quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Roleta grega

O PM grego, George Papandreou, surpreendeu tudo e todos (inclusive o seu próprio partido) ao anunciar um referendo ao último pacote de ajuda. Não é claro o que move Papandreou, mas não é de excluir que esteja a preparar-se para sacudir água do capote em relação ao dilúvio que se avizinha.

A nova ajuda pede mais uma forte dose de austeridade (combinada com reformas estruturais) em contrapartida de mais dinheiro e uma reestruturação da dívida pública grega que a faria descer para 120% do PIB em 2020. Esta reestruturação é mais um resultado dos compromissos europeus, que se caracterizam pelas meias soluções. Este é um dos casos claros em que meia solução não é solução nenhuma. Os gregos vão pagar o custo da reestruturação (passar a ter muito mais dificuldades de acesso a financiamento), sem conseguirem o benefício da sustentabilidade da dívida. Uma dívida de 120% do PIB é muito dificilmente sustentável, mas ter uma dívida desta dimensão depois de uma reestruturação (que conduz a taxas de juro muito mais elevadas) é absurdo, é uma mera perda de tempo e dinheiro até à próxima reestruturação da dívida.

A crise do euro tem mil pretextos para explodir antes do referendo grego, em particular pelo contágio com a dívida italiana, que está já perigosamente próxima do limite da sustentabilidade, mas vamos admitir que é contida até lá. A vitória do “sim” no referendo também não resolveria grande coisa, já que, como vimos acima, a Grécia se encaminharia para uma nova reestruturação da dívida. Concentremo-nos então na vitória do “não”.

Vamos presumir que a vitória do “não” seria o fim de qualquer tipo de ajuda à Grécia, que optaria/seria-forçada a uma reestruturação da dívida muito mais intensa. Esta reestruturação seria a estocada final no sistema financeiro grego (onde o BCP ainda tem um banco, vá-se lá perceber porquê...), cuja sobrevivência já estaria posta em causa pelo agravar da fuga de depósitos, que está em curso há largos meses. Talvez fosse dispensável este esclarecimento, mas tomo a liberdade de o explicitar: uma solução à irlandesa do sistema financeiro está totalmente fora de questão, porque o Estado grego não é minimamente capaz de honrar as suas dívidas, quanto mais arcar com responsabilidades do sistema financeiro.

Com a reestruturação brutal da dívida pública e a falência do sistema financeiro grego, estão eliminados os principais obstáculos à saída do euro, um caminho que poderá ser percorrido de forma voluntária, de forma negociada com os parceiros europeus ou forçado por estes.

A saída do euro e a concomitante depreciação da nova dracma imporá uma nova dose de perda de poder de compra mas, desta vez, com resultados à vista, com aumento das exportações, crescimento económico e redução do desemprego.

Convém ainda esclarecer que a recusa das condições de ajuda externa não vai dispensar a Grécia de medidas de contenção orçamental, muito pelo contrário. Ao ser forçada a uma reestruturação da dívida muito mais intensa, não haverá qualquer tipo de financiamento disponível, pelo que o défice sem juros (défice primário) terá que ser totalmente eliminado no imediato.

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