quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Preparar 2012

Há duas coisas que não se podem repetir em 2011 nas contas públicas. A primeira é a execução orçamental correr tão mal que seja de novo necessário recorrer a uma vultuosa receita extraordinária para compor os números. Aliás, nem sequer vai haver a benevolência que houve no ano anterior e uma má execução orçamental será prontamente castigada. Como a punição deverá ser a vinda do FMI e do fundo europeu de estabilização e o governo tem, imprudentemente, demonizado essa vinda, considerando que esta equivalerá à sua queda, parece que podemos ter alguma esperança que o governo conseguirá finalmente cumprir as metas orçamentais.

A segunda coisa que não se pode repetir é chegarmos a Setembro e só então o governo apresentar um conjunto atabalhoado de propostas para reduzir o défice de 2012. É preciso não só ter mão de ferro na execução orçamental deste ano, como também preparar desde já reformas estruturais nas contas públicas que permitam uma redução do défice nos anos vindouros.

Olhando um pouco mais para a frente há dois factores claros a que é necessário dar resposta, para além do problema orçamental de mais longo prazo associado ao envelhecimento da população (via gastos com a saúde e segurança social), que parecem estar a escapar à generalidade dos actores políticos e a alguns ilustres constitucionalistas.

O primeiro é conhecido e pode ser sintetizado pela “factura Guterres”, cujas prestações vão conhecer um aumento acentuado a partir de 2014, em resultado da contabilidade criativa (e caríssima) com que se financiaram investimentos de muito duvidosa prioridade.

O segundo factor tem ainda contornos incertos e prende-se com as exigências alemãs como contrapartida de abrir os cordões à bolsa. Pode ser que sejam exigidas reduções posteriores do défice, mesmo quando este estiver abaixo dos 3% do PIB, de modo a provocar uma nítida redução da dívida pública.

Mas é quase certo que se aperte o cerco à contabilidade criativa, que os alemães devem abominar não só em termos éticos, mas também pelo facto de esta ter torpedeado o euro. Qual será o grau de rigor que os alemães deverão impor? Não sei, mas julgo ser mais seguro presumir a intransigência total.

Todas as dívidas escondidas, em particular a das Estradas de Portugal, deverão passar a ser considerada dívida pública. Todos os défices camuflados, em particular na saúde, deverão ser agregados ao défice público.

O esclarecimento da verdadeira condição das nossas contas públicas, mesmo com todas as suspeitas existentes, tem todas as condições de se tornar num autêntico filme de terror, pela recepção junto dos investidores internacionais. Mesmo que isso ocorra quando o Estado já não precisar de se financiar no mercado, por estar a receber ajuda europeia e do FMI, os outros agentes portugueses, em particular a banca, sofrerão com isso.

Teme-se adicionalmente que ainda muito recentemente, em particular em 2010, o governo tenha usado contabilidade criativa escondida, para além da criatividade autorizada, sob a forma de receitas extraordinárias com o fundo de pensões da PT.

É que convinha que o governo explicasse – de forma cabal, para variar – porque é que as necessidades de financiamento público em 2010 se fixaram nuns surpreendentes 11,7% do PIB. Poderá ser por causa do BPN, mas então porque é que isso não foi ao défice, como aconteceu na Irlanda? Seja como for este é mais um exemplo com potencial de assustar os investidores internacionais, que não fazem ideia com o que podem contar.

Disto tudo se retira que tem havido uma janela de cumprimento da consolidação orçamental que se deverá fechar, dificultando a sua concretização (formal).

Estes gigantescos desafios nas contas públicas têm obviamente que ser assumidos quer pelo actual governo, quer por aqueles que antecipam chegar dentro em breve ao executivo, parece que mesmo com a improvável ajuda do PCP.

Só para terminar gostaria de saudar que a Alemanha tenha evoluído do foco excessivo sobre as contas públicas, para atribuir uma nova importância aos temas da competitividade e do crescimento. No entanto, parece estar-se longe de um consenso, porque as tentativas de harmonização, sobretudo na fiscalidade, geram sempre muitos conflitos. Aguardemos, então.

[Publicado no Jornal de Negócios]

1 comentário:

Adriano Volframista disse...

Pedro Braz Teixeira
Alguns apontamentos iconolclastas, explorando as vitualidades do seu post:
a) Quando vamos assumir que nem todos podem ter casa própria e que há que dinamizar o mercado de arrendamento de modo a que possamos:
1. Remunerar o capital investido de forma atactiva;
2. Compensar o inquilino fiscalmente pela opção que tomou.
3. Dimunuir o peso das casas na dívida.
b)Quando se vai assumir que as PPPs têm que ser renegociadas? As circuntâncias alteraram-se ergo, as claúsulas contratuais também o devem ser.
c) Quando vamos considerar que o salário tem de estar, pelo menos parcialmente, "atrelado" à prerformance da empresa, dando ao contrato de trabalho uma nova dignidade?
d) Quando vamos considerar que o não pagamento dos impostos é meio caminho andado para que estes aumentem e, de uma forma possitiva, se promova a denúncia remunerada dos prevaricadores?
Cumprimentos
joão