terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Margem para descer impostos?

Ainda não há números finais, mas tudo indica que o défice orçamental de 2007 se fique entre os 2,5 e 2,7% do PIB, melhor do que o previsto inicialmente. Se o resultado global é positivo, a sua decomposição deixa bastante a desejar. O “melhor do que o esperado” foi praticamente todo do lado da receita. Quando todos os estudos sobre consolidação orçamental concluem que um resultado duradouro só se consegue quando se actua do lado da despesa.

Houve desvios pela positiva na Segurança Social (SS) mas aqui há um número surpreendente. A despesa com subsídio de desemprego caiu 8,1%, quando o desemprego propriamente dito está em alta. O governo argumenta que se trata de ganhos no combate à fraude. Não se nega que haja fraude a combater (embora um mundo sem fraude não esteja ali ao virar da esquina), mas suspeita-se que este valor terá sido obtido com um excesso de zelo na fiscalização. “Trabalhou duas horas o mês passado? Então já não tem direito a subsídio nenhum!” Tal como o excesso de zelo que se tem detectado nas finanças. Com uma diferença: o excesso de zelo nas finanças pode afectar a generalidade das pessoas e mais facilmente chegar a ser notícia. Já o excesso de zelo na SS ataca as pessoas numa posição mais fragilizada a vários níveis, com inclusive ignorância dos seus direitos. Se um funcionário, por ignorância, incompetência ou outra razão qualquer, disser a um desempregado que ele não tem direito a nada, ele vai fazer o quê?

É preciso ainda referir que os subsídios de desemprego não são despesas do Estado consigo próprio, mas redistribuição de rendimento entre famílias. Há impostos que são pagos pelas famílias que voltam a uma parte delas, por terem membros no desemprego. Ora, uma das piores características da despesa pública em Portugal é que a fatia gasta em redistribuição é anormalmente pequena, enquanto a parte que o Estado gasta consigo próprio é anormalmente elevada. Ou seja, mesmo na despesa, o corte não foi onde ele era mais necessário.

Quanto a margem para descer impostos, é preciso cuidado. Não basta que o défice esteja em baixa, é essencial que esta redução seja sustentável. Presume-se que parte dos ganhos na receita sejam de maior eficácia na luta à fuga ao fisco. Esta maior eficácia é em parte estrutural, mas tem também uma componente extraordinária: são a redução dos atrasos, o sujeito que passa a estar dentro do sistema e tem que pagar impostos dos vários anos em que não era “apanhado”, etc. Esta segunda componente é claramente transitória, porque os ganhos de fiscalização têm um limite. Outra questão sobre a qual não há dados, mas apenas comentários de corredor é o de que muito do sucesso das receitas se deve a multas por tudo e por nada. Também aqui, estaremos perante um processo de aprendizagem. Estamos numa fase de transição em que o fisco passou de um grande laxismo para um grande rigor. Enquanto as pessoas não se habituarem, há lugar a muitas multas, mas quando as pessoas se habituarem ao “novo regime” as oportunidades de multas irão cair drasticamente. Por isso repito: cuidado com a sustentabilidade da consolidação orçamental. Parece-me cedo para baixar impostos, até porque o cenário macroeconómico para 2008 está muito carregado, com nuvens que têm vindo a ficar mais negras nos últimos dias, com fortíssimas quedas em quase todas as bolsas do mundo.

1 comentário:

Anónimo disse...

"Por isso repito: cuidado com a sustentabilidade da consolidação orçamental. Parece-me cedo para baixar impostos, até porque o cenário macroeconómico para 2008 está muito carregado, com nuvens que têm vindo a ficar mais negras nos últimos dias, com fortíssimas quedas em quase todas as bolsas do mundo"
2009 é ano de eleições e bem me parece que o objectivo prioritário agora é trabalhar para ganhar eleições.
Como o portugûes é curto de memória, os "rebuçados" servem para apagar o sabor amargo do abaixamento do nivel de vída consequência das medidas politicas tomadas.
Esperemos que eles não tardarão a ser distribuidos. Do primeiro já se vai falando.À medida que se aproximam as eleições mais virão e o povinho de má memória vai dizer "que gaijos porreiros" vamos votar neles