quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Sair do euro (4) Fim do euro

São quatro as razões pelas quais não acredito no futuro do euro. Em primeiro lugar porque tem uma arquitectura muito incompleta, em que avulta a ausência de um orçamento federal, problema para o qual não existe a mais leve vontade política de resolução.

A segunda razão prende-se com as diferenças de mentalidade (ou de preferências) dentro da Europa, que são um obstáculo à unidade. Porque é que os países actualmente em dificuldade não são uma amostra aleatória da zona do euro, mas sim praticamente os mesmíssimos que tinham idênticos problemas graves de desequilíbrios nas suas contas públicas e externas no século XIX? Alguém pode acreditar que se trata de uma mera coincidência, da qual nada se pode inferir?

Em terceiro lugar, houve um acompanhamento muito deficiente das economias na fase que antecedeu a adesão, bem como posteriormente. Neste aspecto basta referir que Portugal apresentou um brutal défice externo (quase 9% do PIB) já em 2000 e desde então este tem-se mantido praticamente intacto. É estranhíssimo que um desequilíbrio tão elevado e tão persistente nunca tenha merecido severas recomendações para o corrigir.

Mesmo no caso das contas públicas, onde havia metas numéricas, houve uma extraordinária complacência quer para com a desonestidade da Grécia em relação aos seus números, quer com medidas de óbvia desorçamentação, como foi o caso das SCUTs em Portugal.

Estes problemas passados são extraordinariamente importantes para o futuro, pela quarta razão porque não acredito no futuro do euro: porque o sistema de alerta é intrinsecamente instável, como já expliquei aqui: com moeda própria a variável que sinaliza os problemas ajuda a resolvê-los; numa união monetária a variável que sinaliza os problemas agrava esses mesmos problemas.

Se o sistema do euro não tivesse acumulado desequilíbrios tão significativos (muito para lá dos que derivam da chamada Grande Recessão, iniciada em 2008) talvez pudesse sobreviver. Assim, a única dúvida que resta é saber até que ponto este fim vai ser amigável ou conflituoso, ou seja, até que ponto vai destruir muito do projecto de paz na Europa.

Há quem defenda que a união política ainda poderia ser a salvação do euro e da UE mas, para além da fortíssima resistência política a esse passo, é necessário desfazer a doce ilusão de que mais integração conduz a mais paz. Há já uma década que isso não é verdade e que o projecto europeu tem criado crescentes resistências e conflitos.

Uma união política, ao obrigar mais países a engolir políticas da maioria, mas indesejáveis para eles, poderia bem ser o golpe de misericórdia da UE.

PS. Para comodidade dos leitores, passo a acrescentar as ligações desta série:

http://cachimbodemagritte.blogspot.com/2010/11/sair-do-euro-1.html

http://cachimbodemagritte.blogspot.com/2010/11/sair-do-euro-2-faz-sentido-abordar-o.htm

http://cachimbodemagritte.blogspot.com/2010/11/sair-do-euro-3-falta-mecanismo-de.html

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Paz na Europa

O objectivo último da construção europeia é a paz e não propriamente a prosperidade económica, ainda que esta possa contribuir em algum grau para aquela. Para alcançar aquele objectivo usou-se o instrumento da integração, alargando o número de países e o número de áreas abrangidas pela “Europa”.

Infelizmente, nos últimos anos parece que se esqueceu a hierarquia das questões e tem havido uma insistência absurda no instrumento e um desprezo incompreensível pelo objectivo. Talvez durante muitos anos a integração possa ter sido o instrumento ideal para alcançar o objectivo da paz, mas ultimamente parece que se esqueceu que a integração não é um objectivo em si mesmo.

A Europa “à la carte” pareceria uma estratégia muito mais de acordo com o objectivo da paz, já que os países escolheriam, para além de um núcleo central, apenas as áreas que considerassem convenientes. Ninguém seria forçado a seguir a opinião da maioria. Como todas as integrações seriam voluntárias é provável que isso minimizasse os conflitos.

No caso do euro parece que se cometeu o mesmo erro de inverter a hierarquia das questões e colocar o instrumento integração acima do objectivo da paz. Os países da UE são obrigados a aderir ao euro (com excepções negociadas), a partir do momento em que preencham os requisitos de entrada. Nem sequer foi previsto que um país, depois de entrar, possa escolher sair.

A frágil arquitectura do euro e a má gestão da sua criação e desenvolvimento colocaram-nos numa situação clara em que a integração é inimiga da paz.

Numa situação normal, quando um instrumento se revela contrário ao alcançar do objectivo, esse instrumento é posto de lado e substituído por outro mais adequado. No caso da UE, em que se confundiu o instrumento com o objectivo, há uma resistência brutal em mudar de instrumento.

Considero que o projecto do euro tem demasiadas fragilidades e já acumulou um conjunto excessivo de problemas para conseguir sobreviver a prazo. Só vejo duas saídas: um divórcio amigável ou um divórcio litigioso.

Um dirigente europeu que perceba que o mais importante é a paz, deveria tomar passos para encontrar o mais rápido possível as condições para se produzir um divórcio amigável.

Um dirigente “europeísta”, obcecado pela integração e incapaz de perceber que ela não é um objectivo mas apenas um instrumento, vai tentar prolongar o euro para além do defensável, conduzindo ao divórcio litigioso. É extraordinariamente irónico que sejam os defensores da integração aqueles que se preparam para destruir o projecto europeu e que mais inimizades vão criar. Infelizmente, parece-me que é este grupo que vai dominar os acontecimentos. O processo vai ser muito feio e no final a Europa vai estar mais longe da paz do que esteve nas últimas décadas.

Ser europeísta, uma escolha e não uma obrigação, não significa defender mais integração, mas sim defender mais paz. E estes “europeístas” vão destruir o verdadeiro objectivo da construção europeia desde o seu início: a paz.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Denegação

Trichet está com um discurso de denegação, como muitos outros líderes europeus, que se recusam a enfrentar alguns dos cenários possíveis, para não dizer prováveis.

Deixo só mais uma nota, desta feita da edição internacional do “Der Spiegel”:

“All of Europe's eyes are on Berlin these days, because it opposes euro bonds, insists that private lenders be involved in government bankruptcies and is discussing scenarios for an end to the current monetary union.” [meu negrito]

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Fundação para a Convergência

Estamos a viver tempos com duas tendências opostas: temos uma classe político-partidária em degradação (a vários níveis) e desafios políticos cada vez mais exigentes. Há um fosso cada vez maior entre a classe política que temos e a que precisamos, também a nível europeu, mas as deficiências em Portugal parecem-me mais notórias devido à ausência ou debilidade de estruturas intermédias.

Uma das omissões mais chocantes é o das universidades, em particular as públicas. Porque é que as Faculdades de Economia (isoladamente ou em conjunto) não produzem um documento anual – de referência – sobre os problemas estruturais do país e com propostas de caminhos da sua resolução? Estas Faculdades permitiram, com o seu silêncio, que o actual governo ignorasse os nossos gravíssimos problemas de divergência estrutural com a UE (que dura há uma década) e a nossa dívida externa explosiva (desde há 15 anos).

Há algumas associações, tal como a Sedes, com um trabalho relevante mas, como reconhece Vítor Bento, um dos seus membros, o diagnóstico dos problemas ainda não está consensualizado, quanto mais o das terapias. Tem havido assim, uma grande dificuldade em conseguir consequências práticas deste trabalho.

Tendo em vista os problemas identificados, aproveito para expor uma recomendação do FMI (não se assustem, que não é o que estão a pensar), contida no seu relatório sobre Portugal de 2008, ao abrigo do Artigo IV, (pág. 28, Out-08). Esta instituição falava na criação de mecanismos para formular uma agenda de convergência (com a UE), citando exemplos de mecanismos que correram bem em outros países: a) comité de peritos (por exemplo, a Comissão da Produtividade na Austrália e várias comissões em França e no Reino Unido); b) “comités de ‘stakeholders’ para gerar um consenso baseado num diagnóstico partilhado” (por exemplo, o Pacto de Toledo, firmado em Espanha em 1995, de reforma das pensões, ou o Conseil d’Orientation des Retraitesem França).

Defendo a criação de uma Fundação para a Convergência com a UE, com a missão de ajudar a focar a atenção nos problemas essenciais que referi no início e a angariar apoio social alargado para as medidas politicamente mais difíceis. Desta Fundação deveriam fazer parte, desde logo, os maiores bancos, por duas razões. Em primeiro lugar, a banca é quem deverá sofrer com mais intensidade a crise de financiamento que se agiganta, sendo assim quem tem mais interesses em que esta crise se dissolva, por trabalho feito em Portugal. Em segundo lugar, a banca tem departamentos de análise que já têm trabalho e reflexão feitos sobre o diagnóstico e as terapias adequadas aos problemas citados.

Para além da banca, julgo que as maiores empresas exportadoras, de concorrentes de importações e de turismo deveriam estar presentes, para exporem as suas dificuldades concretas em expandir as suas actividades e, obviamente, proporem soluções pouco onerosas. Entendo que as grandes empresas do sector não transaccionável, em particular a EDP, a PT e a Galp, não devem estar presentes, por fazerem mais parte do problema do que da solução.
Seria utilíssima a participação das centrais sindicais, mas parece difícil que elas concordem no diagnóstico, quanto mais na terapia.

Esta Fundação deveria ajudar o governo a expor o egoísmo das corporações que se opõem a reformas, bem como ter a preocupação de passar de recomendações gerais, para propostas concretas de medidas, tipo “chave na mão”, para resolver os nossos problemas estruturais. Aquilo que se passou com o Orçamento de 2011 parece-me paradigmático da necessidade de ter um trabalho de casa feito, de forma detalhada. O governo não se tinha preparado minimamente para o que era necessário e apresentou um documento, que parecia feito numa tarde. Assim, esta Fundação deveria preocupar-se em ir claramente para além de recomendações genéricas.

Prevejo que os próximos tempos sejam tão complicados, que muitas resistências sejam quebradas e que reformas ainda há pouco pensadas como impossíveis sejam finalmente passíveis de ser concretizadas. Mas para passarem ao terreno, têm que estar já delineadas e “prontas a servir”.

[Publicado no Jornal de Negócios]

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Tomar nota

Em entrevista ao Público de hoje (sem link), Lucio Caracciolo, director da revista de geopolítica italiana Limes, diz, entre outras coisas:

“Nós, em Itália, também estamos a começar uma discussão sobre se o nosso país, antes de ser empurrado para fora [do euro], deve decidir por si próprio sair. Seria uma crise tremenda, mas criaria a possibilidade de usar a moeda para crescer, como fazíamos antes.”

domingo, 5 de dezembro de 2010

Reformas no mercado de trabalho

Um dos problemas que impediam a zona euro de ser uma zona monetária óptima era a falta de mobilidade de trabalhadores, bem como a falta de flexibilidade salarial. Sendo certo que as diferenças linguísticas e históricas nunca permitiriam atingir a mobilidade existente nos EUA, tinha feito todo o sentido que um dos critérios de adesão ao euro fosse a introdução de reformas muito significativas no mercado de trabalho. Deveria ter-se apostado em substituir a flexibilidade conferida pela taxa de câmbio (que seria perdida com a adesão do euro) por uma flexibilidade laboral.

Note-se que esta flexibilidade não teria que traduzir-se na uniformização de legislação e de práticas, mas era necessário que fosse concretizada. Não tendo sido concretizada na altura certa, nada obsta a que seja agora introduzida.

Portugal tem dois graves problemas – divergência estrutural com a UE e elevado défice externo – que exigem uma reforma profunda no mercado de trabalho, de molde a tornar o nosso país um destino atractivo de investimento estrangeiro.

De acordo com o Fórum Económico Mundial (Set-10), Portugal tem vindo a perder competitividade, tendo caído da posição 25ª em 2004 para a 46ª em 2010. O elemento que mais contribui para esta baixa posição é o mercado de trabalho, onde nos classificamos na 117ª posição em 139 países. Neste indicador, a Estónia está em 17º, a Rep. Checa em 33º, a China em 38º, a Eslováquia em 40º, a França em 60º, a Alemanha em 70º.

Dentro do mercado de trabalho, os indicadores onde temos a pior avaliação são: práticas de contratação e despedimento (138º, penúltimo lugar!); custos de despedimento (123º) e flexibilidade na determinação dos salários (119º).

O governo pode alegar que já fez importantes reformas, mas os outros países também fizeram e Portugal mantém-se como um dos países do mundo onde é menos interessante criar empregos. Se não conseguirmos atrair investimento estrangeiro vai ser muito mais difícil reduzir o défice externo e voltar a crescer a sério.

Mais grave ainda é o que se poderá passar com os grandes grupos nacionais que vivem fora da dependência do Estado. Estes estão já a apostar na internacionalização, em parte devido às anémicas perspectivas de crescimento económico e fraca rentabilidade dos investimentos em Portugal. Muitos começam a estar em vias de fazer mais de metade do negócio fora de Portugal. Se o agravamento da tributação continuar é bem possível que decidam transferir a sede para outro país.

Os grandes grupos nacionais que vivem dependentes do Estado estão condenados ao definhamento em Portugal e à internacionalização, porque não será mais possível continuar a sustentá-los como até aqui.

Se não conseguirmos atrair novos investidores e perdermos os investidores habituais, iremos afundar-nos ainda mais numa espiral de decadência, de emigração dos melhores, em que cada novo passo gera uma nova degradação.