quarta-feira, 6 de outubro de 2010

PEC 3

1. O governo não apresentou um verdadeiro PEC 3. Por um lado esqueceu os dois anos finais do PEC e por outro lado esqueceu-se de tratar dos problemas gravíssimos da divergência com a UE e da dívida externa galopante.

Em relação às contas públicas, parece que a derrapagem era afinal muito mais grave do que todos suspeitavam. A única forma de os mercados perdoarem o truque com o fundo de pensões da PT é o governo conseguir colocar o défice de 2010 claramente abaixo dos 7,3%. O governo deveria mostrar ser capaz de fazer este ano pelo menos metade do que se propôs, sob pena de dar uma nova machadada na sua credibilidade, fazer subir os juros e deitar todo o sacrifício dos portugueses pela borda fora.

As medidas para 2011 parecem vindas de um governo que chegou ao poder há um mês e que não teve tempo de pensar em reformas estruturais. Do lado da despesa insisto na ideia já aqui descrita de fazer benchmarking sectorial com Espanha. Como é que se explica que Portugal gaste quase o dobro de Espanha em educação (em percentagem do PIB)?

A subida do IVA é uma oportunidade perdida de recuperar competitividade, quando deveria ser usado como contrapartida de uma redução das contribuições patronais para a segurança social nos sectores transaccionáveis (agricultura, indústria e turismo).

A descida dos salários na função pública acaba por ser a medida mais promissora (ainda que seja cega), por quebrar o tabu dos direitos adquiridos. O princípio deveria ser estendido às pensões mais elevadas, mas diferenciando as pensões que resultam de um número significativo de anos de contribuições, daquelas que se baseiam num período ínfimo de contribuições.

Tem havido sinais contraditórios do governo, mas seria uma excelente oportunidade aproveitar esta medida para facilitar descidas de salários no sector privado, como sugeriu o presidente da CIP. Há certamente imensos trabalhadores que prefeririam sofrer uma diminuição de salário do que ser despedidos.

Do ponto de vista macroeconómico, nada poderia ser mais benéfico. Ainda no mês passado defendi aqui o congelamento de salários no sector privado durante muitos anos, para impedir uma escalada imparável do desemprego. Se afinal há condições políticas e sociais para aprovar descidas de salários, isso significará um ajustamento muito mais rápido da economia, com muito menos desemprego.

Se na actual conjuntura o governo insistir no TGV isso será equivalente a bater com um pano encharcado na cara de cada um dos contribuintes, a quem se pedem tantos sacrifícios.

2. É altamente provável que haja eleições em 2011 e que o PSD as ganhe. Seria altamente trágico que os portugueses dessem a vitória pela quarta vez consecutiva desde 2002 a um partido que fez campanha a prometer que não subia os impostos e depois os sobe mal chega ao poder.

Parece que o PSD se comprometeu a apresentar um conjunto de propostas de redução da despesa que evitam um aumento de impostos superior ao já acordado no PEC 2. É muito importante que isso seja feito, com detalhe, porque a nossa democracia não aguenta mais uma vitória eleitoral com uma campanha enganadora. É muito importante que o PSD faça o seu trabalho de casa, que deve incluir alguma folga quer para o carácter recessivo desse mesmo pacote (ou o do governo), quer para uma previsível subida das taxas de juro até às próximas eleições.

Os portugueses não vão querer saber de desculpas do que aconteceu entretanto “e coisa e tal…”. Quem quer assumir o governo do país tem que ser previdente e preparar-se para os problemas que não são difíceis de adivinhar, sobretudo tendo em conta o comportamento a que o actual governo já nos habituou.

É mil vezes preferível condicionar agora a subida de impostos do que recusar liminarmente tal ideia e daqui a alguns meses estar a subi-los na mesma. Portugal não aguenta que lhe mintam mais uma vez.

[No Jornal de Negócios]

1 comentário:

Adriano Volframista disse...

Pedro Braz Teixeira

O governo está sem narrativa. Se reparou,só nos poucos temas onde é possivel aplicar a narrativa oficial, encontramos alguma actividade; senão vejamos:
Orçamento, campo favorito do governo e do PS.
Estado social, também é o campo favorito, se bem que esteja deslustrado com os cortes;
Aumento do IVA tambéma aqui encontramos actividade;
Despesas da responsabilidade de outros: os submarinos vieram a calhar, mas não tem grande prazo de validade.
No resto não consegue encontrar narrativa: claudica na implementação dos cortes nos salários; é ruinoso na prestação mediática nos jornais económicos; não sabe sequer como atacar as despesas que engordam os organismos.
Não encontra uma jusitifcação abrangente, nem consegue acertar no âmbito, alcançe e prazo para a medida mais importante: redução de salários.

O mundo tal como o conceberam está a esbroar-se muito rapidamente e não encontram alternativa. Nesse sentido, as medidas vão inevitavelmente, ser mal conduzidas e mal implementadas.
No final vamos fazer o que não queremos mas, ao contrário da Grécia, com uma população que se irá considerar enganada por toda a classe política e não apenas por um partido apenas.
A nossa classe política é de muito má qualidade e, nestes momentos, vamos arrependermo-nos de não ter sido mais exigentes na escolha dos mesmos.

Acho que "isto" vai acabar mal.

Cumpirmentos
João