sexta-feira, 24 de maio de 2013

Ameaças do governo

Ao ameaçar com a saída do euro, o governo poderá ter resultados contraproducentes

A 30 de Abril, o ministério das Finanças publicou o Documento de Estratégia Orçamental 2013–2017, de que transcrevo um excerto (p. v): “A alternativa de regressar a comportamentos passados implica, numa versão mais radical, a bancarrota e a saída do euro.”
Posteriormente, o primeiro-ministro reforçou esta ameaça de duas formas. Em primeiro lugar, avisando que a saída do euro traria consigo uma desvalorização da moeda entre 30% e 35% e uma concomitante perda de poder de compra. Em segundo lugar, Passos Coelho salientou que, mesmo depois da troika sair do país, o caminho a percorrer continuará a ser muito estreito.
Não me parece que a ameaça seja a atitude mais feliz que um primeiro-ministro possa ter e também duvido que ela seja eficaz para fazer aprovar as medidas necessárias. Quererá chegar ao consenso através da ameaça? O governo deveria tentar usar um especialista em inteligência emocional para comunicar.
Gostaria de fazer aqui um parêntesis sobre uma das medidas concretas, a redução de 30 mil efectivos, a conseguir através de rescisões por mútuo acordo e do novo Sistema de Requalificação da Administração Pública. Não é esclarecida quantos trabalhadores sairiam da função por mútuo acordo, mas quem é que no seu perfeito juízo vai sair agora, quando o desemprego regista máximos sucessivos? Ainda por cima quando os apoios no desemprego são mal esclarecidos.
A marcação de posição de Paulo Portas é algo que, por um lado, se saúda, pela clarificação que traz em relação a todos os rumores que circulavam de fortes tensões dentro do governo e da coligação. Mas, por outro lado, é imperioso reconhecer que esta posição é pura demagogia, já que não apresenta qualquer tipo de remédio alternativo.
Voltando à ameaça do governo, o fim do euro permaneceu, durante longo tempo, um grande tabu, de discussão proibida.
Ainda antes da criação do euro, houve várias vozes que apontaram para o previsível fracasso deste projecto europeu. A resposta oficial inicial era a de que falar no fim do euro era uma impossibilidade, legalmente estabelecida e equivalente a imaginar elefantes a voar.
Desde que a crise do euro se iniciou, em 2009, iniciou-se uma segunda fase da quebra do tabu do fim do euro, dominado por autores de fora da zona do euro.
Uma terceira fase, com início incerto, corresponde à dos economistas de países da zona do euro a falarem sobre esta possibilidade ou, mesmo, desta inevitabilidade. Aí tentou-se proibir de pensar e de falar, com medo das suas consequências.
A quarta fase, que vivemos presentemente, corresponde à circunstância de este tema passar a fazer parte do discurso oficial de vários Estados-Membros do euro. O governo português pisou agora este risco.
Parece que o governo imagina que a ameaça é tão terrível, que irá levar todos a aceitar tudo. Pois a leitura que faço é radicalmente diferente. Por um lado, o executivo afirma que a saída do euro está muito longe de ser uma impossibilidade e bem próxima de ser possível. Por outro lado, dado que a margem para errar, mesmo depois da saída da troika, é muito limitada e, acrescento eu, a experiência recente tem sido a de erros sucessivos, mesmo do actual governo, então a saída do euro acaba por ser a hipótese mais provável.
Se sair do euro é o mais provável, muito poderão pensar: para quê aceitar medidas draconianas se elas não servem para impedir o inevitável?
Assim, ao invés de conseguir o acordo de todos, o governo poderá estar a criar o máximo de oposição. Para além disso, pode bem desencadear uma fuga de depósitos, com o receio da tal desvalorização de que o primeiro-ministro falou, acelerando o próprio processo de saída do euro.

Já agora, por uma questão de coerência, se o governo acha que a saída do euro está em cima da mesa, então deveria tomar medidas de cautela básicas, nomeadamente mandando imprimir notas e cunhar moedas para a eventualidade de voltarmos para o escudo.

 [publicado no i, a 8 Maio 2013]

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