domingo, 27 de janeiro de 2008

Da intocabilidade

O estatuto de intocabilidade presta-se a abusos. Infelizmente, em Portugal com este défice de auto-disciplina que nos vem do excesso de autoritarismo, mesmo em períodos e democracia, a probabilidade de abusos é maior. Nos países com maior tradição de autonomia pessoal (anglo-saxónicos, escandinavos, etc) há uma tendência para a auto-disciplina, que nos falta.

O Banco de Portugal (BdP) tem muito desse estatuto de intocabilidade. Aliás esta mesma aura de intocabilidade é próprio de países com grande distância ao poder, como é o caso dos latinos. O resultado é que o escrutínio das instituições intocáveis é reduzido, abrindo-se espaço para o abuso não detectado. Como adicionalmente, nos está nos genes um certo défice de auto-disciplina, aumenta a probabilidade de o abuso ser praticado.

Quando o governador do BdP se prestou ao triste episódio dos 6,82% do défice “previsto” para 2005, estava a passar a linha do seu estatuto. Muito curiosamente, ainda resguardado pelo estatuto de intocabilidade que o BdP lhe conferia, a resposta levou o seu tempo a chegar, reforçando aliás essa (agora já ilusão de) intocabilidade. Mas as críticas começaram a surgir, inicialmente mais esparsas, mas em crescendo.

No Público de hoje, p. 46, vem um sólido artigo de António Sampaio e Mello, Professor na Universidade de Wisconsin (EUA) e ex-director do Departamento de Estudos do BdP. O artigo é muito extenso, não poupando críticas a Constâncio, pela forma como tratou da questão da supervisão e dos danos que, com isso, provocou à imagem do BdP. A ideia essencial, que vem na linha do que penso, é que “a supervisão que temos é falível para além do aceitável.”

“A responsabilidade de Vítor Constâncio nesta matéria é pessoal e intransmissível. Como primeira figura da instituição e não sendo especialista no assunto, o seu dever era propor ao governo pessoas que estivessem à altura da principal atribuição que o banco tem hoje. Mas não. Preferiu antes rodear-se de figuras pálidas que não lhe fizessem sombra e, assim, afirmar como o Rei-Sol que “o banco é ele.” A tragédia de Constâncio é que o seu desejo de merecer a admiração pública o deixa agora despido e sem segunda linha para o proteger do braseiro que a sua própria aventura criou.”

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