segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Limitar os direitos adquiridos

Uma das chagas maiores em Portugal são os chamados direitos adquiridos. Deve-se aproveitar os poderes constituintes da actual AR para introduzir uma cláusula que limite os direitos adquiridos, sobretudo invocando a necessidade da sustentabilidade das finanças públicas.

A intocabilidade dos direitos adquiridos é hoje tão delirante como já foi a irreversibilidade das nacionalizações.

Uma reivindicação exigida por sindicatos extremamente egoístas e cedida por um governo cobarde e irresponsável não pode ser um direito adquirido intocável.

Na educação em particular chegou-se a uma situação do domínio do absurdo, que não faz qualquer sentido que permaneça um direito adquirido:

  • os aumentos salariais entre o início e o fim de carreira são maiores do que os aumentos no ensino superior, apesar de aqui os obstáculos para passar de assistente estagiário a professor catedrático serem incomparavelmente mais exigentes;
  • no ensino não superior já há um número absurdamente elevado de professores na categoria de “professor catedrático”, isto é, no último escalão;
  • na subida entre escalões chega a haver subida de remuneração superiores a 20%, num país em que a produtividade nem cresce a 1% ao ano;
  • os educadores de infância estão equiparados a professores do ensino não superior, reformando-se com mais de 2500€, num país em que o salário mediano está abaixo dos 1000€;
  • Portugal gasta quase o dobro em educação (em percentagem do PIB) do que Espanha e uma parte anormalmente elevada deste gasto diz respeito a salários dos professores.

Nada disto faz sentido e menos sentido ainda faz que nós tenhamos que pagar ainda mais impostos para manter este absurdo intacto.

Criar imposto sobre crédito ao consumo

O único imposto que faz sentido subir é um que incida sobre o crédito ao consumo. Não é provável que este imposto gere muitas receitas, mas é para criar uma penalização social sobre este tipo de crédito.

Um medida que deveria vir em consonância com este imposto é a proibição da publicidade ao crédito ao consumo.

Como sempre sucede esta medida vai alterar comportamentos. Aliás, já hoje os bancos estão a passar crédito ao consumo para crédito à habitação, mais vantajoso para os bancos, porque tem garantia real, e mais vantajoso para as famílias, porque a taxa de juro é mais baixa. Não é obviamente difícil de prever que este movimento seria acentuado.

Este desvirtuar do crédito ao consumo não seria muito grave porque o objectivo principal deste imposto não é o arrecadar receita, mas transmitir mensagem de reprovação do crédito ao consumo.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Subir impostos?

Discute-se se será necessário subir impostos para conseguir controlar as contas públicas até 2013. Sou totalmente contra. Os impostos já estão no limite do insuportável.

Antes de subir impostos é necessário:

a) abortar os grandes investimentos públicos faraónicos e secundaríssimos;

b) congelar os salários dos funcionários públicos;

c) congelar as progressões automáticas na administração pública;

d) congelar as pensões acima de, digamos, 2 mil euros;

e) forçar a despesa pública sectorial a aproximar-se do nível que se verifica em Espanha (em percentagem do PIB), sendo que é na educação que a disparidade é maior.

Quanto à ideia de fazer privatizações para conter o crescimento da dívida pública, não faz muito sentido. Aparentemente pode haver a ilusão de uma dívida menor, mas na verdade o património do Estado ficará intacto com essa operação. Fica com menos dívida porque fica com menos activos, mas não fica mais rico.

O verdadeiro risco das contas públicas

O ministro das Finanças (cada vez mais político e cada vez menos economista) veio finalmente apresentar um orçamento rectificativo e suplementar, embora (para a confusão ser total) incompleto, apenas com a Administração Central.

As perspectivas para os próximos anos são aterradoras e há um compromisso de reduzir o défice para 3% do PIB em 2013. Parece que há a ideia de que, se não o fizermos, seremos multados em Bruxelas. Os mais atentos serão ainda capazes de perceber que seríamos também “multados” pelas agências de rating, com a consequente subida do custo da dívida.

Mas este não é o verdadeiro risco das contas públicas. A nossa dívida externa está numa trajectória insustentável e o descontrolo das contas públicas pode (e deverá) ser a gota de água que leva a fechar a torneira. Este credit crunch deverá gerar falências e desemprego em massa, uma catástrofe que nos fará olhar para a crise presente como uma mera constipação. Com a agravante de se piorar o nosso definhamento. As más condições portuguesas vão afastar ainda mais o investimento, dificultando ainda mais a recuperação. Se não pusermos as contas públicas na ordem, de certeza que esta catástrofe se abaterá sobre nós. Mesmo que púnhamos as contas públicas na ordem, se não tratarmos também da competitividade, teremos também a catástrofe, embora talvez um pouco mais tarde.

Que não haja ilusões de que os outros países europeus nos virão salvar. Muito pelo contrário, eles quererão mostrar-nos como exemplo de qual o castigo para quem não controla as contas públicas. E Portugal reúne todas as condições para sofrer um castigo exemplar.

Em primeiro lugar, Portugal foi o primeiro país a apresentar um défice excessivo, sem ter qualquer desculpa para isso. É importante não esquecer que os outros países com défices excessivos na altura tinham taxas de desemprego próximas de 10%, enquanto em Portugal ela estava próximo dos 4%. O que seria o nosso défice na altura se tivéssemos um desemprego como o de agora? E, ainda por cima, Portugal mentiu nas contas de 2001. Actualmente já é a terceira vez que estamos em défice excessivo.

Em segundo lugar, Portugal é um país muito pequeno (representa menos de 2% do PIB da zona do euro) pelo que problemas económicos cá não vão afectar quase nada os outros países. Problemas em Itália causariam uma mossa significativa no resto da Europa, mas em Portugal não. Sai muito barato usar Portugal como castigo exemplar.

Por tudo isto reafirmo que, se não controlarmos as contas públicas, teremos uma catástrofe de proporções bíblicas.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Este país existe? (3)

“Teotónio Pereira considera que igreja do Restelo é uma aberração.

“Apesar do seu exotismo, o projecto da igreja de Troufa Real para o Restelo foi apreciado pelos técnicos camarários como se de outro qualquer se tratasse. Não há, no processo consultado ontem pelo PÚBLICO na Câmara de Lisboa, qualquer referência dos técnicos nem à torre de cem metros, nem tão-pouco às cores a usar ou ao facto de a igreja ter a forma de um barco com ondas por baixo. Os funcionários apenas repararam em questões menores, como o número de lugares de estacionamento ou as taxas de construção a pagar pela igreja à autarquia. E estas, no valor de 198 mil euros, foram perdoadas, dada a finalidade da obra.”

http://www.publico.pt/Local/teotonio-pereira-considera-igreja-do-restelo-uma-aberracao_1410434

Um estilo muito “Banco de Portugal”

“Chefe do fisco que ajudava Godinho foi promovido com três directores-gerais

“Ao longo de dez anos, três directores-gerais de Impostos aceitaram promoções e transferências entre postos de chefia do chefe das Finanças de São João da Madeira, recentemente suspenso pelo tribunal de Aveiro na sequência da operação Face Oculta.”

http://economia.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1410469

Temos aqui mais um exemplo do estilo “Banco de Portugal”: não sabiam de nada, não faziam ideia, era impossível saber, só havia uns rumores que não se podia levar a sério, não se pode estar a investigar por dá-cá-aquela-palha, etc., etc.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Desemprego acelera

O desemprego está a acelerar, quer em termos trimestrais (passou de +0,2pp para +0,7pp), quer em termos homólogos (de + 1,8pp para +2,1pp), tendo-se fixado em novo máximo histórico (desde D. Afonso Henriques…) de 9,8%.

Mas estes valores só não são piores porque há muitos desencorajados a sair da população activa. Enquanto a população total subiu em 16 mil pessoas, a população activa caiu em 64 mil pessoas. Se não tivesse havido esta queda da população activa, o número de desempregados estaria acima dos 610 mil, e a taxa de desemprego nos 10,9%.

domingo, 15 de novembro de 2009

Boas novas “que a fortuna não deixa durar muito”

O crescimento trimestral do PIB foi particularmente elevado (0,9%):

a) está quase ao nível do que a CE espera para o conjunto do ano de 2010 (1,0%).

b) deverá permitir que em 2009 o PIB só caia entre 2,5% e 2,6%, menos do que a queda de 2,9% recentemente prevista pela CE.

c) em termos anualizados dá 3,6%, um valor que não se verifica desde 2000.

Na verdade há aqui dois efeitos extra que devem ser meramente temporários:

a) efeito base. Há uma recuperação a partir de níveis muito baixos, o que inflaciona as taxas de crescimento.

b) efeito das exportações líquidas. A crise afecta em particular o investimento (segundo a CE deve cair 15,2% em 2009) e os bens de consumo duradouro. As más perspectivas justificam que não se tente aumentar a capacidade produtiva e a compra de, por exemplo, automóveis, é adiada, a resposta mais fácil para as famílias à diminuição do rendimento. Estas componentes da procura interna são justamente as que têm uma maior componente importada. Por isso a crise é temporariamente benéfica para as exportações líquidas (de importações). Mas, como é evidente, este efeito vai-se dissipar muito em breve.

Para 2010 a CE ainda espera uma queda do investimento (de 4,1%) e provavelmente também dos bens de consumo duradouro (as previsões publicadas incidem sobre o conjunto do consumo e não descriminam as suas componentes).

Logo, é improvável que se repitam taxas de crescimento trimestral tão expressivas nos próximos trimestres.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Muro de Berlim

Completam-se hoje 20 anos sobre a queda do muro de Berlim.

O fim da vergonha.

sábado, 7 de novembro de 2009

Sanção ao PM

Sócrates teve de novo um comportamento lamentável, de total desrespeito pela AR, ao não responder às questões dos deputados. Sócrates pode permitir-se não responder, em primeiro lugar, porque existe em Portugal um duplo défice, de literacia e de empenho cívico. O défice de literacia impede muitos de perceber que aquela chuva de palavras de Sócrates não passa de lábia para evitar responder a perguntas incómodas. O défice de empenho cívico impede muitos outros de, percebendo que o PM não responde, se indignarem com este défice de explicações ao país. Voltamos quase sempre ao país do “respeitinho”.

Mas Sócrates pode permitir-se não responder, em segundo lugar, porque não há nenhuma sanção política para este comportamento de desrespeito pela AR. Sendo assim, proponho a criação dessa mesma sanção. Independentemente de outras ideias para a sanção em concreto, proponho que o governo seja penalizado nos minutos de que dispõe para falar na AR.

Depois do debate parlamentar, cada partido político entregaria ao presidente da AR uma lista das perguntas que considerava que não tinham sido respondidas, segundo uma grelha de complexidade e razoabilidade de tempos de resposta. Se a questão é demasiado específica, não é razoável esperar que o PM tenha sempre a resposta na ponta da língua. Mas é inadmissível que não responda à pergunta “mantém a confiança política em X, nomeado pelo governo e arguido num caso grave de corrupção?”

A comissão encarregue da avaliação das não respostas, presidida pelo presidente da AR, concluiria a lista das perguntas não respondidas, que seriam tornadas públicas, bem como a respectiva sanção. No debate seguinte, o governo seria penalizado em x minutos, pelas suas não respostas.

Este sistema tinha como primeira vantagem que a esperteza saloia de não responder seria claramente denunciada e publicitada. Passaria a ser um jogo pouco razoável de jogar, porque os benefícios passariam a ser mínimos. Em segundo lugar, se o PM se puser a jeito, leva penalizações sucessivas da AR, uma humilhação pública que não deve apreciar.

Penso que actualmente até estão reunidas as condições políticas para avançar com esta ideia. Aliás, mesmo que a ideia não avançasse a mera ameaça de a concretizar já seria boa. Em primeiro lugar, toda a oposição tem um elevado capital de queixa do PM, pela forma como tem desrespeitado a AR. Logo, deverá aprovar este conceito. Em segundo lugar, Sócrates tem chantageado a oposição para não o derrubar. Com esta sanção, após meses e meses de penalizações ao PM e sucessivas acusações de desrespeito pela AR, a oposição fica com toda a legitimidade para derrubar um governo, com o argumento que este vem desrespeitando a AR há imenso tempo.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Velhos do Restelo?

Vasco Pulido Valente critica hoje Sócrates, quando este chama “velhos do Restelo” aos seus críticos.

Na verdade, estes velhos do Restelo é que defendem alterações significativas na nossa vidinha. Medina Carreira defende uma transformação profunda do Estado, Êrnani Lopes defende a aposta no hipercluster do mar, etc, etc.

Mas alguém vê Sócrates como Vasco da Gama? Sócrates, na melhor das hipóteses leva-nos a uma excursão às Berlengas e, na pior e mais provável das hipóteses, está a levar-nos em direcção ao triângulo das Bermudas, onde nos afundaremos.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Perversidades estatísticas

O governo pretende alargar o acesso ao subsídio de desemprego, respondendo tardiamente aos anseios da oposição e de vários parceiros sociais.

http://www.jornaldenegocios.pt/index.php?template=SHOWNEWS&id=394727

No entanto, não é inteiramente certo que o governo esteja consciente das consequências desta medida sobre as estatísticas do desemprego. Para se estar incluído nas estatísticas do desemprego é necessário ter estado activamente à procura de emprego. Mas quando já se está desempregado há muito tempo e já não se tem direito a nenhuma prestação social, muitos desempregados deixam de estar activamente à procura de emprego embora permaneçam sem emprego. Para as estatísticas oficiais deixam de estar desempregados.

Com uma maior generosidade no subsídio de desemprego, menos pessoas vão sair das estatísticas, há menos desencorajados, ou seja, o desemprego oficial vai aumentar com esta medida. Esta questão é particularmente relevante em termos políticos para 2011. Segundo a Comissão Europeia o desemprego deverá começar a cair em meados de 2011, uma previsão que me parece optimista. Mas com esta medida o governo deverá adiar o pico do desemprego oficial e poderá ser apanhado ainda com o desemprego a subir, quando a AR for previsivelmente dissolvida dentro de dois anos.

Se o governo tivesse dois dedos de testa, começava já a falar neste fenómeno, para depois não ser apanhado na curva. Mas não me parece que tenha.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Renovar o PSD

O meu artigo deste mês no Jornal de Negócios:

http://www.jornaldenegocios.pt/index.php?template=SHOWNEWS_OPINION&id=394465

Bravo!

Demorou menos tempo do que eu esperava. No BCP lá perceberam que a manutenção de Armando Vara da administração era um erro que lhes ia custar caríssimo.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

De volta ao fundo da tabela

Para 2011 a CE prevê que Portugal apenas cresça 1,0%, muito abaixo dos 1,6% previstos para a UE. A divergência estrutural segue dentro de momentos, com Portugal de volta ao fundo a tabela do crescimento, conseguindo o penúltimo lugar em 2011, ex-aequo com Espanha e apenas à frente da Grécia.

A CE prevê uma ligeira queda da taxa de desemprego em 2011, apesar de prever que o emprego só deverá crescer uma décima nesse ano, o que é um pouco estranho. O défice externo deverá manter-se intacto acima dos 10% do PIB, continuando a dívida externa a sua trajectória explosiva.

O défice público deverá manter-se sempre acima dos 8% do PIB (segundo a hipótese comum de manutenção das actuais políticas), muito acima da média da zona do euro, tal como sucede com a dívida pública. Como é óbvio, as actuais políticas não se podem manter, mas já é menos óbvio como é que um governo minoritário encontrará o caminho para aplicar os cortes orçamentais necessários.

Ridículo

O ministro das Finanças, em resposta à revisão em alta das previsões da Comissão Europeia, diz que as medidas anti-crise estão a surtir efeito. Como é que é? Portugal tinha um dos mais pequenos pacotes de ajuda anti-crise, e até Setembro ainda só tinha sido gasto 42% do pacote e as medidas estão a surtir efeito?

A CE prevê que Portugal já cresça 0,3% em 2010, mas a procura interna terá ainda uma contribuição negativa de 0,2% para o PIB, sendo o crescimento fruto exclusivo do contributo das exportações líquidas. O que o ministro pretende dizer é que o pacote português teve uma impacto tão forte na Alemanha, França e outros países, que eles desataram a comprar exportações portuguesas?

Entretanto, para grande surpresa nossa (pois, pois), o ministro já vem dizer que afinal o défice de 2009 não vai ser os 5,9% apregoados e que há tão pouco tempo não fazia sentido nenhum rever.

Não aprendem?

Parece que, numa leitura estrita da lei, o Banco de Portugal não pode impedir a continuação de Armando Vara na administração do BCP. Não acredito que não haja uma norma geral que exija uma boa reputação aos membros do conselho de administração.

Mas há ainda a chamada moral persuasion, em que o governador do Banco de Portugal tem uma “conversinha” com a administração do BCP e eventualmente com os maiores accionistas: “Ó meus caros amigos, vocês não têm consciência da péssima imagem para o banco e para os seus negócios que é passarmos os próximos meses a ler notícias nos jornais que o Armando Vara isto e aquilo? Mesmo que ele não esteja directamente envolvido é o caso onde ele está envolvido. Arranjem-lhe lá uma sabaticazinha, ir tirar um MBA nos EUA ou qualquer coisa do género.”

Mas, como estamos em Portugal, já se sabe que isto só vai acontecer muito tempo depois de muitos estragos já terem ocorrido, em vez de se cortar o mal pela raiz. Esperemos que o mercado accionista saiba dar um sinal atempado à administração do BCP sobre o que fazer. Os accionistas estrangeiros devem estar loucos e a perguntar-se: “que país é este onde eu cometi o erro de investir?”