terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Ainda a execução orçamental

Depois de tudo o que já se escreveu sobre a execução orçamental de Janeiro, em particular pelo Álvaro Santos Pereira, gostaria de acrescentar ainda algumas notas.

Do lado da receita, o próprio boletim da DGO reconhece que “a variação homóloga do IRC em Janeiro é de 153,4%, resultado devido em larga medida à tributação de dividendos objecto de distribuição antecipada no mês de Dezembro.” Para além de outro efeito especial nos outros impostos directos e no “Imposto sobre Veículos (ISV) – variação positiva de 59,9%, em resultado de antecipação significativa das vendas de veículos automóveis no mês de Dezembro.” (p. 8).

Expurgando estes efeitos irrepetíveis, teríamos as receitas fiscais a crescer cerca de 7% e não os 15,1% registados.

Do lado da despesa há inúmeras alterações metodológicas, o que, segundo a DGO, faz com que esta esteja a subir quando estará a cair. Talvez. Mas já é muito difícil de aceitar uma queda nas transferências para o SNS, quando se sabe os buracos que este veio revelar no final do ano passado. Se as transferências para a saúde em 2010 foram insuficientes para fazer face aos compromissos do sector, quem consegue acreditar que em 2011 possam ser ainda inferiores aos montantes inicialmente transferidos no ano transacto?

Na despesa não me atrevo a apresentar valores alternativos aos oficiais, tal é a bruma que os rodeia. No entanto, é claro que os sucessos orçamentais deste primeiro mês parecem bem exagerados. Veremos se o governo consegue mesmo controlar a despesa e se a recessão não provoca um rombo excessivo nas receitas, como já ocorreu em 2009.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Soluções para a “geração Deolinda”

Aqui vão algumas propostas de solução para os problemas identificados na canção dos Deolinda “Que parva que eu sou”. Estas propostas têm contornos assumidamente vagos, para evitar a tendência portuguesa do desvio do essencial para tagarelar sobre o acessório.

Em relação à precariedade do emprego, seguindo uma solução já anteriormente proposta por Campos e Cunha, crie-se um novo tipo de contrato de trabalho, com muito menos garantias do que os actuais, mas claramente com mais do que os actuais falsos recibos verdes.

Em princípio um novo contrato de trabalho muito mais flexível seria suficiente para dissuadir as empresas de recorrerem aos falsos recibos verdes. As contribuições para a segurança social dos recibos verdes a tempo inteiro ou quase (falsos ou não) deveriam ser pagos como para os trabalhadores em geral. As empresas pagariam o equivalente ao que pagam para o regime geral e os trabalhadores “verdes” descontariam como os seus colegas “do quadro”. Para além disso, as empresas teriam a responsabilidade de descontar todas as contribuições dos ordenados, como acontece para o regime geral. A segurança social veria assim o universo de entidades a fiscalizar reduzir-se muito significativamente, porque há muito menos empresas do que trabalhadores.

O que é totalmente absurdo é a revisão recente do código contributivo, que veio penalizar os trabalhadores a recibo verde, esquecendo que eles é que são as vítimas deste mercado de trabalho em regime de apartheid. É certo que a minha proposta é a oficialização desse mesmo apartheid, mas talvez o reconhecimento oficial da realidade seja o que é necessário para a transformar. Enquanto estivermos em negação não vamos longe.

Para além disso, em processos de reestruturação de empresas, um dos instrumentos de negociação poderia ser os trabalhadores passarem dos antigos contratos de trabalho para os novos.

Outro aspecto importante do novo contrato de trabalho é que os conflitos relacionados com ele não seriam dirimidos nos Tribunais do Trabalho, mas num tribunal arbitral a criar.

Em relação ao problema dos jovens terem que ficar até tarde em casa dos pais o problema essencial (para lá do rendimento) é a lei de arrendamento (cuja última revisão bloqueou ainda mais o mercado), bem como a inoperância do sistema a despejar inquilinos caloteiros, que já gerou milhares de profissionais deste “esquema”, que tem evitado que inúmeros proprietários se tornem em senhorios. É absurdo que tenhamos centenas de milhares de habitações fechadas porque o enquadramento legal e prático é um poderosíssimo obstáculo ao arrendamento.

Outro problema identificado é a incapacidade da economia gerar empregos compatíveis com a qualificação crescente dos nossos jovens. Isto em parte decorre da incapacidade no sentido lato de criar emprego, cujos obstáculos têm sido genericamente apelidados de “custos de contexto” de investir em Portugal e que não vou reproduzir aqui. É um conjunto de reformas que é quase um programa de governo.

Em relação a este aspecto só gostaria de acrescentar que os nossos empresários mais velhos precisam de mais formação (um tema que até recebeu atenção recentemente), para se sentirem mais tranquilos em contratar jovens com mais qualificações do que eles, mas parece que os nossos jovens também estão a necessitar de alguma formação em empreendedorismo.

Só para terminar, gostaria de salientar que estas propostas não são uma tentativa de agradar a um grupo de descontentes a ocupar momentaneamente a agenda mediática, sacrificando o bem comum, como demasiadas vezes ocorre. Olhando para as propostas do ponto de vista macroeconómico, elas continuam a fazer sentido.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Recessão

O Banco de Portugal publicou hoje novos valores dos indicadores coincidentes que calcula, que revelam um novo abrandamento da actividade e do consumo. Basta olhar para o gráfico para se perceber para onde vamos, mas é óbvio que se olharmos para a subida do desemprego, a queda de salários, a subida de impostos e contribuições, o encolher do crédito e tantas outras condições económicas em 2011 para reforçar a ideia que vamos estar em recessão provavelmente todo o ano.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

De uma forma ou doutra

Os juros da dívida portuguesa continuam a sua escalada, em parte devido ao desempenho orçamental recente, e em parte devido à indefinição europeia sobre as receitas para a crise do euro.

É altamente improvável que a cimeira de Março possa convencer os mercados, porque os governos europeus parece que não aprenderam nada da falhada Agenda de Lisboa, como argumenta aqui Ann Mettler, que é directora executiva do Lisbon Council, um think tank baseado em Bruxelas.

Segundo ela, os planos actuais estão destinados a falhar por duas razões. Primeiro, uma agenda credível precisa de metas firmes com prazos claros. Tudo indica que não vamos ter nem uma coisa nem outra. Segundo, as metas precisam de ser não apenas específicas, como também obrigatórias. As sanções para o não cumprimento têm que ser aplicadas, sem interferências políticas e também não se imagina que estes preceitos venham a ser cumpridos.

No ponto em que estamos, parece assim que temos duas formas de ir parar às mãos do FMI (insisto nesta falta de rigor, porque o governo já mais do que demonstrou que é essa parte – simbólica – que teme, por isso é que pretende que a flexibilização do fundo europeu passe por dispensar o FMI). Ou os mercados reprovam definitivamente as pseudo-reformas europeias ou o governo português apresenta maus dados de execução orçamental.

Atenção que não basta olhar para os valores do défice, é essencial olhar para a evolução da despesa. Se a despesa não cair, acaba-se a paciência dos mercados. A este respeito convém lembrar que aquando da recessão de 2009 as receitas fiscais caíram muito mais do que era habitual e que nós já estamos em recessão e devemos continuar assim todo o ano, o que deve afastar qualquer lirismo sobre bons resultados iniciais da receita poderem continuar ao longo do ano.

Tecnicamente, uma recessão caracteriza-se por dois trimestres consecutivos de crescimento trimestral negativo e o primeiro desses já ocorreu no último trimestre de 2010, mais cedo do que se esperava. O governador do Banco de Portugal já veio admitir que estamos em recessão (implicitamente está a dizer que vamos ter um crescimento negativo no trimestre corrente), mas convém recordar que o indicador coincidente da actividade económica (uma estimativa de PIB), calculado por esta instituição, relativo ao último trimestre do ano passado, divulgado há poucas semanas, apresentou um valor positivo de 0,2%, face à estimativa rápida do PIB, calculada pelo INE para igual período, que apresentou um valor negativo de 0,3%.

Parece assim que as condições necessárias para justificar uma moção de censura por parte do PSD poderão materializar-se em breve, até possivelmente muito próximo da data de votação da moção do BE.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O desafio da globalização (1) Introdução



Os temas da (falta de) competitividade e do nosso desequilíbrio externo têm vindo a merecer uma atenção crescente, mas ainda dentro do quadro da moeda única. Julgo ser importante introduzir no debate uma outra dimensão, a da globalização, e a forma como Portugal ignorou olimpicamente este desafio.

O nosso país ignorou a globalização, não porque se podia dar ao luxo de o fazer, fê-lo apesar de estar numa das posições mais ingratas para lidar com aquela transformação. Pode-se dizer que até 1995 não nos safámos mal, como o atesta a capacidade de angariar o investimento da Auto-Europa, cuja produção se iniciou nesse mesmo ano, mas a partir daí foi o descalabro.

Em 1995 tínhamos as contas externas equilibradas e praticamente não tínhamos dívida externa. A partir daí assistiu-se a um degradação total, como se pode ver do gráfico acima. Quando o actual primeiro-ministro tomou posse, em 2005, a nossa dívida externa (líquida) era de 65% do PIB. Entretanto, já subiu para 110% do PIB e, segundo o FMI, deverá chegar aos 145% do PIB em 2015.

Temos uma situação extremamente grave nas contas externas e as reformas necessárias vão para lá do que será indicado a nível europeu, porque também têm de começar a responder ao desafio da globalização, coisa a que nos temos esquivado nos últimos quinze anos.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Preparar 2012

Há duas coisas que não se podem repetir em 2011 nas contas públicas. A primeira é a execução orçamental correr tão mal que seja de novo necessário recorrer a uma vultuosa receita extraordinária para compor os números. Aliás, nem sequer vai haver a benevolência que houve no ano anterior e uma má execução orçamental será prontamente castigada. Como a punição deverá ser a vinda do FMI e do fundo europeu de estabilização e o governo tem, imprudentemente, demonizado essa vinda, considerando que esta equivalerá à sua queda, parece que podemos ter alguma esperança que o governo conseguirá finalmente cumprir as metas orçamentais.

A segunda coisa que não se pode repetir é chegarmos a Setembro e só então o governo apresentar um conjunto atabalhoado de propostas para reduzir o défice de 2012. É preciso não só ter mão de ferro na execução orçamental deste ano, como também preparar desde já reformas estruturais nas contas públicas que permitam uma redução do défice nos anos vindouros.

Olhando um pouco mais para a frente há dois factores claros a que é necessário dar resposta, para além do problema orçamental de mais longo prazo associado ao envelhecimento da população (via gastos com a saúde e segurança social), que parecem estar a escapar à generalidade dos actores políticos e a alguns ilustres constitucionalistas.

O primeiro é conhecido e pode ser sintetizado pela “factura Guterres”, cujas prestações vão conhecer um aumento acentuado a partir de 2014, em resultado da contabilidade criativa (e caríssima) com que se financiaram investimentos de muito duvidosa prioridade.

O segundo factor tem ainda contornos incertos e prende-se com as exigências alemãs como contrapartida de abrir os cordões à bolsa. Pode ser que sejam exigidas reduções posteriores do défice, mesmo quando este estiver abaixo dos 3% do PIB, de modo a provocar uma nítida redução da dívida pública.

Mas é quase certo que se aperte o cerco à contabilidade criativa, que os alemães devem abominar não só em termos éticos, mas também pelo facto de esta ter torpedeado o euro. Qual será o grau de rigor que os alemães deverão impor? Não sei, mas julgo ser mais seguro presumir a intransigência total.

Todas as dívidas escondidas, em particular a das Estradas de Portugal, deverão passar a ser considerada dívida pública. Todos os défices camuflados, em particular na saúde, deverão ser agregados ao défice público.

O esclarecimento da verdadeira condição das nossas contas públicas, mesmo com todas as suspeitas existentes, tem todas as condições de se tornar num autêntico filme de terror, pela recepção junto dos investidores internacionais. Mesmo que isso ocorra quando o Estado já não precisar de se financiar no mercado, por estar a receber ajuda europeia e do FMI, os outros agentes portugueses, em particular a banca, sofrerão com isso.

Teme-se adicionalmente que ainda muito recentemente, em particular em 2010, o governo tenha usado contabilidade criativa escondida, para além da criatividade autorizada, sob a forma de receitas extraordinárias com o fundo de pensões da PT.

É que convinha que o governo explicasse – de forma cabal, para variar – porque é que as necessidades de financiamento público em 2010 se fixaram nuns surpreendentes 11,7% do PIB. Poderá ser por causa do BPN, mas então porque é que isso não foi ao défice, como aconteceu na Irlanda? Seja como for este é mais um exemplo com potencial de assustar os investidores internacionais, que não fazem ideia com o que podem contar.

Disto tudo se retira que tem havido uma janela de cumprimento da consolidação orçamental que se deverá fechar, dificultando a sua concretização (formal).

Estes gigantescos desafios nas contas públicas têm obviamente que ser assumidos quer pelo actual governo, quer por aqueles que antecipam chegar dentro em breve ao executivo, parece que mesmo com a improvável ajuda do PCP.

Só para terminar gostaria de saudar que a Alemanha tenha evoluído do foco excessivo sobre as contas públicas, para atribuir uma nova importância aos temas da competitividade e do crescimento. No entanto, parece estar-se longe de um consenso, porque as tentativas de harmonização, sobretudo na fiscalidade, geram sempre muitos conflitos. Aguardemos, então.

[Publicado no Jornal de Negócios]

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Reformazinhas reactivas

O governo pretende realizar umas reformazinhas no mercado de trabalho, sob o pretexto de que a Espanha também o fez. Desde logo note-se a dificuldade de acção, sobrando a reacção.

Mas olhemos para a avaliação que o Fórum Económico Mundial (Out-10) faz da eficiência do nosso mercado de trabalho, que nos coloca na 117ª posição em 139 países. O governo tem a ambição de nos colocar numa posição próxima da, já não digo da Dinamarca (4ª posição), mas, vá lá, da Irlanda (20ª), da República Checa (33ª) ou mesmo da Bulgária (58ª)? Não, o governo quer que ambicionemos acompanhar a Espanha (115ª). Ainda bem que nos poupa de propagandear que estamos melhor do que a Itália (118ª) e a Grécia (125ª).

Convém também recordar que outro indicador de que o mercado de trabalho espanhol funciona mal é o facto de o desemprego ser historicamente muito elevado e estar actualmente acima dos 20%. Como é possível querer usar a Espanha como referencial neste caso particular?

Para além disso, há uma fixação excessiva em associar reformas no mercado de trabalho com facilidade de despedimento. No entanto, há outros aspectos que precisam de melhorias, como a flexibilidade de horários, bem como a regulamentação em geral. Aquele mesmo relatório aponta como os dois maiores obstáculos a fazer negócios a burocracia ineficiente e as regulações restritivas do trabalho. Alguém compreende que para mudar um horário de almoço seja necessário pedir autorização ao ministério? É politicamente compreensível (mas economicamente não) que um governo evite legislação que facilite o despedimento, mas já não se percebe que evite simplificar a regulamentação, que tem imensos custos de cumprimento (compliance costs).

Os próprios tribunais do trabalho fazem parte do problema da ineficiência do mercado laboral, com os seus atrasos e a sua notória parcialidade.

Se querem mexer no mercado laboral, convinha que tivessem objectivos mais amplos e não uma mera reacção às medidas de um dos piores exemplos sobre o assunto, a Espanha. Uma coisa é certa, não é com reformazinhas destas que vamos evitar o FMI ou mais uma década perdida.