sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Dívida pública na bolsa

A Euronext Lisboa apresentou uma proposta ao governo de transaccionar dívida pública em bolsa, mas o governo ainda não tomou uma decisão. Antes de mais, deve dizer-se que o estranho é isso não se verificar actualmente, porque o normal era isso mesmo.

Que implicações poderá ter isto? Vou abordar esta questão separando-a inicialmente entre um movimento de mera reafectação de investimentos e posteriormente analisando um eventual aumento da taxa de poupança das famílias.

As actuais taxas de juro da dívida pública portuguesa (cerca de 7%) são muitíssimo superiores a aplicações alternativas, ainda que a prazos mais curtos. Assim sendo, será de esperar uma fuga de depósitos para dívida pública. Poderá esperar-se que as taxas de juro da dívida pública baixem? É improvável. Se os investidores detectarem esta procura adicional, o mais provável será aproveitarem-na para despejar mais dívida no mercado.

Os bancos, por seu lado, vão ficar com menos recursos, podendo responder de duas formas: ou recorrendo mais aos fundos do BCE ou cortando ainda mais na concessão de crédito. No curto prazo poderão voltar-se para o BCE, mas com os testes de resistência a valorizarem as questões da liquidez, ficarão quase obrigados a cortar no crédito num futuro próximo, agravando as nossas perspectivas económicas.

Considerando apenas este feito de reafectação de investimento (que poderá também traduzir-se numa diminuição do crédito), é como se Portugal trocasse financiamento externo de investidores institucionais pelo BCE, ironicamente com caução de dívida pública.

Mas será possível que, para além disso, possamos assistir a um fenómeno de aumento de poupança das famílias, devido ao acesso a aplicar as suas poupanças a taxas de juro mais elevadas do que as actualmente disponíveis? Tenho sérias dúvidas, porque isto surge num período em que os particulares vão ser já forçados a uma redução forte do consumo, quer devido à quebra de rendimentos, quer devido à subida de impostos.

Há ainda outro factor, que se prende com a volatilidade das cotações da dívida pública. As variações das taxas de juro traduzem-se em variações (inversas) das cotações desses títulos. Por isso, vai acontecer as pessoas receberem um extracto bancário em que o valor das suas obrigações será inferior ao do mês anterior. Isso vai introduzir um sobressalto, os particulares perceberem que afinal os 7% são muito incertos, que pode mesmo abrandar o fenómeno de fuga dos depósitos.

Se me é permitido deixar uma recomendação a este governo, diria que esta não é a melhor conjuntura para avançar com esta ideia. Há ainda outra razão, política, que o governo não pode assumir publicamente. Quando milhares de portugueses tiverem dívida pública nas suas carteiras, vão ser milhares de eleitores a perceber de forma extraordinariamente concreta, no seu bolso, o que significa a falta de confiança dos investidores internacionais nas nossas contas públicas. A má vontade contra o governo só poderá aumentar.

1 comentário:

Adriano Volframista disse...

Pedro Braz Teixeira
Este governo convive mal com mercados razoavelmente livres. O episódio/novela da PT poderia servir de exemplo por todos.
O governo com esta medida pretende apenas e só, diminuir a exposição aos credores externos não diminuir a dívida.
Mais uma vez, trata-se de uma medida política/económica; o que o governo quer é escapar ao escrutínio não controlado da sua actividade.
Desconheço a sua idade mas, posso afiançar-lhe que, esta época tem o cheiro a bafio dos últimos dois/três anos do consulado de Marcelo Caetano
Cumprimentos
joão