sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Salário mínimo europeu

Um salário mínimo europeu criaria inflação galopante nos países fora do euro e milhões de desempregados dentro do euro


O primeiro-ministro francês, Jean-Marc Ayrault, defendeu a introdução de um salário mínimo europeu. A primeira dúvida que se coloca é: ele sabe quais são hoje os salários mínimos nos diversos Estados-membros da UE? Fará ideia que os salários mínimos nacionais variam entre os 135 euros na Roménia e os 1606 euros no Luxemburgo (valores adaptados para serem directamente comparados com os 485 euros em Portugal)? Existe uma relação de 1 para 12 entre o valor mais baixo e o mais elevado e há a fantasia de querer uniformizar isto? Como é possível ignorar as brutais diferenças de custo de vida que existem entre os diversos países?

Saberá ele que em sete países da UE não existe sequer um salário mínimo nacional?

Actualmente, o salário mínimo em França é de 1226 euros, o 5º mais elevado. Quererá ele baixar este valor no seu país? Quererá que todos os países passem a ter o salário mínimo francês?

Imaginem que o salário mínimo na Roménia era praticamente multiplicado por dez. Haveria uma explosão de preços brutal que obrigaria a doses maciças de depreciação cambial, que baixariam o salário mínimo em euros. Este país ficaria assim em situação ilegal e seria forçado a voltar a aumentar o salário mínimo, entrando numa espiral inflacionista delirante e inútil, porque jamais seria respeitada a regra de ter o mesmo salário mínimo (em euros) do que os outros países europeus.

Em Portugal, um salário mínimo de 1226 euros, com a impossibilidade de correcção cambial, haveria despedimentos em massa de centenas de milhar de trabalhadores, com a quase aniquilação de toda e qualquer actividade exportadora. A este propósito é importantíssimo recordar que a ligeira queda registada no desemprego se deve a empregos precários com salários inferiores ao salário mínimo.

De acordo com o INE, em relação aos trabalhadores por conta de outrem, apenas 17% ganham mais de 1200 euros mensais líquidos. Na agricultura esta percentagem é muito inferior, apenas 2%, na indústria um pouco maior (9%) e é nos serviços que ela é mais significativa (20%). Estes dados reforçam a ideia de que as actividades transaccionáveis, sobretudo agricultura e indústria, seriam devastadas com aquela hipotética subida do salário mínimo.

Em resumo, esta medida iria provocar inflação galopante em países fora do euro e milhões de desempregados dentro da zona do euro.

A questão que se segue é a de saber se esta ideia resulta de algum estudo mínimo. Parece-me evidente que é impossível que tenha havido sequer dois minutos de reflexão sobre a exequibilidade desta medida.

Isto é aterrador, chegar à conclusão que um primeiro-ministro de um país desenvolvido e até com enorme apreço pela cultura, como é a França, se permite anunciar ao mundo a primeira excentricidade que lhe passa ela cabeça, sem que tenha sido objecto da mais ínfima análise. É gente deste calibre que vai decidir lançar um ataque militar à Síria? Tenham medo, mas muito medo, porque eles não fazem ideia nenhuma das consequências do que propõem e parece que não têm ninguém ao seu lado que os aconselhe com um mínimo de sensatez.

Há aqui, ainda, uma outra fonte de perplexidade. Há cerca de uma década que tem surgido um sentimento anti-UE, com vários "não" em referendos, um dos mais importantes na própria França. Uma das razões principais pelo desafecto reside no excesso de poder que Bruxelas retirou aos governos nacionais, o que já levou a algum recuo pelas instâncias europeias e à valorização do princípio da subsidiariedade.

Assim sendo, qual o sentido de forçar mais uma uniformização? O objectivo é de maximizar o sentimento anti-europeu? Querem mesmo destruir a UE? Acham que as instituições europeias ainda não estão suficientemente fragilizadas e que ainda precisam de mais uma cacetada?

[Publicado no jornal i]

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