvaro Aragão Athayde disse...

Para além da Economia está a Política e a Geopolítica…

E Política e a Geopolítica, que foram responsáveis pelo rotundo fracasso da Ala Liberal no Marcelismo, também são responsáveis pelo não recuo da Alemanha e da França.

No que a Portugal diz respeito é fundamental construir uma retaguarda além-mar e seria óptimo conseguir a aliança espanhola.

Alvaro disse...

A União Europeia está a morrer e os seus assassinos não foram os eurocepticos, foram antes os euro-entusiastas que forçaram um avanço a todo o vapor na integração quer os europeus quisessem ou não.