segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Esperar para ver

O governo alemão deu uma grande volta na posição face à crise do euro, parece que está em vias de deixar de reagir para começar a agir.

German Chancellor Angela Merkel wants to stabilize the euro through a "pact for competitiveness" that would force EU members to coordinate their national policies on issues like tax, wages and retirement ages. The plan would transform the EU if it becomes reality, but resistance will be fierce – including from within Merkel's own governing coalition.

Desde já saúda-se que a Alemanha tenha evoluído do foco excessivo sobre as contas públicas, para atribuir uma nova importância aos temas da competitividade e do crescimento.

Das ideias que se conhece, parece que há uma certa confusão, porque quando se fala de “coordenação” parece que ser quer dizer “uniformização”. Enquanto haver mais coordenação é algo quase tautologicamente bom, mais uniformização pode bem querer dizer mais conflitos e resistências, sobretudo em matérias fiscais.

Há um aspecto ainda não esclarecido, mas que é provável que venha a ser esclarecido em breve, que é a necessidade de criar mecanismos de excepção nos casos de países que já têm fortes desequilíbrios externos. A actual legislação europeia não o permite, mas será necessário que se autorizem esses países a introduzir discriminação entre bens transaccionáveis e bens não transaccionáveis, para facilitar “desvalorizações internas”. Dito de outro modo, é necessário introduzir mecanismos de discriminação contra as importações vindas da Alemanha. Não é necessário ser um génio para imaginar as resistências que isto vai suscitar.

Sabendo-se que as propostas alemãs são condições necessárias para que eles abram os cordões à bolsa, é mais do que provável que inúmeros países as aceitem por isso mesmo, com uma muito baixa vontade e convicção de as concretizar. Ou seja, é muito provável que se criem mais problemas adiados.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Dívida pública na bolsa

A Euronext Lisboa apresentou uma proposta ao governo de transaccionar dívida pública em bolsa, mas o governo ainda não tomou uma decisão. Antes de mais, deve dizer-se que o estranho é isso não se verificar actualmente, porque o normal era isso mesmo.

Que implicações poderá ter isto? Vou abordar esta questão separando-a inicialmente entre um movimento de mera reafectação de investimentos e posteriormente analisando um eventual aumento da taxa de poupança das famílias.

As actuais taxas de juro da dívida pública portuguesa (cerca de 7%) são muitíssimo superiores a aplicações alternativas, ainda que a prazos mais curtos. Assim sendo, será de esperar uma fuga de depósitos para dívida pública. Poderá esperar-se que as taxas de juro da dívida pública baixem? É improvável. Se os investidores detectarem esta procura adicional, o mais provável será aproveitarem-na para despejar mais dívida no mercado.

Os bancos, por seu lado, vão ficar com menos recursos, podendo responder de duas formas: ou recorrendo mais aos fundos do BCE ou cortando ainda mais na concessão de crédito. No curto prazo poderão voltar-se para o BCE, mas com os testes de resistência a valorizarem as questões da liquidez, ficarão quase obrigados a cortar no crédito num futuro próximo, agravando as nossas perspectivas económicas.

Considerando apenas este feito de reafectação de investimento (que poderá também traduzir-se numa diminuição do crédito), é como se Portugal trocasse financiamento externo de investidores institucionais pelo BCE, ironicamente com caução de dívida pública.

Mas será possível que, para além disso, possamos assistir a um fenómeno de aumento de poupança das famílias, devido ao acesso a aplicar as suas poupanças a taxas de juro mais elevadas do que as actualmente disponíveis? Tenho sérias dúvidas, porque isto surge num período em que os particulares vão ser já forçados a uma redução forte do consumo, quer devido à quebra de rendimentos, quer devido à subida de impostos.

Há ainda outro factor, que se prende com a volatilidade das cotações da dívida pública. As variações das taxas de juro traduzem-se em variações (inversas) das cotações desses títulos. Por isso, vai acontecer as pessoas receberem um extracto bancário em que o valor das suas obrigações será inferior ao do mês anterior. Isso vai introduzir um sobressalto, os particulares perceberem que afinal os 7% são muito incertos, que pode mesmo abrandar o fenómeno de fuga dos depósitos.

Se me é permitido deixar uma recomendação a este governo, diria que esta não é a melhor conjuntura para avançar com esta ideia. Há ainda outra razão, política, que o governo não pode assumir publicamente. Quando milhares de portugueses tiverem dívida pública nas suas carteiras, vão ser milhares de eleitores a perceber de forma extraordinariamente concreta, no seu bolso, o que significa a falta de confiança dos investidores internacionais nas nossas contas públicas. A má vontade contra o governo só poderá aumentar.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Sair do euro (6) Um guião ideal?

Haverá ainda uma saída airosa para o imbróglio do euro? Talvez.

A primeira ideia a reter, essencial para o cenário que vou descrever, é que uma depreciação é um mal menor e corrente e que uma bancarrota (mesmo nas suas formas mais benignas como a reestruturação) é uma situação de uma gravidade extrema e raríssima, ao nível da dívida soberana. Só para falar do caso português, a última situação de bancarrota (parcial) ocorreu em 1892, ao passo que desde então os episódios de depreciação da moeda foram inúmeros, sem terem um impacto significativo na nossa imagem externa.

Tendo esta preocupação em mente, vou descrever um cenário de solução que não envolve qualquer bancarrota soberana.

Imaginemos então que os países periféricos com dificuldades devido à força do euro ou por outras razões (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália) se juntavam e solicitavam aos restantes (Alemanha, França e outros) uma forma peculiar de cisão do euro. Seria este segundo grupo de países a retirar-se colectivamente do euro, formando algo que vou designar por “marco europeu”.

No momento da cisão este marco valeria um euro, devendo apreciar-se logo de seguida em, digamos, 10% face ao dólar, e 30% face ao euro. Ou seja, o novo espaço não deveria ver a sua competitividade muito afectada no contexto internacional, embora claramente diminuída face ao euro restante.

Os alemães e seus parceiros veriam os seus empréstimos aos membros restantes do euro fortemente desvalorizados. Isso seria o preço a pagar para criar uma nova moeda única limpa de países que recorrentemente têm problemas. É bom salientar que o que está actualmente em cima da mesa é ter que fazer transferências por cada nova crise que surja, num processo sem fim.

Numa segunda etapa, o euro desapareceria, voltando os países periféricos a recuperar as suas moedas nacionais na proporção de um para um com o euro, que sofreriam depreciações modestas, já que o grosso da depreciação já teria ocorrido aquando da primeira cisão.

Com as novas moedas depreciadas, os países periféricos deveriam conhecer um surto de crescimento e diminuição de desemprego, que ajudaria a contrabalançar a perda de poder de compra que acompanharia a depreciação.

Durante algum tempo, conviria que os movimentos de capitais de curto prazo fossem suspensos, para não se estar a substituir a luta contra os especuladores de taxa de juro soberana, com a luta com a taxa de juro monetária.

Um aspecto decisivo que permite evitar a bancarrota é que as dívidas pública e externa dos países periféricos passam a estar denominadas na sua própria moeda. Então passa a estar disponível um outro mecanismo para reduzir a dívida: a inflação.

É certo que em todo este processo há transferência de poder de compra dos credores para os devedores, embora não haja bancarrota formal.

É importante recapitular o conjunto da proposta: os países mais fortes sofrem perdas, os mais fracos perdem poder de compra mas conseguem voltar a prosperar e uma certa forma de moeda única é salva, num processo relativamente pacífico. É evidente que quem perde vai ficar insatisfeito, mas a comparação que tem que ser feita é com o cenário em que as perdas são ainda maiores e o próprio casamento e divórcio são muito mais litigiosos.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Sair do euro (5) Garantia dos Depósitos

Muitos líderes europeus têm enchido a boca a dizer que estão dispostos a fazer tudo o que seja necessário para defender o euro. A sério?

Uma das medidas mais obviamente necessárias para defender e preservar a médio prazo o euro é a criação de um verdadeiro orçamento federal, muitíssimo superior ao actual, que representa pouco mais de 1% do PIB comunitário. Pelo contrário, a intenção dos países contribuintes (Reino Unido, França, Alemanha, Holanda e Finlândia) é de o congelar até 2020!

Outra medida, menos estruturante, mas que dá mais tempo aos países para resolverem os seus problemas, com menos pressão orçamental, é a criação de obrigações europeias. “Pois, mas isso nem pensar!”.

Sugiro uma terceira medida, que não tenho ideia de ter sido proposta até agora: a criação de um Fundo Europeu de Garantia dos Depósitos.

Se um banco sedeado na Califórnia estiver em risco de falir, ninguém esperará que o Estado da Califórnia venha em seu socorro, o banco irá à falência e os depositantes desse banco serão compensados pelo fundo de garantia federal (Federal Deposit Insurance Corporation), criado em 1934.

Na zona do euro, houve inclusive pressão europeia para ser o Estado irlandês a salvar os bancos aí sedeados, colocando as suas contas públicas em tal risco que se viu forçado, de novo sob pressão dos seus pares, a recorrer ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira e ao FMI.

A criação de um fundo europeu de garantia dos depósitos poderia trazer inúmeras vantagens, desde logo o de tornar o eventual salvamento de bancos um assunto europeu e não nacional, diluindo algum contágio entre o sector financeiro e a dívida soberana, um dos problemas detectados por Reinhart & Rogoff.

Este fundo europeu constituir-se-ia pela agregação dos fundos nacionais já existentes, com uma uniformização de regras e, mais importante, maior exigência. É evidente que as contribuições para o fundo deveriam ser função não só dos rácios de capital dos bancos, mas também da sua liquidez. Os investimentos financeiros de longo prazo, que se permite que não sejam avaliados pelas cotações de mercado, teriam que passar a ser avaliados considerando pelo menos parte das perdas potenciais. Não é possível continuar a fingir que activos com perdas sustentadas de 20% nas cotações possam continuar a ser avaliados como se estivesse tudo bem, ainda por cima quando representam uma percentagem significativa dos capitais próprios dos bancos.

É evidente que os testes de resistência dos bancos teriam que passar a ser muito mais exigentes e os próprios resultados destes testes deveriam influenciar as contribuições dos diferentes bancos para este fundo de garantia dos depósitos.

Na verdade, um fundo europeu de garantia de depósitos levaria a uma avaliação muito mais rigorosa dos riscos dos bancos, podendo servir para aumentar a transparência no sector e revitalizar o mercado monetário.

Simplificando um pouco, os países com mais problemas de dívida pública são os países com défices externos, enquanto os países com superavits externos, ou seja, com excesso de poupança, são os que mais compraram aquela dívida pública em risco, sobretudo através dos seus bancos.

Ou seja, a Alemanha e a França são dos países com mais problemas no sector bancário, o que os poderia aproximar da solução descrita acima. Esta parece ser mesmo uma das soluções sistémicas para a zona do euro a que a Alemanha menos se deve opor. A não ser que a ideia de sair do euro já esteja a ficar tão enraizada, que os alemães já não se queiram envolver em nada de que deverão sair em breve.

Esta medida teria três vantagens. Em primeiro lugar, afastaria mais o cenário de uma crise bancária se traduzir numa crise de dívida soberana, diminuindo a probabilidade do efeito dominó, que ameaça a zona do euro. Será importante referir que os dois países na linha da frente para cair estão com problemas bancários: os bancos portugueses estão sem acesso a liquidez no mercado desde Abril do ano passado e os bancos espanhóis estão com problemas de solvência, devido ao rebentamento da bolha imobiliária.

Em segundo lugar, seria um teste à determinação dos líderes europeus em tomar medidas importantes que possam servir mesmo para defender o euro.

Em terceiro lugar, num cenário de desmoronamento do euro (que eu considero o mais provável) permitiria transferir parte dos custos de reestruturação da dívida bancária para o nível europeu, aliviando quer os bancos, quer os países afectados.