terça-feira, 24 de agosto de 2010

Absurdo português

Uma das mais peculiares características nacionais é a capacidade deslumbrante de assistir impávido ao absurdo, tempos sem fim.

Uma cidadã portuguesa foi assassinada no Brasil, mas a PGR não está a investigar o caso porque uma “solicitação ou comunicação [das autoridades brasileiras] é condição essencial para que a justiça portuguesa possa tomar qualquer tipo de iniciativa.

24 de Agosto de 1820

A 24 de Agosto de 1820 deu-se um pronunciamento militar no Porto, que marca o fim da monarquia absoluta e simboliza o início do regime de monarquia constitucional. Simboliza também a entrada de Portugal na Idade Contemporânea, segundo a divisão tradicional da história em períodos, Idade em que ainda hoje nos encontramos.

A monarquia constitucional foi substituída pela 1ª República em 1910, uma alteração que muitos parecem ver como sendo de um progresso inexcedível, que colocou Portugal na linha da frente da História. A substituição de um regime constitucional por outro regime constitucional é, do ponto de vista histórico, claramente secundário face à alteração profunda que se deu da passagem do regime absolutista para um regime constitucional.

Para se ter uma ideia mais clara disto atente-se na lista de países profundamente “atrasados”, cívica, social, política e economicamente que ainda não foram capazes de dar esse salto civilizacional tão importante que é o de passar de uma monarquia constitucional para uma república: Suécia, Noruega, Dinamarca, Holanda entre outros.

Por tudo isto, faz muito mais sentido comemorar o 24 de Agosto do que o 5 de Outubro.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Prazos constitucionais?

A nossa constituição tem imensas normas que não têm dignidade constitucional. Entre elas está a fixação de prazos entre eleições, um questão meramente administrativa. Se se teme que os portugueses elejam um PR que não tenha discernimento sequer para escolher datas de eleições, não vale a pena “proteger” os portugueses apenas desta questão, porque um PR sem esse discernimento faria mil estragos mais graves ao país.

Esta questão dos prazos é sempre absurda, mas neste momento é particularmente grave. Temos perante nós doze meses que se devem mostrar dos mais difíceis da 3ª República, com a ameaça de bancarrota a ensombrar ciclicamente o país. O PR ficar sem o instrumento de eleições antecipadas (falo não só no acto, mas também na ameaça do acto, que é parte integrante deste poder) é equivalente a ficarmos sem leme no preciso momento em que a tempestade se agrava.

Seria muito útil que as novas propostas de revisão constitucional retirassem do actual texto praticamente todos os prazos de carácter meramente administrativo, que só estão a sujar a constituição e que podem ter consequências bem graves nos próximos tempos.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Orçamento por duodécimos

O governo parece preocupado com um eventual chumbo da sua proposta de OE para 2011. Desde logo deve dizer-se que um governo minoritário, que esteja preocupado com aprovação da sua proposta, deve negociar apoios para conseguir essa aprovação. Se não negociar, estará a ter uma atitude “irresponsável”.

Mas imaginemos que toda a oposição é “irresponsável”, incapaz de aceitar as condições extraordinariamente razoáveis que o governo propõe e chumba a proposta do governo. Nesse caso teremos um orçamento por duodécimos, com as mesmas taxas de imposto de 2010, a mesma autorização de despesa nominal e a mesma autorização de aumento nominal da dívida pública.

Destas três características o governo só se poderia queixar da primeira e não muito. É dos livros que um programa de consolidação estrutural das contas públicas sustentável tem que ser feito do lado da despesa. Ou seja, um orçamento de 2011 igual ao de 2010 é perfeitamente compatível com o compromisso de redução do défice a que o governo se propôs. O Orçamento contém autorizações de despesa e não obrigações de despesa, pelo que o governo fica com toda a liberdade em proceder aos cortes da despesa necessários.

Em relação ao endividamento é suposto o governo precisar de muito menos em 2011 do que em 2010, devido à esperada redução do défice, pelo que aqui também não há nenhum problema. Aqui, de novo, o que é definido é um limite para o endividamento e não uma obrigação de endividamento.

Quanto à inflação, é excelente que não haja nenhuma correcção nos escalões do IRS, porque isso força a que não haja aumentos salariais, quer no sector público (para ajudar à redução do défice público), quer no sector privado (para ajudar à redução do défice externo).

Se, pela acção conjunta de todos os partidos, tivermos um orçamento de 2011 em duodécimos isso seria uma excelente notícia, porque ficávamos com a certeza de que a redução do défice se ia fazer mesmo pelo lado da despesa, como é necessário. E os contribuintes não poderiam ficar mais satisfeitos.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Aumentar a poupança

O nosso elevado e persistente défice externo (que se agravou no 2º trimestre) tem por trás dois problemas: falta de poupança e falta de competitividade. Em relação à competitividade, o Banco de Portugal recalculou-a e afinal caiu menos do que na zona do euro (Boletim Económico, Verão 2010, p. 28). Mas como esta revisão da competitividade não levou a qualquer revisão das contas externas, somos forçados a concluir que, em Portugal, mesmo uma modesta perda de competitividade tem efeitos devastadores sobre as contas externas, tendo levado a acumular uma dívida externa que já ultrapassa os 110 % do PIB.

Esta “descoberta” do Banco de Portugal não pode tranquilizar ninguém. A única esperança que ela poderá trazer é que uma modesta recuperação da competitividade traga um verdadeiro milagre sobre as contas externas, reforçando a necessidade de apostar justamente nessa recuperação.

Como o problema da competitividade tem recebido muito mais atenção do que o problema da poupança, vou hoje falar sobre este tema. Portugal foi o país da UE em que a poupança bruta mais caiu (de 19,8% em 1998 – último ano antes do euro – para 8,5% do PIB em 2009). No ano passado, já só a Grécia tinha uma poupança inferior a Portugal (5,0% do PIB, dados da OCDE, Jun-10). Estaremos com uma taxa de poupança que será cerca de metade da espanhola (19,7% do PIB em 2008). Ou seja, estamos com um grave problema de falta de poupança e em termos deste indicador estamos quase como os gregos.

Como aumentar a poupança? A primeira ideia que surge é a criação de benefícios fiscais para um tipo particular de aplicações. Mas tipicamente estes benefícios não aumentam a poupança (já viram alguém deixar de fazer férias no Brasil para fazer um PPR?), apenas desviam o seu destino. Num número muito significativo de casos, incentivos para activos particulares apenas atraem poupanças de anos anteriores. Pior ainda, ao não promoverem a poupança privada e ao diminuírem a poupança pública (pelo benefício fiscal) acabam por diminuir a poupança nacional, o que não poderia ser mais desadequado.

Há uma outra medida que não vale a pena pedir: uma redução generalizada e uniforme da fiscalidade sobre a poupança. Não vale a pena pedir porque não há margem orçamental para isto e porque, com taxas de juro brutas tão baixas, é altamente improvável que uma diminuição da fiscalidade produzisse quaisquer resultados sobre a poupança.

Uma medida mais drástica seria a redução dos impostos sobre o rendimento (IRS) e o aumento dos impostos sobre o consumo (IVA e outros). Em tempos normais esta medida provocaria uma fortíssima oposição por aumentar a desigualdade da distribuição dos rendimentos. Em tempos de subida generalizada de impostos é praticamente impossível de propor. Mesmo assim a melhor alternativa à redução do IRS seria a redução das contribuições sociais, o que ajudaria a melhorar a competitividade.

Só me ocorre mais uma alternativa, um pouco heterodoxa: uma campanha publicitária, para transmitir duas ideias. A primeira ideia é fazer passar a mensagem que estamos com uma taxa de poupança muito baixa, muito abaixo de Espanha e muito próxima da da Grécia. Estamos muito longe daquilo que já fomos capazes e muito próximo de comportamentos que nos podem colocar em grandes sarilhos.

A segunda ideia é a atitude a ter em relação à redução do consumo. Os portugueses não devem reduzir o consumo numa atitude de desgraçadinho, de quem está a fazer sacrifícios impensáveis, uma vítima de todas as perfídias, etc, etc. Devem fazê-lo numa atitude responsável. Ao poupar estou: a) a prescindir de gastos que não são verdadeiramente essenciais; b) a dar o meu contributo para que o país saia do buraco em que está; c) a ajudar o planeta, que está a ser muito maltratado pelo excesso de consumo (agravado pela falta de eficiência energética na produção), estou a reduzir a pegada ecológica.

[Publicado no Jornal de Negócios]