sábado, 27 de agosto de 2011

Mais impostos?

Parece que o governo está a ponderar criar um imposto sobre os ricos. Antes de mais convinha recordar que o acordo com a troika prevê que a consolidação orçamental se realize sobretudo (dois terços) do lado da despesa e que até agora só temos ouvido falar em aumentos de impostos.


Em segundo lugar convinha que se identificassem os problemas com os actuais impostos antes de criar um novo, para não se cair no remendo que tenta ultrapassar os erros anteriores, criando novos problemas, para os quais depois se criarão novos remendos.


A Constituição prevê no seu Artigo 104.º “Impostos”:

1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.

(…)

3. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.


Os impostos sobre o rendimento têm o grave problema de não respeitarem este princípio de progressividade, sendo só progressivos até aos profissionais de elevados rendimentos, passando a ser regressivos para os rendimentos dos verdadeiramente ricos. Isto acontece por dois tipos de razões: por um lado, a liberdade de circulação de capitais cria uma limitação importante à tributação do capital, pelas alternativas de fuga; por outro lado, porque a legislação e prática portuguesas têm inúmeros problemas e é sobre estes que vou referir alguns aspectos.


Comecemos por distinguir entre tributação do rendimento e tributação do património. Depois, dentro daquele há que distinguir entre rendimentos de activos móveis e imóveis.


A tributação do rendimento de activos móveis (juros de depósitos e outros, dividendos, mais-valias de acções, etc.) tem uma taxa liberatória de cerca de 20%, muito inferior ao escalão máximo de IRS, e esta é uma das razões que cria a tal regressividade neste imposto. De acordo com a OCDE esta taxa liberatória está acima da média dos países desta organização, pelo que não há grande margem para aumentos, mas haveria a possibilidade de criar uma sobretaxa especial em 2011 ou 2012 para que os rendimentos de capital não ficassem à margem do imposto especial sobre o subsídio de Natal.


Quanto ao rendimento dos imóveis, estes são englobados no IRS, agravando o imposto pago, não havendo aqui a desigualdade de tratamento entre rendimentos do trabalho e do capital como no caso anterior.


O problema é que para os muito ricos os patrimónios são detidos por sociedades, SGPS, que beneficiam de uma miríade de benefícios fiscais, que talvez valesse a pena rever. Se se deixam estes benefícios intactos para os muito ricos e se cria um imposto sobre os moderadamente ricos iremos agravar a desigualdade fiscal existente e este é o maior risco.


Finalmente, em relação aos impostos sobre o património eles existem apenas sobre uma fracção deste, o imobiliário, sob a forma de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). Destaque-se desde logo a desigualdade de tratamento fiscal porque só o imobiliário paga imposto sobre o património. Mas os muito ricos não investem directamente em imobiliário, investem através de fundos de investimento, que estão isentos de IMI! Ficamos assim com uma dupla injustiça fiscal.


Mas as injustiças do IMI não acabam aqui. Para o fisco uma casa arrendada a preços de mercado ou a mesma casa mas com uma renda ridícula valem o mesmo e pagam o mesmo IMI. Isto não podia ser mais absurdo, mas vá-se lá discutir racionalmente com quem só quer maximizar a receita fiscal. Escrevi há dois anos sobre um outroabsurdo, sobre o fisco não ter acesso aos dados das transacções imobiliárias registadas pelos notários, uma fonte natural – mas desaproveitada – de actualização das matrizes de base do IMI, mas não sei se isto continua actual.


Alargar a base de tributação dos impostos sobre o património e uniformizá-lo será sempre uma tarefa difícil mas, mais uma vez, espera-se que qualquer reforma não deixe os muito ricos intactos e os moderadamente ricos mais carregados.


Uma nota final sobre o destino das receitas fiscais adicionais: em nenhum caso estas devem ser encaminhadas para as autarquias e regiões autónomas, que têm claramente dinheiro a mais para gastar. Estas gastam mais de 30% do orçamento em despesas de capital, contra uma média de pouco mais de 6% para o conjunto do sector público administrativo, quando as maiores responsabilidades de investimento (vias de comunicação, saúde, educação, justiça, forças armadas, etc.) cabem à administração central. Existe actualmente uma total desproporção entre responsabilidade de investimento e disponibilidade de fundos para investir. O que temos é uma administração central com edifícios decrépitos e uma administração regional e local a inventar novas construções, que vão criar responsabilidades de manutenção no futuro.

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